domingo, 13 de janeiro de 2013

MOMENTO DE RUPTURA » Ousadias da criação( Bocato) - Eduardo Tristão Girão‏

Bocato lança obra autoral com músicas orquestrais que passeiam entre o erudito e o popular. Músico aposta na liberdade e diz que álbum representa mudança de atitude 

Eduardo Tristão Girão 
Estado de Minas: 13/01/2013 
O trombonista paulista Bocato pode estar correndo vários riscos, mas preferiu assim. Por enquanto, é impossível saber no que vai dar seu recém-lançado disco duplo Esculturas de vento (Selo Sesc), mas que é um trabalho ousado, isso não há dúvidas. Reunião de 16 temas orquestrais autorais (quase todos instrumentais), que ficam na zona cinzenta entre a música popular e a erudita, o álbum é fruto da total liberdade que o artista teve para compor o que quisesse.

“Foi uma luta muito grande. É muito difícil para mim, pois esse trabalho foi uma mudança de atitude, um rompimento com meu passado e com a música brasileira, sem me calcar em ninguém. Foram dois anos escrevendo e criando tudo sozinho. Eu e 14 músicos gravamos instrumento por instrumento, durante oito meses”, conta Bocato, que tem 52 anos e já passou dos 30 de carreira.

O músico diz que alguns amigos que escutaram o disco disseram ter gostado muito do trabalho. Mesmo assim, o trombonista está certo de que Esculturas de vento é um álbum que “incomoda”. Há peças que duram pouco mais de um minuto e outras em torno dos 10; a guitarra distorcida irrompe num samba batucado ao pandeiro; programações eletrônicas estão em quase todas as faixas; e um solitário corne inglês soa numa faixa batizada de Príncipe Charles.

Tudo isso para não falar na participação de Marina Estefano, de 7 anos, que canta versão de Sapo cururu adornada com cordas sintetizadas. “Nunca houve cisão para que a música brasileira desse um salto. Estou rompendo com a velharada. Alguém tem de fazer esse trabalho sujo, tem de romper com essa coisa de estética de Villa-Lobos, Tom Jobim. Estou num projeto de vida artística de fazer os artistas voarem. É preciso quebrar a redoma, os mitos”, diz.

Circo O novo trabalho difere completamente do que já fez em outros projetos, como com a banda Metalurgia, que ajudou a fundar nos anos 1980. A ligação com a música orquestral, explica Bocato, começou com a necessidade de escrever arranjos para os vários artistas com quem já trabalhou, como Itamar Assumpção. “Sou do jazz e da música erudita. É disso que venho. Só não digo que sou do samba porque sou contra esse ufanismo que está por aí”, alfineta.

A bronca do artista se deve, entre outros fatos, à forma como o chorinho é tocado por certos artistas atualmente – aplaudida por muitos especialistas, diga-se. “Virou música de circo. Velocidade não é o mais importante. É como dar um revólver na mão de um macaco. Os caras não põem um acorde novo. Estou interessado em música”, justifica.


NO FORNO


Inicialmente, todo esse repertório seria doado para o acervo da Biblioteca Nacional, mas o convite para gravar pelo Selo Sesc se mostrou caminho viável para levar Esculturas de vento ao público. “Agora, depende de os maestros tocarem isso. Não estou nem aí se tocarem agora ou depois, pois já estou escrevendo outra obra. Serão 14 suítes que representam as partes da Divina comédia, de Dante Alighieri, o que vai me tomar uns três ou quatro anos de trabalho”, revela. A princípio, essa obra também será doada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário