Valor Econômico - 11/03/2013
Por que o Poder em tese mais democrático se interessa tão pouco pelo que o povo pensa?
Num
regime baseado no equilíbrio entre os Poderes - Executivo, Legislativo e
Judiciário - teoricamente o mais democrático dos três deveria ser o
Legislativo. Sobre a Constituição norte-americana, diziam alguns
teóricos da época que nela o presidente seria o elemento monárquico, por
ser um só, embora eleito; o Judiciário, o aristocrático, composto que é
pelos mais capazes e formado por cooptação; e o Poder Legislativo, o
democrático, representando a diversidade de ideias do povo. Não é por
acaso que o Legislativo é o único Poder que, por natureza, precisa ter
representantes da oposição. Mas tudo isso, teoricamente.
Na
prática, basta colocar uma questão: Blairo Maggi se sustentaria como
ministro do Meio Ambiente num governo do PT ou do PSDB? Improvável. E
Marcos Feliciano chegaria a ministro dos Direitos Humanos, sob qualquer
um desses partidos? Impossível. Então, como é que o Senado e a Câmara,
que - sempre teoricamente - deveriam escutar de perto a opinião pública,
elegem para dirigir essas áreas pessoas que jamais ocupariam, no
Executivo, posto correspondente?
O Legislativo se importa pouco
com a opinião pública. Tivemos um sinal disso quando o Senado elegeu
Renan Calheiros seu presidente, apesar de contestado pela sociedade: um
abaixo-assinado contra ele alcançou, em poucos dias, 1,6 milhão de
assinaturas.
Vemos
um esvaziamento do Legislativo. Mas minha tese é que é sobretudo um
auto-esvaziamento. É comum se denunciar a invasão, pelo Executivo e
agora pelo Judiciário, das prerrogativas das Casas de leis. É fato que
as medidas provisórias assinadas pela presidência da República dominam a
agenda legislativa, pelo menos em relevância. Mas isso não aconteceria
se as duas Casas mostrassem que estão fazendo coisas importantes pelo
País.
A principal responsabilidade para que o Legislativo tenha o
peso que precisa ter é dele próprio. Não adianta culpar o Executivo,
porque chamou para si a atividade de legislar - ou o Judiciário, porque
se mete em questões interna corporis - quando o próprio Legislativo
descuida de sua importante missão. Esse descaso consigo, e com os votos
dos brasileiros que o elegeram para representar sua diversidade, suas
divergências, se expressa quando ele indica para cargos de direção
pessoas que conseguem rejeição significativa logo nas áreas que estariam
dirigindo.
O pior é que as comissões em questão são justamente
as de maior conteúdo ético, meio ambiente e direitos humanos.
(Poderíamos acrescentar as da igualdade racial e dos direitos da mulher -
mas a missão delas, que é assegurar a igualdade étnica e de gênero, é
temporária, deve se completar em alguns anos). Já o meio ambiente e os
direitos humanos definem lutas sem fim, e a finalidade dessas lutas.
Definem o centro do que pode ser a ética pública. Não seria exagero
dizer que são elas que dão sentido global à ação de governo. Nosso mundo
entrou para valer nos direitos humanos. As relações entre nós são cada
vez mais discutidas nos termos deles. Incluem direitos políticos, civis e
cada vez outros novos, inclusive o de ser respeitado até na vida
privada. As grandes questões sociais da atualidade se expressam na
linguagem dos direitos do homem. A redução da miséria, querida da
esquerda, é um exemplo cabal disso. O combate à corrupção, bordão da
direita, outro. Se o parlamento amesquinha as comissões que tratam dos
fins da ação política, deixa os meios sem rumo, sem sentido.
O
meio ambiente trata das relações que mantemos com a esfera da vida, da
qual fazemos parte. A vida se tornou valor importante. Vejam dois
exemplos sem nexo entre si: primeiro, o declínio da pena de morte no
mundo; segundo, a valorização da biodiversidade como fator científico,
cultural e econômico. Assim, o "bios" ou vida é o eixo para desenvolver a
economia futura, e os direitos, o fundamento para tornar justas as
relações humanas. E tudo isso anda junto.
Eis o que foi
desdenhado pelos senadores, ao escolherem o presidente da comissão do
Meio Ambiente, e pelos deputados, ao elegerem o presidente da comissão
de Direitos Humanos. Colocaram-se frontalmente contra o que é mais
carregado de futuro em nosso tempo. Optaram decididamente pelo
retrocesso.
Então, não é o Congresso que nos protege de desmandos
do Executivo, como sucedeu por exemplo na era Collor. É mais frequente o
Executivo nos proteger de erros do Legislativo. No ano passado, foi o
caso do Código Florestal, outra escolha do Congresso pela vantagem
imediata de poucos, contra o bem comum a longo prazo. Isso tudo é,
obviamente, muito ruim. Não desconheço a legitimidade de quem é eleito
para a presidência da República. É a única eleição em que o voto de cada
brasileiro tem o mesmo peso. Mas lastimo que uma única pessoa,
investida já de tantos poderes, tenha que corrigir erros do poder que
deveria ser o mais nobre segundo a Constituição. O certo seria o
inverso.
Quem responde por isso? Antes de mais nada, parece ser o
PMDB. Foi ele quem impôs Calheiros e, agora, o pastor Feliciano. O PT,
embora seus deputados se recusassem a votar em Feliciano, aceitou -
enquanto partido - a entrega dos direitos humanos a alguém com seu
histórico. Já o PSDB não quis, quando pôde, enfrentar essas escolhas;
basta ver que não votou, para a presidência do Senado, contra Calheiros,
no senador Pedro Taques, homem que tem forte biografia no combate
ético. Mas, só para concluir: ninguém sonhe com o parlamentarismo no
Brasil, enquanto o Congresso não mostrar que merece ter mais poder do
que já tem.
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