Máscaras da virtude
Reconhecido pelo rigor implacável com que conduziu o processo do mensalão, o ministro Joaquim Barbosa parece agora consagrar-se como figura popular.Obteve sucesso a ideia de usar seu rosto como modelo para máscaras de Carnaval. Já se venderam 25 mil exemplares do produto para os folguedos deste ano -e outros 15 mil foram encomendados ao fabricante.
Nem sempre, todavia, a adoção da efígie carnavalesca pode ser interpretada como sinal de apoio popular. O ex-senador Demóstenes Torres também passou a integrar, embora com menor demanda, a galeria das inspirações momescas de 2013. E a razão é inversa: ao se revelarem suas relações com Carlinhos Cachoeira, o parlamentar se tornou bem mais alvo de deboche que de admiração.
Do mesmo modo, na esteira dos atentados de 2001, o rosto de Osama bin Laden se reproduziu nas ruas e nos salões de baile do fevereiro seguinte. Tratava-se de jogar antes com o humor e a inversão de expectativas do que de assinalar alguma forma de idolatria coletiva.
Não foram unânimes, de resto, as aprovações à conduta de Barbosa. Ao mesmo tempo em que o ministro atendia a reivindicações generalizadas quanto ao fim da impunidade, seu azedume e impaciência deram sustento à tese, manifestada em círculos petistas, de que o espírito da perseguição política predominou sobre a imparcialidade no voto que proferiu.
O Carnaval deste ano procede tanto como celebração das virtudes de Barbosa quanto como neutralização humorística de tudo o que ele representa. A necessidade de punir com justiça e lógica os responsáveis pelos desmandos do governo Lula se concilia com a vontade de exorcizar o que talvez exista, no fundo, de ameaçador e de acerbo na figura do magistrado.
É o desrespeito às normas e convenções o que rege a comemoração carnavalesca. O austero adágio "a lei é dura, mas é a lei" cede, em tese, à máxima de que "não existe pecado ao sul do Equador", e não é por acaso que o refrão "mamãe, eu quero mamar" constitua um clássico entre os clássicos do repertório de Carnaval.
Todos algozes, todos vítimas; moralistas, porém flexíveis; santos, mas pecadores; faunos e vestais: seria mais exato se, em vez das de Joaquim Barbosa, as máscaras de Jano -o deus romano das duas faces- fossem usadas para representar o comportamento brasileiro.
EDITORIAIS
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Desperdício estatal
Governos nas três esferas precisam rever prioridades e evitar esforços que reduzam a eficiência e dificultem o planejamento de longo prazo
O governo federal paga a energia fornecida por usinas eólicas na Bahia. Mas a estatal responsável por transportar a energia para o restante do país não aprontou as linhas de transmissão. A eletricidade paga não vai a lugar algum.
O governo federal cria com estardalhaço um plano de enviar jovens cientistas para estudos no exterior. Mas não remete o dinheiro das bolsas a estudantes, que têm então de tomar empréstimos de suas universidades estrangeiras.
Governos diversos do Brasil, de municipais ao federal, compram computadores às centenas de milhares. Mas as escolas não sabem o que fazer deles, pois os professores não foram treinados ou não há recursos para conectar os equipamentos a redes de informação.
São antigos e recorrentes os casos de planos grandiosos que não chegam a lugar algum ou, de tão mal elaborados, consomem excessos de recursos devido a atrasos, falta de coordenação ou apenas corrupção. Exemplo clássico é o dos prédios de hospitais sem equipamentos ou, quando equipados, carentes de profissionais. Mas a incompetência perdulária vai além.
Ainda que úteis e, talvez, até bem pensadas, algumas obras são tão mal administradas que a exorbitância de seus custos levanta dúvidas sobre sua viabilidade financeira. Por exemplo, a construção da ferrovia Norte-Sul, que começou com um escândalo de corrupção revelado nesta Folha, está para completar um quarto de século. A obra tem de ser refeita. Dados os atrasos, os custos diretos sobem. Ademais, os trilhos jamais puderam ser usados a plena capacidade.
O Estado se lança em projetos demais. Dado o histórico de atrasos, estouros de custos e descoordenação, é evidente que os governos não dispõem de capacidade gerencial ou financeira para administrar tantas iniciativas.
Normas e instituições que regulam investimentos em infraestrutura parecem respectivamente datadas e carentes de quadros técnicos, caso de órgãos de planejamento, agências reguladoras, defesa ambiental e controle financeiro.
Em suma, o Estado extrapola suas competências em termos quantitativos e qualitativos, além de errar o alvo de suas intervenções.
Precisa ser enxuto e rever prioridades, em vez de embaraçar atividades para as quais a iniciativa privada dispõe de recursos técnicos e financeiros, como portos e aeroportos, nos quais a mão do governo pesa por vícios ideológicos.
Precisa se concentrar em menos atividades, deixadas ao léu pelas empresas; não pode ser grande a ponto de escapar da vista da sociedade à qual deveria servir.
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