segunda-feira, 18 de março de 2013

Tendência/debates

folha de são paulo

HUSSEIN ALI KALOUT
Obama: o caminho a Jerusalém
Na concepção de Washington, a coalizão Netanyahu-Lieberman ostenta o título de pior governo desde a fundação do Estado de Israel
O caminho de Obama a Jerusalém ocorre num momento crítico da história contemporânea do Oriente Médio. A consolidação de novas forças políticas levará a alterações fundamentais no mapa de poder da região e definirão a dinâmica política da próxima década.
A estagnação do processo de paz com os palestinos, as controvérsias em torno do programa nuclear iraniano, o incógnito fechamento do cenário na Síria e as alterações da topologia política da região, desencadeados pelas transformações no mundo árabe e islâmico, serão os pontos cardeais da agenda entre americanos e israelenses.
No bojo desse arcabouço encontra-se, ainda, acerto das arestas entre Obama e Netanyahu.
Para Washington está claro que uma nova doutrina diplomática precisa ser posta em marcha, especialmente se os EUA desejarem preservar sua influência sobre a região. Contudo, essa engenharia política dependerá, em boa medida, das mudanças na forma e no conteúdo que a diplomacia de Tel Aviv imprimirá nos quatros anos da reeleita administração Obama.
A era de ditaduras estáveis moldadas por Washington, para servirem como mantenedoras do status quo, ruiu e o cenário de perpétua estabilidade para Israel hoje se encontra em um trilho desfavorável. Variações como essas, conjugadas com o fortalecimento operacional das resistências armadas contra a ocupação israelense, reduziram a zona de conforto e a disparidade militar de Israel em relação a seus oponentes.
É a estagnação do processo de paz e a contínua colonização dos territórios palestinos que expõem cada vez mais Washington, infligindo duras críticas à política exterior americana nos foros internacionais. As fissuras nas relações bilaterais emanam, sobretudo, do custo de defender Israel, cada vez mais alto e prejudicial para a sociedade americana.
Sintoma claro da perda de credibilidade norte-americana como mediador se manifesta na mudança da estratégia da resistência palestina, fundamentada em um novo dogma calcado na unilateralidade diplomática e na abdicação do diálogo consensuado com o governo de Israel.
Outra polêmica constituída a partir da verborragia de Netanyahu tange ao programa nuclear iraniano. Washington sabe que uma operação militar israelense contra o Irã é um suicídio e levará a região ao caos. Enterrar os esforços em prol do diálogo e fechar a janela de oportunidade que segue aberta para se alcançar um acordo viável é um desfecho que Obama não deseja -especialmente após a flexibilização das posições do Irã e do P5+1.
Já a grande aresta está na reconstrução da confiança entre Obama e Netanyahu, quebrada pela dissonância de visões e pelos confrontos sobre a independência de Israel na região em relação aos interesses dos EUA. Na concepção de Washington, a coalizão Netanyahu-Lieberman ostenta o título de pior governo desde a fundação do Estado de Israel.
Entretanto, para lançar uma arquitetura diplomática reconfigurada por mais pragmatismo neste segundo mandato, Obama precisa retornar de Jerusalém com garantias da paralisação dos assentamentos ilegais na Cisjordânia. E com a certeza de que nenhuma ação israelense será impetrada contra Teerã sem a anuência de Washington e que um novo modus operandi precisa ser construído para lidar com a ascensão de regimes islâmicos na região.
A formulação de uma nova gramática política em sua diplomacia mórbida para o Oriente Médio depende, sobretudo, da cooperação de Israel. Forte razão para Obama iniciar o seu segundo mandado pelo caminho a Jerusalém.


NABIL BONDUKI
A revisão participativa do Plano Diretor
O Legislativo deve recomeçar o debate sobre a estratégia urbanística de São Paulo. É necessário revê-la à luz das transformações da cidade
A revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE), cujo horizonte temporal era 2012, é urgente para redefinir a estratégia urbanística de São Paulo. A reabertura do debate exige, no entanto, o encerramento da tramitação do projeto de lei (PL) 671/07, que trata da mesma matéria, enviado pelo ex-prefeito Gilberto Kassab à Câmara Municipal em 2007.
O projeto foi contestado pela sociedade devido à falta de participação na sua formulação, o que levou à judicialização; foram cinco ações contra a tramitação. Apesar do esforço do Legislativo para aperfeiçoá-lo, o projeto se tornou um símbolo da falta de diálogo que marcou a administração passada.
Após avaliação política e jurídica, concluímos que o Legislativo deve rejeitá-lo, abrindo-se um processo novo de debates e formulação. Além da forte oposição, o projeto de Kassab se refere a uma revisão parcial, restrita à alteração das ações estratégicas e dos instrumentos urbanísticos (conforme determinava o artigo 293 do PDE), enquanto agora a revisão deve ser geral, pois já se encerrou seu horizonte temporal.
As reuniões da Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente, nessa legislatura, mostraram que há consenso entre os vereadores pelo arquivamento do PL. A ideia é defendida pela base do governo e pela oposição, inclusive pelo relator do projeto na legislatura anterior, vereador Police Neto (PSD).
O arquivamento também guarda coerência com a luta que travei desde 2007, em conjunto com a Frente em Defesa do Plano Diretor, pela construção participativa da revisão.
Embora a estratégia urbanística definida pelo PDE em 2002 continue válida, é necessário revê-la à luz das transformações da cidade nos últimos dez anos. A forte elevação do crédito imobiliário, da frota veicular e dos investimentos em obras públicas gerou especulação fundiária e um agravamento inédito da falta de habitação popular, da crise de mobilidade e de agressivos impactos ambientais.
Por isso, é necessário fazer, inicialmente, uma avaliação da sua implementação, para identificar se objetivos e instrumentos continuam pertinentes, se requerem aperfeiçoamentos ou modificações.
Os objetivos do PDE não foram alcançados porque Serra e Kassab não o implementaram. Mas, além disso, deve-se reconhecer que vários instrumentos urbanísticos não geraram os efeitos esperados, requerendo alterações.
Em seguida, propostas devem ser recepcionadas em audiências públicas regionais e temáticas. A participação de todos exige um canal digital, para onde as sugestões possam ser encaminhadas. O Executivo, o Legislativo e a sociedade deverão apresentar publicamente suas propostas, em uma formulação transparente e participativa.
O conteúdo recolhido seria sistematizado em um texto coerente, apresentado em audiências devolutivas, sobre a incorporação ou não das propostas, com as respectivas justificativas.
Assim, o novo PDE chegará ao Legislativo para o processo final de consulta, em novas audiências públicas, tomando forma acabada, como expressão da cidade que queremos.
A participação é fundamental, mas não é um fim em si mesmo. O seu objetivo é gerar os resultados que a cidade espera, como construção coletiva. Por isso, deve-se compatibilizar o debate com um cronograma que garanta a aprovação, em um prazo razoável, de novos dispositivos para enfrentar os grandes desafios da cidade.
Após a revisão, teremos um longo caminho: a alteração da lei de uso e ocupação do solo, dos planos regionais das subprefeituras e do código de obras, além do debate de planos urbanos e da regulamentação dos instrumentos criados. Abre-se uma nova oportunidade para a cidade fazer sua reforma urbana; não podemos perdê-la.

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