Artista estreia amanhã no Circo Voador a turnê do elogiado disco ‘Abraçaço’, marcando sua despedida da jovem bandaCê, que o acompanha desde 2006
Em grupo. Caetano, à frente da bandaCê, formada por Marcelo Callado (bateria), Ricardo Dias Gomes (baixo e teclado) e Pedro Sá (guitarra): novo show é o terceiro dos músicos com o compositor, depois de “Cê” (2006) e “Zii e zie” (2009
Bernardo Araújo
“Quem projetaria essa elegância solta/ Essa alegria, essa moça-vanguarda/ Esse rapaz gostoso que é a Lapa/ Lapa, Circo Voador/ Lapa, choro e rock’n’roll.” Respeitando seus próprios versos em “Lapa”, sucesso do disco “Zii e zie” (2009), Caetano Veloso estreia seu novo show, “Abraçaço”, no Circo Voador, amanhã, com abertura dos portões às 22h, e fica na casa até domingo. Animado com a volta ao Circo — os ingressos para as quatro noites estão esgotados, e a bilheteria de amanhã vai para a Sociedade Viva Cazuza —, o compositor baiano de 70 anos falou, por e-mail (a voz “pifou de novo”, diz), sobre a última turnê com os jovens Pedro Sá (guitarra), Ricardo Dias Gomes (baixo e teclados) e Marcelo Callado (bateria), que formam a bandaCê (“um milagre de comunicação”) e deu algumas pistas do repertório, que incluirá ao menos uma canção do disco “Transa” (1972).Por que estrear o show no Circo Voador?
Você acha que a sua popularidade entre os jovens cresceu na fase bandaCê? Tecnicamente, a casa é tão capacitada quando o Vivo Rio e o Citibank Hall, por exemplo?
O Circo é uma linda plateia. Tem um palco limitado. Quis estrear lá porque combina com o som da bandaCê, e eu gosto do jeito como o pessoal fica na plateia. Desde o Arpoador e de Perfeito Fortuna, o Circo Voador tem um histórico de ambiente desembaraçado, nada careta, que eu adoro. Não apenas jovens vão lá. Eu próprio vou ver muitas coisas lá e não sou jovem. Tem muita gente como eu. Mas eu sei que a maioria dos frequentadores é garotada. Não acho que isso dependa de eu ter começado a tocar com a bandaCê: o Circo enche e se entusiasma se Nana Caymmi ou Chico Buarque forem cantar lá.
O show já terá cenário, figurino e luz definitivos? Como é fazer quatro noites seguidas de apresentações, é cansativo?
Antigamente a gente fazia dois meses, de quarta a domingo. E não era cansativo. Desta vez só me preocupo com minha voz. Quanto a cenário, o palco do Circo não permite grandes montagens. Fizemos o “Cê” (2006) lá, e Hélio Eichbauer pôs os bastões coloridos que ficavam pendurados sobre nossas cabeças. Desta vez, eu tinha decidido não ter cenário: apenas o fundo preto (gostei muito do resultado do show de Gal sem cenário ou projeção). Pedi apenas a Hélio para forrar o livro em que leio a letra de “Alexandre”, uma grande faixa do “Livro” (disco de 1997) que nunca decorei. Vendo o ensaio, ele se lembrou de que o quadrado preto de Malevich (Kazimir Severinovich Malevich, 1878-1935, pintor abstrato soviético) faz 100 anos este ano. Num palco maior, vamos ter reproduções dos quadros inaugurais desse gênio russo. No palco do Circo os cavaletes não cabem. Gabriel (Farinon), Hélio e eu vamos planejar a luz, que já estará basicamente estruturada desde a estreia.
Como estão os ensaios?
Os ensaios estão bons. Minha voz apresentou problemas no final do ano passado. Fui a médicos, fonoaudiólogas e professor de canto. Melhorei. Com os ensaios muito puxados, ela pifou de novo. Melhora com descanso, mas dormir não é coisa fácil pra mim. Faço alguns exercícios e nebulização para hidratar. Vamos ver como é que ela aguenta no Circo.
Como é o seu entrosamento com a bandaCê depois de quase sete anos juntos? Você já teve uma mesma banda durante tanto tempo?
O que você aprendeu com eles? Talvez eu tenha ficado um tempo longo assim com A Outra Banda da Terra (nos anos 1970). Em geral trabalho com alguns músicos por muito tempo. Minha colaboração com Jaquinho Morelenbaum, da qual saíram “Livro”, “Fina estampa”, “A foreign sound” e “Noites do Norte”, também durou muito. A bandaCê é um milagre de comunicação. Nada nunca demora a se definir. No disco “Abraçaço” (lançado no ano passado) estamos relaxados até demais. No show, esse clima continua. Falamos de bandas, sambistas, fadistas, jazzistas, tudo. Sempre espontaneamente. Não me lembro de eles terem me apresentado bandas que eu não conhecesse. Me mostraram trabalhos específicos de um grupo ou outro. Tudo começou com Pedro me mostrando o CD dos Pixies na BBC. Eu conhecia a banda, mas não esse disco. Marcelo e Ricardo me fizeram ouvir coisas do Devo. Mas sou eu quem fica pedindo a eles para ouvirem James Blake e o novo do Cascadura.
Esse formato mais cru traz alguma limitação para a sonoridade? Em algum momento passou pela sua cabeça adicionar algum instrumento, como percussão?
Amo percussão e quero voltar a trabalhar com percussionistas. Mas com a bandaCê eu curto o som econômico de banda pequena. Do que eu mais gosto são coisas como “Outro”, do disco “Cê”, ou “Por quem?”, do “Zii e zie”. Não tenho vontade de adicionar nada à nossa sonoridade.
O repertório é mais concentrado nas músicas dos três discos com a bandaCê? Que outras fases da sua carreira você acha que se relacionam com a atual? Como o disco é mais melancólico e puxado pelo violão, você pensa em épocas diferentes de “Transa”, sempre tão evocada desde “Cê”?
Não abandonamos “Transa”: pelo menos uma música desse disco estará no show do “Abraçaço”. Mas este é um disco que abre para todo o histórico. Fechar o repertório não tem sido fácil. Tenho sentido dificuldade de relembrar letras que quase nunca canto. Uma pelo menos eu vou ter de ler. Sobretudo porque gravei “Abraçaço” sem decorar as letras novas. Eu não devia exigir tanto da minha cabeça. Mas não quero cantar as músicas que canto em todos os shows vendidos. A história da bandaCê pede coragem.
Você já tem ideia do que fará depois da turnê, quando encerrar sua colaboração com a bandaCê? Já existem planos para um DVD?
Não tenho planos para DVD desse show. Mas eu não tinha planos para gravar o show de “Zii e zie”: foi meu filho Zeca quem me convenceu, depois de ver as apresentações na Europa. Essas coisas só aparecem no fim das temporadas. Acho que não gravaria DVD agora. Não com a voz e com a memória que estou.
A ideia é ficar por conta do show até o fim do ano? Haverá um giro pelo exterior?
Há já um giro nacional. O Brasil é grande. Já sei que vou a São Paulo, Fortaleza, Porto Alegre, Juazeiro e Belo Horizonte. Claro que faremos Buenos Aires, Montevidéu e Santiago, ao menos. Não quero viajar demais. Vamos estudar o que vale a pena fazer na Europa e nos EUA. Nem quero pensar na Ásia.
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