quarta-feira, 20 de março de 2013

A SERINGA DE LÍVIA MARINI - ARTUR XEXÉO


Na última segunda-feira, aseringa assassina de Lívia
Marini atacou maisuma vez. Num encontrofortuito no elevador de
um hotel cinco estrelasem Istambul, Lívia livrou-se 
da possibilidadede ser denunciada por Rachel e aplicou-lhe a
injeção letal no pescoço. A vítima, naqueleexato instante, estava falando no telefone celularcom a delegada Helô, exatamente para
denunciar a grande vilã de “Salve Jorge”. Nãodeu tempo. No momento seguinte, as redessociais entraram em ação. Como pode umhotel de luxo como esse não ter câmeras devigilância? Se o sinal estava ruim, por que Rachelse dirigiu para o elevador? Todo mundo
sabe que elevadores são péssimos para captarsinais de celulares. Lívia Marini é ridícula.Ana Beatriz Nogueira, a Rachel, conseguiu
sair da novela.

Ninguém gosta de “Salve Jorge”. Todo mundo
vê “Salve Jorge”. Pelos comentários feitos
sobre a atual novela das oito... Novela das nove,
já dizem alguns, mas a expressão “novela
das oito” não diz respeito, há muito tempo, ao
horário em que a atração é exibida. “Novela
das oito” é um gênero. Enfim, pelos comentários,
qualquer espectador escreveria melhor
que Gloria Perez. Todos sabem os defeitos da
trama. Todos sabem como ela deveria ser escrita.
Só Gloria Perez não percebe onde errou.

Há algo que admiro na autora e que, sob este
aspecto, ela não me decepcionou em “Salve
Jorge”. Gloria Perez é ótima para batizar
personagens. Está aí Lívia Marini na pele de
Claudia Raia que não me deixa mentir. Ninguém
se refere a ela como Lívia, é sempre Lívia
Marini. Foi a união perfeita entre nome e
sobrenome de uma celebridade que todos
conhecem (não, não é uma redundância,
pois, hoje em dia, há muitas celebridades
que ninguém conhece). É um nome perfeito para
celebridade de novela.

“Salve Jorge” não é o melhor trabalho de Gloria
Perez. E sempre será difícil para a novelista
escrever um “melhor trabalho” depois de “O
clone” e “Caminho das Índias”. Mas algumas de
suas melhores características estão no ar. O tema
difícil, o tráfico humano, aparentemente
inadequado para uma trama de novela, está aí.
E bem desenvolvido, como já foram bem desenvolvidos
o transplante de órgãos, a clonagem
humana, a saga de crianças desaparecidas. O
ambiente exótico calcado na cultura de outro
país se repete. Já foi a Índia, agora é a Turquia. E
os nomes dos personagens são sempre originais
e divertidos: Morena, Pescoço, Delzuite, Lucimar
e, é claro, Lívia Marini.

É a Gloria Perez de sempre. Mas, desta vez,
sendo vista com uma certa implicância. Lívia
Marini mata seus inimigos da mesma maneira
que o psicopata Dexter do seriado americano
captura suas vítimas: com uma seringa no pescoço.
Mas Dexter é cult, e Lívia Marini é cafona.
Mesmo implicando com a autora, no entanto, o
espectador não deixa de acompanhar a história
que ela está criando. A novela das oito ou das nove
continua sendo a maior audiência do país. O
público adora odiar Gloria Perez. E talvez não
adorasse tanto se “Salve Jorge” não fosse como é.

Outro seriado americano viveu, recentemente,
situação parecida. “Smash”, que ainda não
estreou na televisão brasileira, foi lançado no
ano passado com pompa e circunstância. Produzido
por Steven Spielberg, a ideia era usar a
fórmula de “Glee”, sucesso entre adolescentes,
e criar um musical para adultos. A audiência
foi às alturas, mas a crítica detonou. Os produtores,
então, resolveram atender os anseios dos
críticos. Trocaram a equipe de produção, eliminaram
as tramas consideradas ridículas, investiram
mais na parte musical e estrearam a
segunda temporada. A crítica continuou rejeitando,
e a audiência despencou. “Smash” não
deve sobreviver a uma terceira temporada. O
público gostava de não gostar do programa.

Eu gosto de não gostar de “Salve Jorge”. Não
acompanho a novela com fidelidade. Mas
não perco os capítulos-sensação, como
aquele em que Morena dá uma surra em
Vanda. Ou aquele outro em que Lucimar dá
uma surra em Vanda. Ou ainda aquele em
que Valesca dá uma surra em Vanda. Fala sério:
só Gloria Perez é capaz de criar uma personagem
que leva uma surra toda semana.
Também não perco os capítulos em que Lívia
Marini atua com sua seringa maldita.

Critica-se a novela por ter personagens
em excesso, muitos núcleos. Consequentemente,
alguns não foram desenvolvidos, o
que deixou certos atores sem função. A morte
de Rachel seria, no fundo, uma maneira
de, a pedido da atriz, tirar Ana Beatriz Nogueira
de cena. Não sei, mas Janete Clair, a
maior novelista do país, fez isso muitas vezes.
Em Janete, o que agora é defeito foi considerado
qualidade. Em “Irmãos Coragem”,
por exemplo, talvez o seu maior sucesso, ela
temia que a trama, ambientada num garimpo,
não caísse no gosto do público. Criou,
então, um núcleo urbano. Se o garimpo não
desse certo, ela investiria nas cenas na cidade
grande. Aconteceu o contrário. O espectador
se ligou no garimpo e rejeitou a trama
na cidade. Janete não teve dúvidas: eliminou
uma série de personagens, transferiu
outros para o garimpo e seguiu com a novela.
Gloria Perez não fez diferente. Concentrou
a novela nos núcleos que tiveram mais
aceitação do público, como o da delegada
Helô, e praticamente eliminou o que foi menos
atraente, como o que acontecia na casa
de Leonor (Nicette Bruno). Ana Beatriz Nogueira
deu o azar de ganhar um personagem
escalado para viver na casa de Leonor. Pediu
pra sair. O saldo é positivo: afinal, sua saída
nos deu a chance de testemunhar mais uma
seringada de Lívia Marin

Nenhum comentário:

Postar um comentário