Diplomacia antibala
O comércio ilegal de armas é regionalizado, vinculando o mercado a Paraguai, Bolívia, Uruguai e Argentina
O Brasil teve mais homicídios por armas de fogo do que Iraque ou Afeganistão, Colômbia ou Estados Unidos, Índia ou Paquistão. Os dados, referentes a 2010, revelam uma média de quatro mortes por hora, ou 108 por dia. As vítimas têm baixa escolaridade, são jovens e mais negras que brancas.Trabalhos como o Mapa da Violência, de Julio Jacobo Waiselfisz, e publicações de Small Arms Survey, Viva Rio e Sou da Paz mostram que o problema não tem solução fácil porque está associado ao mais obstinado dos dramas brasileiros, a desigualdade.
Para reverter essa nefasta dinâmica que lembra uma guerra civil, a política externa pode fazer toda a diferença.
Mais da metade das 16 milhões de armas de fogo que circulam pelo país não estão devidamente registradas por serem objeto de roubo, desvio ou contrabando. Esse comércio ilegal é regionalizado, vinculando o mercado brasileiro de armas aos vizinhos Paraguai, Bolívia, Uruguai e Argentina.
Apesar de um modesto progresso recente, a coordenação entre esses países é parca.
Somente Brasília tem a força diplomática para disciplinar a região sob a égide de um projeto de responsabilidade coletiva.
Além disso, o Brasil compartilha o posto de campeão de homicídios por armas de fogo com países da América Central e do Caribe, região na qual tem influência suficiente para lançar iniciativas de grande impacto.
As armas de fogo não apenas destroçam milhares de famílias brasileiras. Também atrapalham o processo de ascensão do país. Afinal, como argumentar que temos algo útil a dizer sobre a paz e a estabilidade no mundo quando as estatísticas revelam que, entre 2004 e 2007, houve mais cidadãos brasileiros mortos a bala do que a soma de todas as vítimas dos 12 conflitos mais sangrentos do mundo? Eis aqui uma ideia radical.
Imagine se a Presidência da República criasse uma força-tarefa com Itamaraty, Ministério da Defesa e Polícia Federal para lidar com as dimensões internacionais do problema.
Os embaixadores brasileiros na América do Sul ofereceriam polpudos pacotes de cooperação técnica aos governos locais. Mercosul e Unasul viabilizariam treinamento e padronização de procedimentos, principalmente em áreas de fronteira. O BNDES continuaria ajudando a indústria brasileira de armas de fogo a se regionalizar, mas em troca de controles mais amplos e inteligentes dos quais ela também se beneficiaria.
Dilma anunciaria a iniciativa durante a passagem do papa Francisco pelo Brasil, em junho próximo. Apaixonado pela integração regional e obcecado pela erradicação da pobreza, o pontífice seria um aliado poderoso e fiel da causa.
Ao fazer algo assim, a política externa brasileira estaria atuando por autointeresse (destravando o processo de ascensão e construindo um entorno de paz) e por imperativo moral (enfrentando um horror cotidiano na vida da maioria).
A realidade atual demanda nada menos que uma verdadeira diplomacia antibala.
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