sábado, 13 de abril de 2013

Homofobia - Arnaldo Viana‏

Estado de Minas: 13/04/2013

Anos 1970. O telefone toca na seção de contabilidade da grande empresa. Uma funcionária atende.

– Seu Hélio, telefone para o senhor. É a Sílvia!

Chefe da seção, Hélio se levanta e vai até o telefone.

– Alô! Oi, Silvinha, meu amor. Sim, sim. Pego você às nove. Um beijo!

Volta à mesa, com um leve sorriso nos lábios. Meia hora depois, no café, o Chico, um dos contadores subalternos de Hélio, se aproxima.

– E aí, chefe? Feliz, né? A Sílvia faz muito bem a você.

– É verdade. Sem ela, não sei o que seria de mim…

– Gosto desse tipo de relacionamento. Cada um no seu canto e se amando.

– Quisemos assim. Quando pelo menos um está com saudade ou com vontade, nos encontramos. Saímos, namoramos, essas coisas…

– Parece uma forma mais duradoura, sem muita possibilidade de conflito.

– É verdade.

– Há gente na empresa que tem até inveja do amor de vocês. Mesmo não conhecendo a Sílvia, a quem você nunca nos apresentou. Nem nas nossas festas de fim de ano aparece...

– Quis assim. É muito reservada, na dela, sabe? Tem poucos amigos e amigas. Não gosta de se enturmar. Entendo e aceito. Aliás, na nossa relação há muito de aceitação. E lá se vão quase duas décadas de romance.

Cinco anos depois, a aposentadoria. Hélio ganha uma caneta da empresa e uma placa dos colegas agradecidos pelo compreensivo chefe que tiveram. No dia seguinte, Hélio entra em um hotel da Rua São Paulo. No segundo andar, bate à porta do quarto 21. Uma mulher beirando os 50 anos, olhos fundos e tristes, abre a porta e sorri.


– Oi, Hélio. Entre, por favor. O que o traz aqui a esta hora? Ainda é dia. Não é hora de trabalho?
– Estou aposentado, Sílvia. Vim aqui dizer que não precisa mais telefonar para o escritório. Não é mais necessário. Sou muito agradecido a você.

– Que isso? Foi até divertido. Vou até sentir saudade. Além do mais, você foi sempre muito bom para mim. Quando a coisa apertou aqui, me emprestou dinheiro e nunca quis receber.

Conversam por mais meia hora. Despedem-se. Hélio prometeu aparecer de vez em quando. Cinco dias depois, ele liga para o Chico.

– Preciso falar com você. Que tal amanhã, no Lucas, lá no Maletta, às oito? Certo. Espero-o lá.

 O ex-colega de trabalho chega ao bar e restaurante 15 minutos depois das oito.

– E aí, Hélio? Como vai a vida de aposentado? E a Sílvia?

– É sobre ela que quero falar. O que eu disser, prefiro que fique entre nós.

– O que aconteceu? Acabou o romance?
– Nunca houve romance.

– Uai, e quem é a Sílvia?

– É uma conterrânea. Encontrei-a por acaso aqui em BH. É prostituta e a propus se passar por minha namorada porque sou homossexual, Chico.

– Precisava disso?

– Precisava. Você sabe. Como homossexual, jamais chegaria aonde cheguei na empresa, que tem padrões rígidos, conservadores. Talvez, nem continuasse no emprego quando descobrissem.

– Isso é verdade. Houve casos de colegas demitidos sem explicação.

– Pois é, a Sílvia e eu nos sentimos iguais quando nos encontramos e ela não se opôs em me ajudar.

Beberam cerveja, falaram sobre outros assuntos e se despediram com aquele frase clássica: “A gente se vê por aí”.

Em tempo: parodiando de novo o amigo Carlos Herculano, esta crônica é para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Fel… Fel… Ah, como diz a música dos Beatles, banda de John Lennon (que não morreu a mando de Cristo), “let it be”.

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