Dificuldades do país no combate à prática de ocultação de recursos será avaliada por grupo
internacional. Abin quer identificar falhas, algumas mencionadas pelo presidente do STF
Helena Mader
Estado de Minas: 18/03/2013
Brasília – As lacunas
de legislação e as falhas no combate à lavagem de dinheiro e ao
financiamento do terrorismo podem levar o Brasil a um vexame. A situação
do país será analisada em junho pelo Grupo de Ação Financeira
Internacional (Gafi), um organismo intergovernamental com poderes para
minar a credibilidade dos países vulneráveis a tais crimes. Diante da
possibilidade de levar um puxão de orelhas ou até mesmo sofrer punições,
o governo acionou os órgãos responsáveis pela prevenção à lavagem de
dinheiro para tomar medidas emergenciais. A Agência Brasileira de
Inteligência (Abin) começou a fazer uma avaliação de risco para
identificar e sanar as principais suscetibilidades e o Ministério da
Justiça não descarta implantar ações até junho. No ano passado, a
Turquia teve que fazer mudanças na lei de última hora para escapar de
punições.
A última visita de representantes do Gafi ao Brasil
ocorreu em 2010, quando técnicos da entidade fizeram um relatório
apontando avanços, mas também falhas na prevenção à lavagem de capitais.
O grupo intergovernamental, principal órgão internacional relacionado
ao combate desse crime, apontou a lentidão na tramitação de processos e o
excesso de recursos como falhas do sistema legal brasileiro. Desde
então, houve mudanças consideradas positivas por especialistas, como a
aprovação da nova Lei de Lavagem de Dinheiro, em vigor desde junho do
ano passado, que amplia o rol de crimes considerados como antecedentes a
esse delito. Mas há problemas que podem comprometer a avaliação: até
hoje o Brasil não tipificou o crime de terrorismo, o que prejudica a
punição de envolvidos em atividades como o financiamento dessa atividade
– uma das grandes preocupações do Gafi.
As vulnerabilidades do
Brasil na prevenção à lavagem de capitais ficaram ainda mais expostas na
semana passada, quando o presidente do Supremo Tribunal Federal,
ministro Joaquim Barbosa, afirmou que instituições financeiras do país
são “lenientes” no controle desse delito. O ministro disse que é preciso
punir drasticamente quem oculta a origem ilícita de valores para
combater a lavagem de dinheiro. As afirmações foram corroboradas pelo
procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que denunciou a atuação
dessas instituições para “atrasar investigações do Ministério Público”. O
procurador revelou que muitos bancos dificultam o acesso a dados que
deveriam ser disponibilizados com rapidez.
Informal O
secretário Nacional de Justiça, Paulo Abrão, lembra que o relatório de
2010 indicou os maiores riscos de lavagem de dinheiro nas regiões de
fronteira do Brasil e na economia informal. Ele garante que houve
melhorias significativas nesses aspectos, mas reconhece outras
fragilidades pelas quais o país será cobrado. “Nessas duas áreas,
avançamos muito. Vários setores entraram para a formalidade e ampliamos
as taxas de emprego. No caso das fronteiras, tivemos iniciativas de
combate ao tráfico de drogas, pessoas e armas. São medidas importantes
tomadas pelo país e que poderemos apresentar aos integrantes do Gafi”,
comenta Paulo Abrão.
“O relatório de 2010 também levantou a
necessidade de o país tipificar o financiamento ao terrorismo. Essa
falta de marco legal é até mesmo impeditivo em processos de extradição,
já que a legislação interna não tipifica esse crime. Tenho certeza de
que isso será abordado e nós responderemos ao Gafi que há projetos em
análise e que o amadurecimento do nosso processo legislativo dará a
resposta no tempo certo”, explicou o secretário Nacional de Justiça.
“Não há estado de paralisia. O Congresso constituiu uma comissão de
juristas para reformar o Código Penal, e existe a proposta para
tipificação do financiamento ao terrorismo. É avanço hoje termos uma
iniciativa concreta no legislativo” acrescentou Paulo Abrão.
Avanços caem na acomodação
Brasília – O coordenador
de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro do Departamento de
Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, Diogo de
Oliveira Machado, explica que o Gafi baseia suas avaliações em 40
recomendações gerais. “Periodicamente, a gente reporta os avanços da
nossa política antilavagem para o Gafi. O que vamos fazer é pegar o
relatório de 2010 e explicar as melhorias”, diz. “Essa ação transversal
objetiva identificar setores de risco peculiares no Brasil e trabalhar
de forma mais personalizada e direcionada, ainda que vinculada a essas
recomendações”, acrescenta.
Para Machado, um dos maiores avanços
que serão apresentados ao Grupo de Ação Financeira Internacional é a
promulgação da Lei Federal 12.683/2012, que mudou a tipificação do crime
de lavagem de dinheiro. “A lei trouxe avanços substanciais. Um dos
pontos da avaliação negativa do Gafi em 2010 era que a lista de delitos
antecedentes era insuficiente. A gente deu um passo muito além do que
expandir essa lista, passamos para uma lei de terceira geração, que não
trabalha mais com lista de delitos antecedentes. Qualquer crime agora
pode se configurar como delito antecedente para caracterizar lavagem de
dinheiro”, explica o coordenador.
Para o professor de direito da
Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio) Pedro Abramovay, ex-secretário
Nacional de Justiça, houve grandes avanços, mas também uma acomodação no
combate à lavagem de dinheiro. “A nova lei é um instrumento
poderosíssimo e representa um avanço que foi possível por conta da
Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro. Mas
houve recentemente uma acomodação e não se deve baixar a guarda. Os
avanços estão muito mais lentos ultimamente e, enquanto isso, o crime
organizado não para”, afirma.
O advogado Alexandre Leão Noal,
especialista em lavagem de dinheiro, também reconhece que a nova lei é
um avanço, mas diz que ainda é cedo para avaliar o alcance e a
efetividade da legislação. “Um problema sério em relação à lei de
lavagem de dinheiro é que, mesmo para operadores do direito, há
conflitos conceituais. Falta clareza na lei com relação ao que realmente
configura esse delito”, acredita.
O secretário Nacional de
Justiça, Paulo Abrão, não descarta ações emergenciais antes da avaliação
do Brasil, em junho, mas não adianta em que pontos o governo poderia
atuar às pressas. “Não vejo problema se, eventualmente, percebermos que
existe alguma medida que possamos tomar e que esteja ao nosso alcance
antes da análise do Gafi. Visitas periódicas servem para chamar a
atenção e pode ser que a gente perceba que haja alguma medida concreta a
ser tomada”, afirma Abrão.
Saiba mais
Diretrizes internacionais
Criado
há 24 anos para combater a lavagem de dinheiro, o financiamento do
terrorismo e outras ameaças à integridade do sistema financeiro
internacional, o Grupo de Ação Financeira (Gafi) é uma entidade
intergovernamental, da qual o Brasil faz parte. Em 1990, o Gafi criou
uma lista de 40 recomendações, que foram revisadas em 1996. Hoje, essas
diretrizes são seguidas por mais de 180 países. Elas são consideradas
como o padrão internacional de prevenção da lavagem de dinheiro e de
combate ao financiamento do terrorismo. O Gafi não aplica sanções, como
outros organismos internacionais. Mas o grupo classifica a
confiabilidade dos países e a inclusão em uma lista negra do Gafi é uma
forte sinalização negativa para os mercados financeiros internacionais.
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