Adaptação de romance de Lourenço Mutarelli, "Quando Eu Era Vivo" reúne Sandy e Antonio Fagundes e inaugura nova safra de filmes brasileiros de suspense
Cinco anos depois, o cineasta -codiretor, com Juliana Rojas, de "Trabalhar Cansa", exibido no Festival de Cannes em 2011- transforma a verborrágica relação entre pai e filho em um longa de horror psicológico chamado "Quando Eu Era Vivo".
Filmado inteiramente num apartamento na avenida São Luiz, no centro de São Paulo, o longa poderia ser um primo (ou um sobrinho) paulistano de "O Iluminado" (1980), um dos clássicos do diretor Stanley Kubrick (1928-1999).
Júnior (Marat Descartes) é um homem de trinta e poucos anos que se separa da mulher e volta a morar com o pai (Antonio Fagundes, o primeiro a entrar no projeto).
À medida que revira a memória da mãe morta, o divorciado entra em uma espiral sombria de demência na qual realidade se confunde com ilusão. "O filme de Kubrick é a primeira referência que me vem à cabeça, inclusive por causa do visual do meu personagem", brinca Descartes, com uma peruca de dar inveja a Jack Torrance, o personagem de Jack Nicholson no thriller. "Há também a mesma sensação claustrofóbica."
Dutra teve liberdade e a permissão do autor para mudar o necessário e incluir esse clima "dark". "A sensação é a de que havia elementos bons de trabalhar a dramaturgia. Estou curioso para ver a reação de quem leu a obra, ainda mais nesses tempos de Harry Potter, em que tudo precisa ser muito fiel."
A referência a Kubrick, no entanto, poderia ter virado um elemento secundário em "Quando Eu Era Vivo". Isso porque, no meio do ano passado, a cantora Sandy foi incorporada ao elenco para viver Bruna, uma estudante de música que divide o apartamento com os dois homens.
SANDY
Como tudo o que acompanha a popstar brasileira, a produção se transformou no "novo filme da Sandy".
Especulações davam conta, num dia, de que ela faria o papel de uma aluna sexy; no outro, de que teria cenas de nudez e de sexo no longa.
"Não sei de onde tiraram essas coisas. A personagem nem se envolve romanticamente no filme", rebate Sandy, vestida com uma roupa de ginástica que, apesar de deixar a barriga à mostra, passa longe de um visual picante.
"Estou acostumada com essas bobagens. Meu nome é muito 'mainstream' e agora estou fazendo algo underground. Não faço filme para agradar ninguém."
Apesar de uma presença "estranha" para um filme de horror psicológico de baixo orçamento (cerca de R$ 1,5 milhão), Sandy logo viu que não teria vida fácil.
Dividiu um pequeno camarim com outros atores, almoçou na região central e se integrou ao esquema de Dutra.
"É meu primeiro suspense, mas fui aceita como uma atriz e não como um peixe fora d'água, uma cantora", diz sobre sua volta, exatos dez anos depois de estrelar, ao lado do irmão, a fantasia "Acquaria". "A experiência agora é diferente. Tenho 30 anos e tenho mais vivência."
A comoção não durou muito e "Quando Eu Era Vivo" voltou a ser tratado como filme e não veículo de promoção para a popstar.
"Quando convidei a Sandy, achei que ela poderia não topar, porque o roteiro era bastante sombrio, mas foi tranquilo", conta Marco Dutra, que é apenas dois anos mais velho que a cantora. "No começo, muita gente achou esquisito. Depois entenderam a presença dela."
A escolha foi mais importante do que parece. Quando recebeu o convite da RT Features para adaptar seu livro favorito de Mutarelli, Dutra ficou preso na profissão de Bruna, uma estudante de desenho no romance.
POLANSKI E CANNES
"Quando trocamos o desenho pela música, o roteiro decolou. Vi que a narrativa poderia ter relação com a música, como eu tinha uma relação afetiva com Sandy", diz. "Seus discos estavam juntos com os da Xuxa e de Michael Jackson na minha casa", lembra o cineasta, que pediu que a cantora assistisse a "O Bebê de Rosemary", de Roman Polanski, como referência.
"Gosto muito de Polanski e de como explora os espaços domésticos", diz Dutra. "Gosto de relações familiares e de como elas interferem no íntimo das pessoas."
Esse estilo do cineasta tem agradado. Com a amiga Juliana Rojas, que assina a montagem de "Quando Eu Era Vivo", Dutra teve três curtas ("Lençol Branco", "O Ramo") e um longa ("Trabalhar Cansa") no Festival de Cannes.
Não é avançar o sinal presumir que seu novo longa possa estar novamente na "croisette", em maio deste ano. Mas o diretor não pensa no assunto quando falou àFolha, quase seis meses depois do fim das filmagens, acompanhadas pela reportagem, em setembro passado.
"Não tenho pressão para finalizar. Estou deixando o filme andar sozinho. Não adianta ter pressa. Cannes vai olhar para mim com carinho, mas o longa precisa ter o seu tempo."
FRASE
"Meu nome é muito 'mainstream' e agora estou fazendo algo 'underground'. Não faço filme para agradar ninguém"
SANDY
cantora e atriz
cantora e atriz
Antes restrito a Zé do Caixão, gênero movimenta diretores
DE SÃO PAULOUm gênero desprezado pelo cinema brasileiro, o horror/suspense está em alta entre produtores e diretores.Kleber Mendonça Filho deve suceder "O Som ao Redor" com o longa de terror "Bacurau", em que uma equipe de TV vai a uma cidadezinha filmar um documentário e descobre que os cidadãos escondem vários mistérios.
"É assustador que o último projeto brasileiro do gênero tenha sido o do Mojica ["Encarnação do Demônio"] de 2008", diz o cineasta, que deve começar a filmar este ano.
Um pouco mais adiantado está "Isolados", de Tomas Portella, sobre casal (Bruno Gagliasso e Regiane Alves) que vai descansar na região serrana do Rio e se envolve em rede complexa de assassinatos.
"A estética vai agradar quem gosta do gênero. Estudamos muito o roteiro porque sabemos como é difícil fazer suspense em português", diz o diretor.
Andrucha Waddington fará "Juízo Final", roteiro de sua mulher, a atriz Fernanda Torres, sobre um acerto de contas secular passado em Minas.
Em quase todas as produtoras há um filme de horror para os próximos anos.
Daniel Aragão pretende refilmar "Martin" (1976), de George Romero. Ele acerta detalhes sobre a trama vampiresca com os produtores.
Walter Lima Jr. prepara adaptação do conto "A Outra Volta do Parafuso", de Henry James. Já a Imagem filmes produz uma espécie de "Pânico", chamado "O Rastro".
Dennison Ramalho, assistente de direção de "Encarnação do Demônio", defenderá em seu mestrado em Nova York a tese "Cruz das Almas", sobre uma "simpatia para trazer seu amor de volta que dá errado". "Quem sabe o Brasil comece a se posicionar e ganhar projeção através de iniciativas de gênero", torce o roteirista. "Não vejo o que nos falta para fazer o que todos os outros países fizeram."
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