Mariana Peixoto
Estado de Minas: 13/01/2013
Épico que custou R$ 14 milhões – o que lhe garante, para os padrões nacionais, o título de superprodução –, Xingu, de Cao Hamburger, foi uma decepção nas bilheterias no ano passado. Levou apenas 370 mil pessoas aos cinemas. Exibido, no fim de dezembro, como uma microssérie em quatro noites seguidas na Rede Globo, teve, em sua estreia, média de audiência de 16 pontos (cada ponto corresponde a 60 mil domicílios na cidade de São Paulo). Não é preciso ser rápido nas contas para saber que a saga dos irmãos Villas Bôas, indigenistas que criaram o Parque Nacional do Xingu, foi vista, na televisão, por um número de pessoas na casa dos sete dígitos. “A ideia de que o público brasileiro não foi ao cinema ver Xingu por causa do tema está em xeque depois da experiência na TV”, afirma Cao Hamburger, que quer estudar a fundo os números para tentar entender o que ocorreu com seu filme nas telas grande e pequena. “Ainda que não esperasse que ele fosse um blockbuster, é uma questão a se pensar por que não foi bem no cinema”, continua. A partir de terça-feira, com a estreia de Gonzaga – De pai pra filho, também em quatro capítulos no horário noturno da Globo, outro cineasta, Breno Silveira, vai estar de olho nos resultados da TV.
Mais conhecido por dirigir Dois filhos de Francisco (2005) – esse um verdadeiro blockbuster, com público de 5,3 milhões de espectadores, o que corresponde à terceira maior bilheteria de produção nacional desde o ano 2000 –, Silveira esperava para a cinebiografia de Luiz Gonzaga um número maior do que o 1,475 milhão de pessoas que o longa-metragem fez até agora (ainda está em cartaz em meia dúzia de salas no Brasil). “Nos cinemas, Gonzaga saiu bem de público, só que tomou uma porrada grande de 007 e Amanhecer em duas semanas. Temos que pensar se um só filme pode entrar nos cinemas ocupando 60%, 70% do mercado”, diz ele.
Fato é que os dois cineastas estão com experiências bastante distintas sobre um mesmo produto. Mas, para chegarem à TV, tanto Xingu quanto Gonzaga sofreram muitas modificações. Muita edição, com a inclusão de (poucas) cenas extras, e nova abertura fazem parte dessas mudanças. Xingu contou com um diário (off gravado pelo ator João Miguel) que explicava o que havia ocorrido no capítulo anterior.
Para Silveira, que nunca havia trabalhado em televisão, o processo foi um aprendizado. “No cinema você tem a chance de reter o espectador na sala escura sem conversa com o cara ao lado. Pode usar mais o tempo dramático, os silêncios. A TV tem que ter um impacto contínuo na cabeça do espectador, você não pode dar a chance de ter um ritmo mais lento.” Um dos artifícios para que a história prenda o interesse dia após dia é abusar dos diálogos. “Temos que ir direto para eles”, continua Silveira, que sempre esteve em busca do grande público.
Digital Outro híbrido TV/cinema foi a microssérie O canto da Sereia, que terminou sexta-feira. Nasceu como um projeto televisivo, mas boa parte de sua equipe veio do cinema – a fotografia, inclusive, é assinada por Walter Carvalho, referência no país. Diretor da história inspirada no livro homônimo de Nelson Motta, José Luiz Villamarim é cria da televisão, mas aposta no híbrido como um diferencial. “Está cada vez mais difícil filmar com película, o digital chegou para o futuro. Evidentemente com mais qualidade e custo menor, filma-se muito bem com o digital. Neste momento, está na mão da gente fazer benfeito.” Com a boa repercussão do projeto, Villamarim pensa longe. “Acho um pouco difícil adaptar, porque a história é um pouco grande, mas uma versão para o cinema não está fora de questão. Eu adoraria”, finaliza.
• cinema na tv ou tv no cinema?
. Séries que viraram filmes
O auto da Compadecida e Caramuru – A invenção do Brasil
. Filmes que viraram séries
Guerra de Canudos, O bem amado, Xingu e Gonzaga – De pai pra filho
. Filmes que viraram seriados
Divã, Antônia e Mulher invisível
. Seriados que viraram filmes
Os normais e A grande família
. Peças de teatro que viraram filmes e depois séries
Ó paí, ó e Divã
. Telefilmes
"O público do cinema não representa o Brasil"
Publicação: 13/01/2013 04:00
Minissérie que vai para o cinema; longa-metragem que vira série; filmes que são feitos para a TV; seriados que viram filmes e vice-versa. Por trás de boa parte dessas produções híbridas está Guel Arraes, diretor de núcleo da Globo. Xingu e Gonzaga são do núcleo dele, assim como o telefilme Doce de mãe, dirigido por Jorge Furtado e coprodução da Globo com a gaúcha Casa de Cinema, que foi ao ar em dezembro. “Essa história veio de 10, 12 anos para cá. Antes havia a ideia de que o cinema brasileiro era meio que inimigo da televisão. Hoje a parceria é muito fecunda, ainda que na TV aberta não caiba tudo, como o cinema experimental”, comenta Arraes. Na opinião dele, cabem na televisão, por exemplo, grandes temáticas (como é o caso de Xingu) ou comédias clássicas, como O bem amado. “Não uma comédia como De pernas pro ar, pois isso a TV já faz”, afirma Arraes sobre um dos atuais sucessos do cinema.
Sobre a repercussão recente de Xingu, Arraes acredita que ela diz muito sobre a TV, mas também muito sobre o cinema. “O público de cinema é muito segmentado, ele não representa a população brasileira. Há algum tempo, pesquisas davam conta de que 40%, 50% do público que ia para o cinema era de jovens que frequentavam shopping. Você não pode querer que um jovem de 16 a 24 anos deixe de ver uma comédia americana para ver Xingu. A TV abre o espectro da população”, avalia.
Arraes mesmo é o autor de projetos híbridos muito bem-sucedidos, como as séries O auto da Compadecida (2000) e Caramuru – A invenção do Brasil (2001), que, depois de serem exibidos em episódios na TV, chegaram ao cinema. Já o seu O bem amado (2010) fez o caminho inverso. Essa programação híbrida ficou fixada na grade da Globo para o período das férias, entre dezembro e janeiro. Depois disso, os programas regulares voltam a ser exibidos.
Para um material feito para cinema chegar à TV, de acordo com Arraes, ele tem que obedecer aos seguintes critérios: a história tem que ser popular; ter grandes temas; tender a ser mais falada do que visual; e ter uma levada que prenda o espectador e o estimule a voltar no dia seguinte.
Cada vez mais “emburacado” na TV, Arraes, que também dirigiu os longas Lisbela e o prisioneiro (2003) e Romance (2008), não pretende voltar a dirigir para o cinema tão cedo. “Cinema combinado com TV já fiz. Para fazer coisas menos comerciais, o circuito é difícil. Então, se for para ser experimental, prefiro fazer teatro, como a peça que fiz agora com o Marco Nanini (A arte e a maneira de abordar seu chefe para pedir um aumento). É um custo menor e atinge um público cativo, que vai ao teatro. Pois grande espetáculo mesmo é a televisão”, conclui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário