Roberta Machado
Estado de Minas: 18/03/2013
Miami e Brasília – Os olhos podem ter a fama de janela para a alma, mas, quando o assunto é saúde, a descrição mais eficiente do interior de uma pessoa está estampada na própria pele. É no maior órgão do corpo humano que aparecem alguns dos mais claros sinais relacionados a diversas doenças e disfunções do organismo. Desde o estado do fígado a sutis mudanças nos componentes do sangue, o mau funcionamento de um sistema quase sempre afeta todo o metabolismo, o que transparece diretamente nos poros, sob a forma de saliências, irritações ou mudanças de texturas.
A manifestação cutânea de doenças sistêmicas é um quadro considerado incomum pelos médicos, mas a possibilidade não pode ser descartada. Em outras palavras, não é preciso considerar qualquer pinta ou alteração como a pior notícia do mundo. Mas mudanças na derme merecem uma visita ao dermatologista, que poderá avaliar do que se trata. Uma coceira persistente, quase certamente representa uma alergia. No caso, a cura depende apenas de uma rápida visita ao médico e do uso da medicação apropriada. O problema está quando o incômodo permanece mesmo com o tratamento. Aí, a ida ao médico se mostrará muito valiosa. O especialista poderá investigar o problema por meio de biópsias, exames de sangue e da colaboração de outros especialistas, impedindo que o mal progrida sem tratamento.
Uma irritação pode levar à descoberta de uma anemia falciforme, de um linfoma ou de outras doenças. Quedas de cabelo, unhas quebradiças, manchas, saliências ou a perda de elasticidade são outros dos sintomas geralmente associados a problemas de nutrição ou defeitos cutâneos, mas que também podem ter origem mais profunda, como males ou inflamações pulmonares, cardíacos ou hepáticos. Os sinais são diversos e podem aparecer em qualquer lugar, pois a pele está profundamente relacionada ao organismo como um todo.
“A pele é mais que um grande revestimento”, ensina Marcia Purceli, dermatologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A médica explica que mudanças na aparência ou na textura da pele são causadas pelas glândulas, terminações nervosas, vasos sanguíneos e todas as outras estruturas que mantêm a membrana em funcionamento. “As informações dos órgãos são trazidas para a pele por meio do sangue que circula nos vasos presentes na derme. O sangue carrega nutrientes, hormônios, oxigênio, anticorpos e outros componentes que, se sofrerem qualquer alteração, afetam as estruturas da pele. Os sintomas aparecem.”
Algumas manifestações são tão sutis quanto o enrijecimento ou a perda de elasticidade da derme, nem sempre claros à primeira vista. Outros sintomas são mais óbvios, como o amarelamento, que é geralmente relacionado a problemas no fígado. A perda de cabelos também é um sinal que alerta para a possibilidade de problemas no metabolismo, como a anemia ou o hipotireoidismo. Saliências estranhas despertam a possibilidade de câncer, seja na própria pele seja em um outro órgão que já tenha atingido o estágio de metástase.
Especialistas ressaltam que a relação entre uma mudança cutânea e a saúde nem sempre é clara. Para facilitar o diagnóstico, é importante observar outros sintomas, como cansaço, dores, mudança de peso ou febre, que darão pistas para a descoberta da fonte do problema. “Podemos ir a um nível ainda mais profundo e notar coisas muito específicas da doença. Se a irritação não é somente nas mãos, mas nas palmas das mãos, pode ser uma indicação mais específica, de doenças de pulmão”, exemplifica Cindy Owen, professora especialista da Universidade de Louisville, nos Estados Unidos, que discursou sobre o tema no Encontro da Academia Americana de Dermatologia, realizado em Miami, na semana passada.
Além da cosmética Essas pistas são reconhecidas também por clínicos gerais, mas é o dermatologista quem poderá determinar com mais precisão a gravidade do problema e dizer se ele está ou não relacionado a uma doença específica da pele. “A dermatologia faz mais do que cosmética. Podemos ser parceiros e ajudar a diagnosticar doenças internas. Algumas vezes, acho que não pensam nos dermatologistas como parceiros dos outros profissionais de saúde”, critica Cindy Owen. Por falta de acesso ao profissional especializado ou por falta de informação, alguns pacientes não interpretam mudanças na pele como sintomas, e sim como simples problemas estéticos.
É a preocupação com a aparência, contudo, que muitas vezes ajuda algumas pessoas a descobrirem o que vai de errado com o organismo. De acordo com o dermatologista Gilvan Alves, não são raros os casos de pessoas que procuram ajuda preocupados com a beleza e acabam por evitar problemas mais graves graças a um exame mais detalhado. Entre os casos vistos recentemente pelo especialista está o de um paciente que procurava um medicamento para o que julgava ser uma simples micose. A mancha na sola do pé que o incomodava, no entanto, era um sarcoma de Kaposi, um tipo de tumor que acabou revelando a existência do vírus HIV no organismo do paciente.
“A pessoa aparece com um incômodo estético e descobre que tem algo mais sério por trás do problema. Uma unha encurvada, por exemplo, pode ser sinal de um enfisema pulmonar, ou um depósito de gordura na pálpebra pode indicar um colesterol muito alto”, enumera o médico. A solução, nesses casos, costuma estar fora do consultório dermatológico, que costuma servir de porta para um diferente especialista, capaz de solucionar problemas originários fora da pele. “É como matar formigas. Não adianta matar só uma e deixar o formigueiro. O médico da doença de base é que pode resolver o problema”, ressalta Alves.
Assim como os sintomas aparecem na pele com o surgimento da doença, os sinais também costumam desaparecer conforme a raiz do problema recebe tratamento. Dependendo da enfermidade, o paciente também tem a opção de continuar a visitar o dermatologista para acelerar o resultado estético.
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