Nos anos 30, reagindo a uma onda de protestos contra a “licenciosidade” nos filmes de Hollywood, a indústria cinematográfica americana criou um código determinando o que o público podia e não podia ver na tela. Nudez nem pensar, beijo de boca aberta esquece, sexo só sugerido e assim mesmo dentro de certos limites específicos. Homem e mulher, mesmo casados, não podiam aparecer na mesma cama. Durante os anos de vigência do código puritano, cama de casal, e tudo que ela implicava, era proibida, a não ser que fosse ocupada por uma só pessoa.
Com uma exceção, como sacou o Ruy Castro numa das suas colunas recentes na Folha: o Gordo e o Magro. Há várias cenas nos filmes do Gordo e o Magro em que os dois dormem juntos na mesma cama de casal – isso quando o sono não é interrompido por um fantasma ou uma briga pelo cobertor. E ninguém, que se saiba, jamais protestou contra os dois homens numa cama só. Talvez porque a ideia do Gordo e o Magro fazendo sexo não tenha ocorrido nem à mente mais suja ou mais puritana. Ou talvez se concedesse a uma dupla humorística, cujo fato de ser inseparável fazia parte da sua graça, uma licença que outros casais da tela não tinham.
O curioso é que justamente nessa fase em que o puritanismo reinou, alerta contra qualquer alusão sexual, por menos explícita que fosse, ninguém prestava atenção, por exemplo, no estranho relacionamento do Batman com o Robin. Nunca se soube se os dois dormiam juntos, mas essa seria uma especulação natural numa época tão fixada em sexo e seus subterfúgios. Mas só se começou a fazer este tipo de interpretação – o Zorro e o Tonto representando o colonialismo branco e a submissão do índio, mas certamente dormindo agarradinhos no frio das planícies – tempos depois, quando o ridículo código já tinha acabado, e as camas de casais podiam ser ocupadas por três ou quatro de sexos diferentes.
Mas entende-se. O puritanismo é uma espécie de inocência. Concentra-se tanto no rabo do vizinho que não vê mais nada.
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