segunda-feira, 18 de março de 2013

CIÊNCIA » Cercos vetores de doenças-Paula Carolina‏

Pesquisadores da USP descobrem formas que dificultam ou impedem a digestão de insetos responsáveis por males como a dengue e a febre amarela, levando-os à morte 




Paula Carolina

Estado de Minas: 18/03/2013 

Resultado recente de pesquisa desenvolvida pelo Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) abre caminho para estudos que poderiam resultar em vacina capaz de acabar com insetos vetores de doenças como a dengue e a febre amarela. O mesmo trabalho, que atua em várias linhas, gera possibilidades de controle de pragas que destroem lavouras de diversos tipos. Em ambas as situações, a eliminação ou o controle dos insetos é possível usando-se conhecimentos profundos do sistema digestório desses seres. O objetivo é dificultar (ou impedir) a digestão, causando a morte do inseto.
A pesquisa, conduzida pelo professor titular e coordenador do laboratório de biologia de insetos Walter Ribeiro Terra, juntamente com a também professora titular do mesmo laboratório Clelia Ferreira, já se encontra na quarta etapa. "A ideia surgiu há cerca de 20 anos, quando ficou evidente a necessidade de novas formas de controle desses insetos, já que os métodos tradicionais, geralmente com o uso de inseticidas, são nocivos ao meio ambiente", explica Terra. "Então, fomos buscar conhecer o sistema digestório dos insetos, que é uma parte menos protegida." O objetivo era descobrir algo que ao ser ingerido pelos insetos prejudicaria a digestão e absorção de nutrientes, levando-os à morte.
"Quando começamos, o conhecimento sobre o tubo digestório era precário. Fomos estudando cada aspecto do sistema, dividindo os insetos em grupos diferentes, para ver como evoluíram ao longo do tempo. Fizemos um levantamento das enzimas principais e que tipo de proteínas são mais importantes para as células", diz o professor.

ENZIMA Uma das descobertas mais recentes e de grande importância para a saúde diz respeito a um tipo de enzima chamado tripsina, existente também nos humanos, e importante para a digestão de proteínas. Durante a pesquisa, a equipe do professor Walter Terra descobriu que, além das tripsinas já existentes no organismo de mosquitos dos gêneros Culex e Aedes, que são parecidas entre si, é produzida uma nova tripsina quando o mosquito chupa o sangue para se alimentar, que é diferente das demais. "As tripsinas que todos esses mosquitos têm são mais parecidas entre si do que essa tripsina que é produzida no momento em que ele chupa o sangue. Ou seja, ela é razoavelmente diferente das tripsinas que o próprio inseto já tem. E ela é importante no processo digestivo. Se afetada, também seria afetada a digestão", enfatiza Terra.
Por meio da descoberta e com o objetivo de inibir a ação dessa tripsina gerada no momento da picada, o professor explica que se abre caminho, por exemplo, para a produção de uma vacina que funcionaria como uma espécie de "feitiço contra o feiticeiro". Ou seja, ao ser injetada em humanos, a vacina faria com que o organismo gerasse anticorpos contra a tripsina do mosquito, que, por sua vez, agiriam como inibidores dessa mesma tripsina do mosquito no momento da picada, atrapalhando a digestão e, consequentemente, levando à morte do inseto. Uma esperança para o combate a vetores de doenças como a dengue e a febre amarela.
"Essa tripsina pode ser produzida em larga escala, em laboratório, para a produção da vacina. Mas, deve ficar claro que, por enquanto, isso é apenas uma hipótese. Antes de qualquer coisa, é preciso que sejam feitos estudos por imunologistas para se ter certeza de que a vacina não causaria nenhum tipo de mal para o ser humano, pois nós também temos tripsinas, mas que são diferentes da tripsina do mosquito", ressalta o professor.

LAVOURAS No âmbito da agricultura, outra importante parte do estudo coordenado por Walter Terra concentra-se na membrana peritrófica, uma espécie de tubo de celofane responsável entre outras coisas pela separação de nutrientes durante o processo digestivo. “Descobrimos várias coisas relacionadas à membrana peritrófica. Por exemplo, durante o processo de separação, algumas enzimas passam e outras não. Por isso, para o inseto é tão grave lesioná-la”, diz.
Para acabar com algumas pragas que prejudicam as lavouras, uma solução é inserir na planta enzimas que lesionam essa membrana. "Algumas plantas, na guerra contra os insetos, já são capazes de produzir enzimas que atuam nessa membrana, fazendo rasgos. Com isso, a função é prejudicada", afirma. "Poderiam ser pegos genes dessas plantas e inseridos na lavoura. Não traz dano ambiental, mas é preciso haver um estudo para que isso seja feito de maneira adequada", afirma o pesquisador, referindo-se à técnica de pegar genes de uma planta e inseri-los em outra, de forma a acabar com a praga, mas tornando-a uma planta transgênica. Terra lembra que a polêmica prática consiste em pegar um gene de um ser e colocá-lo em outro. "Se vai gerar problema ou não, depende do que é feito. Existem departamentos específicos para estudar as reações", afirma.
Para usar um exemplo já existente do controle de pragas, Terra cita o milho de origem americana (em alguns casos também o brasileiro): "O milho é alterado e produz uma proteína capaz de se ligar à célula do intestino do inseto e essa célula morre quando ocorre a ligação. O gene usado é da bactéria Bacillus thuringiensis (BT), que quando inserido no milho, lesa as lagartas, mas é inofensivo para nós". Procedimento semelhante, inclusive, poderia ser usado também para destruição de larvas de mosquitos, com a inserção de tais genes na água em que elas se reproduzem.
 Em nova fase da pesquisa, recém-iniciada, a equipe de Terra agora quer conhecer as bases moleculares do sistema digestório dos insetos. O novo objetivo é descobrir quais são as moléculas que dão instruções para fazer as proteínas e assim dar continuidade ao estudo e indicar possíveis soluções de se acabar com pragas ou vetores de doenças.

UFV estuda melhoramento da soja

A bioquímica Maria Goreti de Almeida Oliveira, diretora do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e coordenadora do Laboratório de Enzimologia, Bioquímica de Proteínas e Peptídeos do Instituto de Biotecnologia Aplicada à Agropecuária (Bioagro), do qual também é diretora, trabalha com pesquisa, desde 1993, que tem o objetivo de acabar com pragas da soja também afetando o sistema digestório dos insetos. A pesquisa faz parte do Programa de Melhoramento de Soja do Bioagro, instituto que trabalha com temas que tenham demanda e que possam ser úteis à sociedade. O programa é focado na melhoria do grão de soja para a agroindústria, buscando o melhoramento da forma tradicional, que usa o cruzamento genético e não o método trangênico. A pesquisadora estuda a Anticarsia gemmatalis, conhecida como lagarta-da-soja, que não é a principal praga que atinge a soja, mas é muito significativa. O princípio é a própria defesa biológica das plantas.
Maria Goreti explica que já foi observado que quando a planta sofre um estresse biótico (por exemplo, um ataque de insetos) ou abiótico (como a falta d’água), dá uma resposta de defesa, que é a produção de um inibidor de protease (enzima que atua no processo digestivo, fazendo a quebra de proteínas). Sendo inibida a protease, prejudica-se a digestão, comprometendo o desenvolvimento, manutenção e reprodução da lagarta, podendo levá-la à morte, que é o objetivo da pesquisa.
No entanto, como o inibidor produzido pela planta não é suficiente para acabar com toda a praga, o trabalho segue adotando três caminhos para se buscar a defesa da planta: a descoberta de importante inibidor de protease com características proteicas para não afetar o meio ambiente e se pulverizar na planta; a produção de molécula mimética (que mimetiza, adota gestos e formas físicas do outro) ou de inibidor potente de protease mimética para ser pulverizado na planta; ou a produção de planta geneticamente modificada (nesse caso, trangênica). 

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