Copiar e colar
Ilustração publicada na Folha reproduz desenho estrangeiro; jornal dá correção, mas não explica ao leitor o que houve
As duas ilustrações acima não serviriam para o Jogo dos Sete Erros. A única diferença entre elas são os conjuntos de linhas horizontais com números desenhados.A primeira foi publicada na segunda-feira passada na coluna "Finanças Pessoais", do "Folhainvest". A segunda, que é a original, ilustrou a capa de junho de 2012 da "World Policy Journal", revista trimestral de um centro de estudos americano.
Quem notou a semelhança foi o publicitário Sérgio Godoy, 31. "Tinha visto o portfólio com esse desenho um dia antes. Estava folheando o jornal de manhã, bati o olho e pensei 'conheço isso'", conta Sérgio.
Depois do alerta do leitor, foi publicada na seção "Erramos" de quarta-feira uma correção que informava apenas que a autoria da ilustração não era de Alice Abramo, mas de Tang Yau Hoong.
Os dois são designers gráficos. Alice Abramo, 30, colabora com a Folha há dois anos. Yau Hoong, 28, mora do outro lado do mundo, em Kuala Lumpur, na Malásia, de onde produz para várias publicações estrangeiras ("Esquire", "New Scientist", "The Observer" etc).
Por e-mail, Hoong informou que o desenho feito por ele para a revista americana não foi vendido para mais ninguém. Alice Abramo preferiu não se pronunciar.
A Secretaria de Redação considera que houve cópia. Afirma ter "corrigido a informação imediatamente" e diz que a ilustradora não vai mais colaborar com a Folha.
Faltou contar isso ao leitor, expor o problema com transparência. A correção publicada parecia tratar de um simples equívoco, de troca de créditos, na montagem da página.
Além da questão da autoria, o caso faz pensar sobre o uso das ilustrações no jornal. O desenho original foi feito para a capa de uma revista que trazia um artigo sobre a Olimpíada e uma entrevista com Garry Kasparov. Os elementos refletidos da paisagem formam um capacete de futebol americano, um taco de beisebol, uma raquete de tênis, peças de xadrez, bicicleta... tudo a ver com esporte.
Já a coluna de finanças orientava o leitor sobre como economizar para concretizar os sonhos do ano novo. Não havia menção a esporte, mas ninguém percebeu que texto e desenho não casavam.
Não foi um caso pontual de desatenção. Algumas ilustrações são tão abstratas que poderiam pertencer a qualquer texto, o que não é um problema em uma galeria de arte, mas é num produto jornalístico.
Para Mário Kanno, editor-adjunto de Arte, "o ilustrador não precisa repetir o que está escrito". "Seu papel é o de interpretação e expressão. Ele tem liberdade para dar ênfase, passar a sua visão do assunto, que pode ser mais realista ou mais abstrata, de acordo com o seu estilo", defende.
Dos grandes jornais, a Folha é o que mais usa ilustração. Cada colunista tem o seu desenhista e algumas reportagens lançam mão de desenhos para suprir a falta de fotos. Em uma semana, 49 artistas diferentes publicam no jornal -sem contar os autores dos quadrinhos.
A Redação não acredita que a quantidade de colaboradores dificulte o controle de qualidade. "Os problemas surgem da rotina inerente à imprensa: prazos curtos e correria do fechamento", diz Kanno.
É louvável a Folha abrir espaço para novos talentos e deixar que os artistas trabalhem com liberdade. Mas o caso desta semana mostra que a dose está exagerada. Se é para manter uma vitrine tão variada de ilustradores, é preciso melhorar os mecanismos de controle.
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