sábado, 26 de janeiro de 2013

Reedição de obra de Freyre se justifica pelo valor histórico

FOLHA DE SÃO PAULO

CRÍTICA POESIA
JOSÉ ALMINOESPECIAL PARA A FOLHAPara Gilberto Freyre (1900-1987), "o sociólogo, o antropólogo, o historiador, o cientista social, o possível pensador são em mim ancilares do escritor".
É como se identificasse nessa qualidade uma espécie de virtude metodológica que fosse necessariamente de par com seus esforços analíticos de explicação da sociedade. Seja como for, nos seus ensaios são mobilizados recursos comuns à prosa literária.
Uma sintaxe própria que incorpora coloquialismos, uma narrativa quase nunca linear, em que a ordem expositiva da demonstração do argumento é abandonada e os assuntos vão se acrescentando por analogias.
Os períodos se alongam, enfeitam-se de metáforas, de sinestesias, adquirem ritmos próprios, como se ele buscasse combinar persuasão e sedução.
O caráter fugidio da realidade social -o seu assunto- pediria a combinação dessas manifestações múltiplas da linguagem, e o resultado, para ele, seria necessariamente incompleto, ambíguo.
Convicção que vai se refletir -não sem um traço de falsa modéstia- em inúmeros de seus títulos, onde são utilizados termos como "introdução", "quase", "semi", "sou e não sou", "apenas" e neste "Talvez Poesia", de 1962, que inclui na nova edição os poemas de "Poesia Reunida" (1980) e duas poesias inéditas.

VERVE DE SOCIÓLOGO
Vários poemas de "Talvez Poesia", o autor esclarece, foram desentranhados da sua prosa ensaística pelos poetas Lêdo Ivo e Mauro Mota.
Na apresentação, um deles é identificado. Trata-se de "Nordeste da Cana-de-açúcar", que começa assim: "Nordeste de árvores gordas,/ de gente vagarosa/ e às vezes arredondada quase em sanchos-panças pelo mel de engenho,/ pelo peixe cozido com pirão,/ pelo trabalho parado e sempre o mesmo".
Não é mal. Mas, por que extraí-los em versos? Vistos em separado, são composições arrumadas, uma seleta inteligente da verve do sociólogo.
No seu meio original, frases como essas avultam, destacam-se exatamente porque fazem parte de um arsenal retórico de grande poder expressivo, ajudam a compor uma narrativa que se esforça por descrever, analisar ou mesmo celebrar uma realidade, uma história.
Reforçam e identificam o estilo do escritor, não criam necessariamente um bom poeta. Na coletânea, destaca-se "Bahia de Todos os Santos e de Quase Todos os Pecados".
Publicado em 1926, combina de maneira concisa observação sociológica -olhar minucioso na descrição- com a sintaxe livre do modernismo.
Faz lembrar a "Evocação do Recife" de Bandeira, poema que havia sido encomendado pelo próprio Freyre para uma revista pernambucana.
A reedição de "Talvez Poesia" se justifica por se tratar de um documento, trazendo um traço do jeito de ser gilberteano, muitas vezes glosado por ele mesmo: a vaidade.
Somente como registro histórico e afetivo poderíamos entender a inclusão de alguns versos de circunstância, que ficam apenas como testemunhos simpáticos de alguns momentos da vida do autor.
JOSÉ ALMINO, poeta e pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa, é autor de "A Estrela Fria" (Companhia das Letras).

TALVEZ POESIA
AUTOR Gilberto Freyre
EDITORA Global
QUANTO R$ 42 (208 págs.)
AVALIAÇÃO bom

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