FERNANDO MORAIS
O chavismo sobreviveria sem Hugo Chávez?
SIM
Todos são Chávez, mesmo sem Chávez
Dias atrás, centenas de milhares de venezuelanos ocuparam o centro de Caracas para "tomar posse" no lugar do presidente Hugo Chávez, ausente do país para tratamento médico. Colorida e ruidosa, a multidão que cercou o Palácio Miraflores não carregava fuzis AK47 nem coquetéis molotov, mas uma arma com poder de fogo muito maior: a Constituição nacional.
Portando no peito faixas presidenciais de pano ou de papel, feitas a mão, em vez de slogans sangrentos, repetiam um único bordão: "Todos somos Chávez! Todos somos Chávez!".
Ironizado pela imprensa de direita como cena do realismo fantástico, o episódio estava carregado de simbolismo e significado. Se Chávez é mesmo um ditador e se a economia da Venezuela está pela hora da morte, como martelam diariamente nove entre dez veículos de comunicação no Brasil, por que, diabos, ele é tão popular?
Os esfarrapados rótulos de "populismo" e "caudilhismo" são cada dia mais ineficazes para explicar por que Chávez e seu governo já se submeteram a 16 processos de avaliação, entre eleições e referendos, e em apenas um saíram derrotados. A última vitória, ocorrida em dezembro, aconteceu quando Chávez já se encontrava em Cuba: os chavistas elegeram 20 dos 23 governadores de Estados venezuelanos.
Quem quer que visite o país interessado em ver as coisas como as coisas são, sem preconceitos nem estereótipos, terá a oportunidade de constatar o que os jornais não mostram. Qualquer brasileiro médio, jejuno em informação independente sobre a Venezuela, se surpreenderá.
Em 14 anos de chavismo, os índices de analfabetismo foram reduzidos a zero. Nos últimos dois anos, o projeto Gran Misión Vivienda construiu 350 mil casas populares, metade das quais edificada em parceria com mutirões de comunidades organizadas.
O número de médicos por 10 mil habitantes subiu de 18 para 58. Só o sistema público de saúde dispõe de 100 mil médicos, dos quais cerca de 30 mil são cubanos que vivem há cinco anos nas favelas que cercam Caracas, oferecendo atendimento gratuito e permanente a milhares de pessoas. A taxa de mortalidade infantil desabou de 25 para 13 óbitos por mil nascidos vivos e 96% da população tem acesso a água potável.
O coroamento dessas políticas sociais implantadas sob o comando de Chávez não poderia ser outro: em levantamento recente, realizado pela Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe) em 18 nações da América Latina e do Caribe, a Venezuela aparece em primeiro lugar como o país com a mais baixa taxa de desigualdade social.
O que deixa a oposição sem fala e sem munição é que essa marcha pacífica rumo ao socialismo é liderada há 14 anos por um católico praticante sob um processo sui generis, onde não houve fuzilamentos, as instituições funcionam, não há presos políticos e a imprensa desfruta de absoluta liberdade de expressão.
Exagero? Quem tiver dúvidas que entre nos sites www.eluniversal.com e www.el-nacional.com para ver como os dois maiores jornais de oposição do país tratam Chávez e seu governo, todos os dias, sem exceção.
A ideia de que a Revolução Bolivariana não sobreviverá a Hugo Chávez é apenas uma manifestação de desejo dos golpistas de 2002, da elite saudosa da velha Venezuela. Aquela em que a fortuna decorrente do petróleo ia parar em contas bancárias em Miami e na Suíça e não em projetos sociais, como acontece hoje.
Como milhões de outros admiradores do processo venezuelano, torço para que Hugo Chávez vença a batalha contra o câncer e volte logo ao batente. Mas sei que, como todos os demais seres humanos, o presidente é mortal. Sei também, no entanto, que a Revolução Bolivariana que ele concebeu e lidera é para sempre. Quem viver verá.
MARCO VICENZINO
O chavismo sobreviveria sem Hugo Chávez?
NÃO
O fim do culto personalista
Sem seu protagonista principal, Hugo Chávez, o chavismo acabaria minguando com o tempo. Mas o ritmo da "deschavização" seria ditado por diversos fatores.Se forças chavistas vencessem uma eleição antecipada pós-Chávez, o potencial de uma transformação geracional mais longa aumentaria. Prevaleceria uma unidade inicial aparente, especialmente durante o período de luto, e seriam feitas tentativas de implementar medidas mais radicais.
Mas o sectarismo existente acabaria por se manifestar, de formas variadas. Na ausência de sua figura unificadora, o chavismo se desfaria com o tempo.
A ideologia baseada no culto de personalidade a um indivíduo isolado praticamente se esgotou. Boa parte dela agora é baseada no poder bruto tradicional e na patronagem política. O chavismo está lutando para levar adiante a generosidade com seus partidários em casa e em toda a América Latina. Mas, no longo prazo, ele é simplesmente insustentável: não apenas cospe no prato em que comeu, como acaba com ele por completo.
Certo legado vai perdurar, especificamente os programas para o setor social, ainda que modificados. Até mesmo o candidato oposicionista Henrique Capriles reconheceu esse fato na eleição presidencial de 2012.
Como foi o caso de outras democracias regionais, Brasil inclusive, a Venezuela poderá desenvolver um setor social responsável, com uma sociedade aberta, sem repressão política, intimidação e polarização.
A despolitização do uso dos petrodólares, através de maior transparência e prestação de contas, poderia garantir benefícios mais amplamente distribuídos pelo espectro sociopolítico.
Já uma vitória da oposição numa eleição antecipada pós-Chávez poderia assinalar o início mais veloz de uma transformação. Seria priorizada uma nova política externa, que refletisse os interesses nacionais da Venezuela e não as convicções ideológicas de uma pessoa. Muitos dos dependentes regionais de Chávez se veriam em uma realidade difícil.
No front doméstico, o caminho que levaria a mudanças é longo e árduo. Tirando um golpe chavista ou uma recusa em renunciar ao poder, haveria uma abertura política. O fim das violações de direitos humanos, menos intimidação e repressão e o retorno da liberdade completa de imprensa têm força para desencadear mais transformações.
A maior resistência seria imposta pelo chavismo institucionalizado, que domina os principais instrumentos do poder estatal.
Na PDVSA, a estatal petrolífera venezuelana, a incompetência e má gestão exigem mudanças imediatas, como a colocação de tecnocratas apolíticos qualificados. É necessário instaurar uma abordagem de baixo para cima, voltada à obtenção de resultados.
Seria essencial nomear um novo ministro da Defesa, que conquiste respeito em todo o espectro militar.
Seriam necessárias reformas para devolver responsabilidade maior aos líderes civis. Uma transformação gradual do oficialato, repleto de chavistas de carteirinha, é especialmente necessária.
Um Judiciário dominado por chavistas certamente dificultaria a "deschavização". A nomeação de juízes apolíticos qualificados garantiria objetividade maior ao processo legal.
Ademais, a inserção de figuras não chavistas nos organismos eleitorais permitiria um processo eleitoral mais equilibrado. A nomeação de novos diretores dos veículos de mídia estatal também acelerariam o processo de transformações.
Uma reconciliação nacional exige uma abordagem inclusiva: é preciso evitar represálias, exceto em casos de delitos mais graves.
De modo geral, mesmo que elementos chavistas tomassem mais tempo para sumir, a transformação geracional acabaria prevalecendo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário