sábado, 13 de abril de 2013

Entrevista José Wellington Bezerra da Costa

folha de são paulo

Feliciano quer tirar proveito da situação, diz líder de sua igreja
PASTOR REELEITO PARA O COMANDO DA CONVENÇÃO DAS ASSEMBLEIAS DE DEUS AFIRMA QUE DEPUTADO APROVEITA NOTORIEDADE PORQUE 'BOBO ELE NÃO É'
JOÃO CARLOS MAGALHÃESDE BRASÍLIAO pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP) "está querendo tirar proveito" da onda de protestos para que ele deixe a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara.
A opinião é de José Wellington Bezerra da Costa, 78, reeleito anteontem presidente da Convenção Geral das Assembleias de Deus, principal entidade da maior denominação evangélica do país, da qual Feliciano faz parte.
"Ele é político, está querendo tirar proveito desse troço. Ele está dando corda na coisa. Bobo ele não é", afirma Wellington, lembrando, no entanto, que a entidade dá "respaldo" para o deputado --que antes da polêmica era pouco conhecido fora dos círculos evangélicos.
Wellington é presidente da Convenção há 25 anos. Nesse período, a Assembleia se consolidou como uma potência religiosa (12,3 milhões de fiéis) e política (28 deputados federais).
"Somos bastante assediados [por políticos]", diz o pastor, que apoia a reeleição da presidente Dilma Rousseff: "A candidatura dela é uma nomeação, não precisa nem ir para a eleição".
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Folha - Há um levante preconceituoso contra o deputado Marco Feliciano?
José Wellington - O Feliciano é jovem, político, está querendo tirar proveito desse troço. Ele está dando corda na coisa. Bobo ele não é. Agora, há uma exploração muito grande do pessoal [críticos de Feliciano]. A verdade é que estamos juntos da Igreja Católica. O que nós não aceitamos a Igreja Católica não aceita. Eles não aceitam aborto, casamento de pessoas do mesmo sexo.
Qual a importância de Feliciano na Assembleia de Deus?
Ele é um pastor como os demais. Não tem qualquer destaque, direito a mais, proteção a mais. Ele defende valores comuns a uma sociedade sensata e sadia.
Qual a posição da Convenção sobre a alegação de Feliciano de que Noé amaldiçoou a África?
Essa é uma interpretação teológica. A Bíblia, quando conta a histórica de Cã ou Cão, diz que aquele filho de Noé, quando o pai tomou uns gorós e, bêbado, se despiu, ficou caído. Veio um outro filho, viu os dois, e saiu criticando. Outro veio, de costas, e cobriu a nudez do pai. Esse o pai abençoou e outro ele amaldiçoou. Cada um interpreta como quer.
Mas dentro da igreja a posição não é essa.
Eu recebo o irmão pretinho, a velhinha pretinha, tenho tanto carinho, amor e respeito quanto por qualquer outro. Acredito que essa é a posição da maioria dos pastores.
O que os valores dos evangélicos podem trazer para a discussão dos direitos humanos?
Todos nós somos iguais perante a lei. Alguém disse que somos quase iguais, mas a letra disse que somos iguais. Acho que todo brasileiro deve ter sua liberdade de culto, de voto, do ir, do vir. Em relação ao Estado ser laico, eu entendo perfeitamente o texto da lei. É laico, mas o povo é cristão, o povo tem religião. Entendo que na vida administrativa deve ser separado um do outro.
O assédio dos políticos a vocês é muito grande?
Sim, somos bastante assediados. Só que a minha orientação como presidente foi sempre procurar ajudar os de casa. Porque se eu elejo uma pessoa do nosso convívio eclesiástico, é alguém que tenho uma certa ascendência e que pode ser um legítimo representante da igreja.
Como vocês escolhem as pessoas que apoiam?
Procuramos alguém que seja, no mínimo, amigo da igreja. Tivemos algumas dificuldades com o PT em São Paulo. Hoje não temos mais. Agora, eu não posso fazer divergência de partidos, eu trabalho com o povo.
Qual a sua opinião sobre a presidente Dilma?
Confesso a você que não votei na Dilma. Eu tinha certos resquícios do PT em São Paulo. Mas esta senhora tem superado [as expectativas]. Ela pegou uma caixa de marimbondo na mão, mas tem sido muito honesta com seu governo e com o povo. Hoje, na minha concepção, a candidatura dela é uma nomeação, não precisa nem ir para a eleição, ela é eleita tranquilamente. Eu até teria muito motivo para dizer que não [apoio Dilma em 2014], mas esqueço tudo isso aí a bem do povo.
A "Economist" comparou o papa a um presidente de empresa. É isso mesmo?
A igreja tem os dois lados. Do lado espiritual, é a Bíblia, oração, jejum, ensinamento. Do lado material, é uma empresa que temos que administrar de acordo com as leis vigentes no país. A Assembleia de Deus difere de outras igrejas evangélicas. Nós não vivemos correndo atrás do dinheiro. O dinheiro para nós não é o essencial.
Qual a receita anual de todas as Assembleias juntas?
Não sei. A Convenção tem o caixa mais pobre do mundo.
Qual é a receita da Convenção?
São R$ 7 milhões ou R$ 8 milhões. É muito pouco. A nossa contribuição mensal é de R$ 5 [por obreiro].
A maior parte do dinheiro arrecadado é gasto com o trabalho social? Tem muita gente que acha que as igrejas evangélicas servem para enriquecer os pastores.
Fui comerciante em São Paulo, e quando saí, não saí rico, mas com uma vida econômica estável. E o que eu tinha eu conservei. Digo por experiência: se alguém pensa em ser pastor para ganhar dinheiro, pode procurar outra profissão. Estou falando pastor, não essa turma que vive explorando, arrancando dinheiro do povo. A Assembleia de Deus não faz isso.
Com o crescimento da igreja, e à luz do que ocorre com Feliciano, o senhor sente um aumento do preconceito contra os evangélicos no Brasil?
Ao contrário. Quando era criança, me recordo de irmãos que iam dirigir cultos ao ar livre que acabavam debaixo de pedradas. De lá para cá melhorou muito. Por quê? Ontem, nossa penetração social era classe D para baixo. Hoje, conseguimos alcançar uma classe social mais alta. Essa penetração mudou a visão da Assembleia de Deus. Esse problemazinho do Marco Feliciano é muito mais enfeite da mídia e um pouco de proveito dele.
Ele atraiu uma atenção negativa para a Assembleia?
[risos] Não, ele está tirando proveitozinho porque ele é vivo, né?

    FRASES
    "O [deputado Marco] Feliciano é jovem, político, está querendo tirar proveito desse troço. Está dando corda na coisa. Bobo ele não é"
    "Estamos juntos da Igreja Católica. O que nós não aceitamos a Igreja Católica não aceita. Eles não aceitam aborto, casamento de pessoas do mesmo sexo"
    "Confesso a você que não votei na Dilma. Mas esta senhora tem superado [as expectativas]"
    "A candidatura dela é uma nomeação, não precisa nem ir para a eleição, ela é eleita tranquilamente"
    "Se alguém pensa em ser pastor para ganhar dinheiro, pode procurar outra profissão. (...) A televisão está cheia dessa gente"


    RAIO-X DO PASTOR
    NOME
    José Wellington Bezerra da Costa
    NATURALIDADE
    Cearense
    IDADE
    78 anos
    CARGOS
    Presidente reeleito da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil e pastor presidente da Assembleia de Deus Ministério do Belém, em SP
    FORMAÇÃO
    Direito, sociologia e teologia


    ANÁLISE
    Sistema simbólico adotado pela igreja ajuda fiéis a lidar com angústia contemporânea
    MARCOS ALVITOESPECIAL PARA A FOLHANo Brasil, hoje, há mais pastores da Assembleia de Deus do que padres da Igreja Católica. Apenas os aptos a votar, esta semana, eram 25 mil pastores, ante cerca de 22 mil sacerdotes católicos.
    A Assembleia de Deus, fundada no Brasil há mais de um século, é uma igreja pentecostal. O grande diferencial em relação às igrejas evangélicas históricas, como a batista, a presbiteriana e a luterana, reside na centralidade atribuída ao Espírito Santo.
    Nesse ponto a Assembleia aproxima-se, até certo ponto, da ideia de magia presente nas religiões afro-brasileiras. Abundam curas milagrosas e uso de objetos santificados.
    Outro ponto importantíssimo é uma cosmologia maniqueísta, de oposição entre o bem e o mal, Deus e o Diabo. É uma compreensão do Universo como palco de uma batalha espiritual.
    A ideia de guerra espiritual é uma chave simplista, mas extremamente eficiente e popular, como comprova o crescimento da corrente nas últimas décadas.
    Para entender o avanço das religiões evangélicas no Brasil, sobretudo das correntes pentecostais, é preciso compreender o papel da religião no mundo contemporâneo.
    A realidade torna-se mais complexa a cada dia. Os processos sociais e as grandes mudanças ocorrem de forma rápida e sem aviso.
    PAPEL DA RELIGIÃO
    Ainda que tenha ocorrido aumento recente da renda, a situação de precariedade econômica e social persiste. O abismo entre os avanços científicos e a compreensão do homem comum aprofunda-se. Aí entra a religião.
    Ela é um poderoso sistema simbólico capaz de dar uma explicação ou pelo menos propiciar uma esperança de que algum dia haverá um esclarecimento sobre o caos, o sofrimento e a injustiça.
    Na Assembleia de Deus isso tudo é muito presente. É uma guerra entre a igreja, representando o conjunto dos fiéis, e o mundo, governado por Satanás.
    Certa vez visitei um templo da Assembleia de Deus em um subúrbio do Rio de Janeiro. O coro de crianças era chamado de "Soldadinhos de Cristo". Parece que eles estão ganhando a guerra.

      Procuradoria pede nova investigação sobre deputado
      DE BRASÍLIAO procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu ontem ao Supremo Tribunal Federal que abra novo inquérito para apurar a contratação de pastores evangélicos no gabinete do deputado Marco Feliciano (PSC-SP) e a veiculação de um vídeo no YouTube em que ele ataca adversários.
      Folha revelou no mês passado que Feliciano emprega no gabinete cinco pastores de sua igreja que recebem salários da Câmara sem cumprir expediente em Brasília nem em seu escritório político em Orlândia (SP).
      Além disso, em março, Feliciano divulgou no Twitter um vídeo, endossado pela produtora de um de seus assessores, com críticas aos que se opõem à eleição dele à presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara.
      Sob o título "Pastor Marco Feliciano Renuncia", o vídeo, de quase nove minutos, foi publicado na conta no YouTube da produtora Wap TV Comunicação, que tem, entre seus donos, Wellington de Oliveira, assessor de Feliciano.
      Para Gurgel, existem indícios da prática de crimes" por parte do deputado em ambos os casos. O procurador-geral determinou ainda que sejam ouvidos os representantes da Wap TV e que o deputado seja interrogado.

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