folha de são paulo
Resolvi visitar, há bastante tempo (não em 1600, no entanto), a mulher de um funcionário de meu marido que havia tido filho e estava na maternidade. Não a conhecia e fui impedida de entrar pela mãe dela, que saiu do quarto, fechou a porta cuidadosamente e perguntou se eu estava “naqueles dias”. Fiquei boquiaberta por não entender absolutamente o motivo da pergunta, a hora e o contexto.
Ao me ver assustada e quase ofendida, a mãe explicou que eu poderia talhar ou secar o leite da parturiente. Nem me lembro se entrei na visita, se sequei ou não o leite do bebê.
Como acontecem com assuntos dos quais nunca se ouviu falar, de repente, eles brotam de todos os lados. E fui entendendo essa história antiga, já perdida nos tempos.
Como os livros de história começaram a tratar de pequenas histórias, de vidas pequenas, de lugares pequenos, costumes pequenos, comecei a enxergar a mulher que “naqueles dias” não podia entrar na despensa, pois a carne apodreceria, o leite talharia, a gordura ficaria rançosa, os legumes preservados mofariam. Assim como o mel e o vinho. Todas as coisas úmidas se deteriorariam ao ter contato com a mulher. Durante as regras, elas só podem tocar no que é seco.
A matança do porco, por exemplo, é executada pelos homens. Elas só podem se encarregar do cozinhar. Aí sim, talvez o fogo apague os efeitos maléficos dos fluidos femininos. Mas, mesmo dentro da cozinha, há um tipo de preparo em que ela não pode tocar. Cremes, doces, molhos. Tudo que é liga ou emulsão, sem fogo, desanda. A maionese, o chantilli, as claras em neve.
Não satisfeitas com esse poder de apodrecer, as mulheres e suas regras embaçam espelhos, cortam brilho do marfim, escurecem cobre.
Se a mulher for colher trufas, nos anos seguintes, os lugares estarão marcados, pois nada crescerá neles. Pepinos e abóboras murcham.
Com todos esses problemas, mulheres que desobedecem aos interditos podem estragar uma festa de casamento, uma reunião em família ao fazer apodrecer um porco de cem quilos, por exemplo, que demora pelo menos um ano para crescer.
E, no fundo dos depósitos, nos porões, a mulher pode levar a casa à penúria, acabando com o estoque de banha, de gordura.
O sal nutre a gordura e é a imagem de um princípio masculino fecundador. A natureza feminina é mais forte que o sal. É um elemento de ruptura que pode estragar o que o homem produziu, a não ser que ela o cozinhe. Toda a parte do porco que é cozida compete à mulher, que é como as tempestades, agitada, desordenada. Um elemento natural.
Ao mesmo tempo, de tão fragilizadas pelas regras, não podem lavar roupa, devem evitar o que é frio, não podem ir ao cabeleireiro que o penteado não pega…
Naqueles dias, no entanto, o que cresce é o desejo sexual da mulher. É a época em que mais seduz o homem. “Força de sedução e força de infecção, tal é a dupla propriedade das regras mensais da mulheres” (Yvonne Verdier, etnóloga).
Loucas, vibrantes, sujas, descabeladas, frágeis, poderosas, ainda assim tinham que cozinhar. Pena, seria um pequeno, mas merecido descanso.
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