Marco Nanini se divide entre o palco,
a TV e o projeto social que desenvolve em área carente do Rio de
Janeiro. Workaholic, ele se desdobra para revigorar Lineu, seu famoso
personagem
Sérgio Rodrigo Reis
Estado de Minas: 20/03/2013
Os
64 anos, Marco Nanini quer sossego. “Hoje, procuro um pouco mais de
descanso para a contemplação, para aterrissar numa boa e curtir a vida.
Mas tenho projetos para o teatro e para a Gamboa”, diz ele, referindo-se
ao espaço cultural que coordena, instalado em área carente do Centro do
Rio de Janeiro. A nova fase é bem diferente da correria do passado.
“Quando era jovem, fazia televisão durante o dia, peça de teatro à
noite, show de boate e ainda filmava. Ou seja, não dormia”, relembra.
A
questão é que nem sempre Nanini – um dos melhores atores do Brasil –
pode controlar a repercussão de seu próprio trabalho. Bom exemplo disso
está no monólogo A arte e a maneira de abordar seu chefe para pedir um
aumento, que ficará em cartaz no fim de semana em BH.
Há 10
anos, quando o diretor Guel Arraes o apresentou ao texto do escritor
francês Georges Perec, a intenção era encenar algo que desafiasse ambos.
“Não há uma trama específica. O que o escritor fez foi pensar em
desafios para a literatura, como não usar a letra A no texto. Sua grande
obra é Vida modo de usar, romance que pode ser lido em qualquer ordem”,
explica Nanini. O monólogo segue regras semelhantes. Ele foi
estruturado como um livro de autoajuda; porém, à medida que se ensina
algo, tudo vai dando errado. “Queríamos aproveitar esse texto para fazer
um exercício de interpretação e direção”, explica o ator. Resultado: o
que surgiu como uma experiência breve acabou dando origem a temporadas
mais longas, com turnês fora do Rio de Janeiro. Mais uma vez, Nanini
teve que ceder. Em vez de sossegar, pegou no batente.
Esse é
também o caso de A grande família, um dos maiores sucessos da Rede
Globo. Em cartaz desde 29 de março de 2001, a segunda versão da série
(exibida inicialmente na década de 1970) modernizou protagonistas e
ganhou outros personagens. Inicialmente, Nanini foi convidado para
interpretar o patriarca Lineu em 12 episódios. Nada além disso. Mas o
sucesso foi tanto que a atração se tornou a mais longeva da emissora:
440 episódios – até hoje.
Se depender dos fãs, Lineu e sua
divertida família não deixarão a telinha tão cedo. “O mais difícil é
lidar com a rotina. Às vezes, isso chega a ser maçante. Não estou
entediado com o Lineu, até gosto dele. O que tento fazer é criar
mecanismos para driblar a rotina, 12 anos depois do primeiro episódio”,
diz o ator.
A nova temporada de A grande família começa a ser
exibida em abril. E chegará com novo clima, revela Nanini. “Tivemos
várias conversas. A proposta é promover modificações a partir da
reflexão de que o tempo é também personagem importante. Não dá para
fingir que tenho a mesma idade de quando começamos. Estou mais para o
avô daquela família. Isso vai acabar gerando disputa entre o Lineu e o
Agostinho, que cada vez mais assumirá o papel do pai. O tempo passou
para todos e isso ficará evidente”, antecipa “Lineu”. Entretanto, as
novidades não modificarão a essência do programa. “O ovo de colombo é o
núcleo familiar”, compara.
Vacinado
O sucesso não tira o foco
de Marco Nanini. “Tive certa vacina contra essas coisas do destino, não
me deslumbro. Meu pai era hoteleiro, sempre morei em hotéis. Pude ver
de perto as pessoas entrando e saindo, aquele clima de frivolidade.
Desde ali me distanciei desse mundo”, confessa. Contar histórias é o que
lhe interessa. “A minha preocupação é a dramaturgia. Não gosto de me
exibir”, resume.
Obrigado a driblar a dificuldade de conviver
com o que chama de “as coisas da realidade”, o ator confessa: “Não tenho
traquejo de lidar com banco, fazer compras. Ainda bem que dei a sorte
de encontrar alguém para me ajudar nessa parte, o que me permitiu ter
presença mais ativa nas outras coisas”.
Nanini e o produtor
Fernando Liboneti mantêm o Gamboa, um projeto ambicioso. Tudo começou de
maneira despretensiosa. “Queria um lugar para ensaiar. Toda vez que
conseguia o espaço, ele virava outra coisa e eu era expulso. Então,
resolvi procurar algo que ninguém quisesse. Foi assim que achei um
galpão na Providência”, conta o ator, referindo-se ao bairro na zona
portuária do Rio de Janeiro. Nanini viu ali a oportunidade de levar
adiante um projeto social. “Sempre dei minha contribuição ao trabalho
social dos outros. Resolvi fazer algo meu”, resume.
Aberto há
cinco anos, o Galpão Gamboa promove ações nas áreas de cultura, esporte e
saúde em região carente da capital fluminense. Deu tão certo que,
recentemente, a Garagem Gamboa passou a funcionar ao lado. “Aos
pouquinhos, descobrimos a personalidade daquele nosso lugar: tem dança,
coral, teatro, esportes. Quero me dedicar mais a essas coisas”, avisa
Nanini.
Ele não para
Nascido no Recife em
1948, Marco Antônio Barroso Nanini é um dos melhores atores de sua
geração. Em 1968, deixou a Escola de Teatro do Conservatório Nacional
para atuar em Salomé, de Oscar Wilde, com direção de Martim Gonçalves.
Contratado por Dercy Gonçalves, atuou em diversos espetáculos em dupla
com ela. Na década de 1970, Nanini fez peças de Mário Prata, Fauzi Arap,
Joracy Camargo, Aderbal Freire-Filho e Flávio Rangel, entre outros. Em
1981, dividiu o palco com Marília Pêra em um grande sucesso: Doce
deleite, trabalho que lhe rendeu o Prêmio Mambembe. Em 1985, outro
sucesso: O mistério de Irma Vap, ao lado de Ney Latorraca, sob a direção
de Marília. A TV e o cinema também marcaram a carreira de Nanini. O
ator interpretou o grotesco dom João VI no emblemático filme Carlota
Joaquina, de Carla Camurati; trabalhou com o cineasta mineiro Helvécio
Ratton em Amor & Cia; e há 12 anos frequenta os lares brasileiros
como Lineu, o pacato patriarca do seriado A grande família.
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