Anos 1970. O telefone toca na seção de contabilidade da grande empresa. Uma funcionária atende.
– Seu Hélio, telefone para o senhor. É a Sílvia!
Chefe da seção, Hélio se levanta e vai até o telefone.
– Alô! Oi, Silvinha, meu amor. Sim, sim. Pego você às nove. Um beijo!
Volta à mesa, com um leve sorriso nos lábios. Meia hora depois, no café, o Chico, um dos contadores subalternos de Hélio, se aproxima.
– E aí, chefe? Feliz, né? A Sílvia faz muito bem a você.
– É verdade. Sem ela, não sei o que seria de mim…
– Gosto desse tipo de relacionamento. Cada um no seu canto e se amando.
– Quisemos assim. Quando pelo menos um está com saudade ou com vontade, nos encontramos. Saímos, namoramos, essas coisas…
– Parece uma forma mais duradoura, sem muita possibilidade de conflito.
– É verdade.
– Há gente na empresa que tem até inveja do amor de vocês. Mesmo não conhecendo a Sílvia, a quem você nunca nos apresentou. Nem nas nossas festas de fim de ano aparece...
– Quis assim. É muito reservada, na dela, sabe? Tem poucos amigos e amigas. Não gosta de se enturmar. Entendo e aceito. Aliás, na nossa relação há muito de aceitação. E lá se vão quase duas décadas de romance.
Cinco anos depois, a aposentadoria. Hélio ganha uma caneta da empresa e uma placa dos colegas agradecidos pelo compreensivo chefe que tiveram. No dia seguinte, Hélio entra em um hotel da Rua São Paulo. No segundo andar, bate à porta do quarto 21. Uma mulher beirando os 50 anos, olhos fundos e tristes, abre a porta e sorri.
– Oi, Hélio. Entre, por favor. O que o traz aqui a esta hora? Ainda é dia. Não é hora de trabalho?
– Estou aposentado, Sílvia. Vim aqui dizer que não precisa mais telefonar para o escritório. Não é mais necessário. Sou muito agradecido a você.
– Que isso? Foi até divertido. Vou até sentir saudade. Além do mais, você foi sempre muito bom para mim. Quando a coisa apertou aqui, me emprestou dinheiro e nunca quis receber.
Conversam por mais meia hora. Despedem-se. Hélio prometeu aparecer de vez em quando. Cinco dias depois, ele liga para o Chico.
– Preciso falar com você. Que tal amanhã, no Lucas, lá no Maletta, às oito? Certo. Espero-o lá.
O ex-colega de trabalho chega ao bar e restaurante 15 minutos depois das oito.
– E aí, Hélio? Como vai a vida de aposentado? E a Sílvia?
– É sobre ela que quero falar. O que eu disser, prefiro que fique entre nós.
– O que aconteceu? Acabou o romance?
– Nunca houve romance.
– Uai, e quem é a Sílvia?
– É uma conterrânea. Encontrei-a por acaso aqui em BH. É prostituta e a propus se passar por minha namorada porque sou homossexual, Chico.
– Precisava disso?
– Precisava. Você sabe. Como homossexual, jamais chegaria aonde cheguei na empresa, que tem padrões rígidos, conservadores. Talvez, nem continuasse no emprego quando descobrissem.
– Isso é verdade. Houve casos de colegas demitidos sem explicação.
– Pois é, a Sílvia e eu nos sentimos iguais quando nos encontramos e ela não se opôs em me ajudar.
Beberam cerveja, falaram sobre outros assuntos e se despediram com aquele frase clássica: “A gente se vê por aí”.
Em tempo: parodiando de novo o amigo Carlos Herculano, esta crônica é para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Fel… Fel… Ah, como diz a música dos Beatles, banda de John Lennon (que não morreu a mando de Cristo), “let it be”.
Chefe da seção, Hélio se levanta e vai até o telefone.
– Alô! Oi, Silvinha, meu amor. Sim, sim. Pego você às nove. Um beijo!
Volta à mesa, com um leve sorriso nos lábios. Meia hora depois, no café, o Chico, um dos contadores subalternos de Hélio, se aproxima.
– E aí, chefe? Feliz, né? A Sílvia faz muito bem a você.
– É verdade. Sem ela, não sei o que seria de mim…
– Gosto desse tipo de relacionamento. Cada um no seu canto e se amando.
– Quisemos assim. Quando pelo menos um está com saudade ou com vontade, nos encontramos. Saímos, namoramos, essas coisas…
– Parece uma forma mais duradoura, sem muita possibilidade de conflito.
– É verdade.
– Há gente na empresa que tem até inveja do amor de vocês. Mesmo não conhecendo a Sílvia, a quem você nunca nos apresentou. Nem nas nossas festas de fim de ano aparece...
– Quis assim. É muito reservada, na dela, sabe? Tem poucos amigos e amigas. Não gosta de se enturmar. Entendo e aceito. Aliás, na nossa relação há muito de aceitação. E lá se vão quase duas décadas de romance.
Cinco anos depois, a aposentadoria. Hélio ganha uma caneta da empresa e uma placa dos colegas agradecidos pelo compreensivo chefe que tiveram. No dia seguinte, Hélio entra em um hotel da Rua São Paulo. No segundo andar, bate à porta do quarto 21. Uma mulher beirando os 50 anos, olhos fundos e tristes, abre a porta e sorri.
– Oi, Hélio. Entre, por favor. O que o traz aqui a esta hora? Ainda é dia. Não é hora de trabalho?
– Estou aposentado, Sílvia. Vim aqui dizer que não precisa mais telefonar para o escritório. Não é mais necessário. Sou muito agradecido a você.
– Que isso? Foi até divertido. Vou até sentir saudade. Além do mais, você foi sempre muito bom para mim. Quando a coisa apertou aqui, me emprestou dinheiro e nunca quis receber.
Conversam por mais meia hora. Despedem-se. Hélio prometeu aparecer de vez em quando. Cinco dias depois, ele liga para o Chico.
– Preciso falar com você. Que tal amanhã, no Lucas, lá no Maletta, às oito? Certo. Espero-o lá.
O ex-colega de trabalho chega ao bar e restaurante 15 minutos depois das oito.
– E aí, Hélio? Como vai a vida de aposentado? E a Sílvia?
– É sobre ela que quero falar. O que eu disser, prefiro que fique entre nós.
– O que aconteceu? Acabou o romance?
– Nunca houve romance.
– Uai, e quem é a Sílvia?
– É uma conterrânea. Encontrei-a por acaso aqui em BH. É prostituta e a propus se passar por minha namorada porque sou homossexual, Chico.
– Precisava disso?
– Precisava. Você sabe. Como homossexual, jamais chegaria aonde cheguei na empresa, que tem padrões rígidos, conservadores. Talvez, nem continuasse no emprego quando descobrissem.
– Isso é verdade. Houve casos de colegas demitidos sem explicação.
– Pois é, a Sílvia e eu nos sentimos iguais quando nos encontramos e ela não se opôs em me ajudar.
Beberam cerveja, falaram sobre outros assuntos e se despediram com aquele frase clássica: “A gente se vê por aí”.
Em tempo: parodiando de novo o amigo Carlos Herculano, esta crônica é para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Fel… Fel… Ah, como diz a música dos Beatles, banda de John Lennon (que não morreu a mando de Cristo), “let it be”.
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