domingo, 14 de abril de 2013

Produto para cavalo é usado por jovens‏

Composto de vitaminas A, D e E, de uso veterinário, é vendido ilegalmente, o que mostra falhas na fiscalização 


Estado de Minas: 14/04/2013 

Brasília – É difícil medir com exatidão o poder devastador das “bombas” e demais substâncias usadas para melhorar a performance na atividade física. Não há no Brasil números sobre mortos ou internados por esse motivo. O que se tem, de concreto, é o drama silencioso vivido por pais, mães, irmãos, filhos, maridos e mulheres. Entre os produtos mais letais estão os de uso veterinário — muitos com venda limitada e controlada. Só em 2012, a Polícia Federal apreendeu 1.110 medicamentos ilegais para animais. A fiscalização é falha nos pontos de venda.

Um composto de vitaminas A, D e E para cavalos virou febre entre os jovens atualmente. Em Vitória da Conquista (BA), duas pessoas que injetaram o composto estão internadas. “Eles perderam músculos, algo que não pode ser enxertado. O menino pode ter perda de movimentação do braço, a menina pode ter perda no caminhar”, explica a médica Bianca Oliveira. Segundo ela, das coxas e nádegas da moça foram retirados quase seis litros de pus. Apesar de não correrem mais risco de morrer, devido ao estado de necrose avançado eles devem ficar pelo menos mais dois meses no hospital, sob observação, explica.

Mike Jefferson Silveira de Lira não teve a mesma sorte. O rapaz, de 26 anos, morador de São José do Rio Preto (SP), se achava franzino, apesar do abdômen definido, dos braços musculosos e da força acima da média. Segurança de uma boate, o rapaz já usava esteróides quando recebeu o conselho de um amigo para injetar nos braços anabolizantes para cavalos. Mike não teve nenhuma dificuldade para comprar o produto, de uso restrito veterinário.

O Equi-boost, indicado pelo amigo do segurança, é um esteroide exclusivo para animais de competição. Com a primeira injeção, o jovem já começou a se sentir fraco e chegou a desmaiar. Mike aplicou novamente o anabolizante e teve três paradas cardíacas. Morreu em casa, no colo da mãe, deixando uma filha de apenas 1 ano.

A morte ocorreu em setembro de 2009, e somente agora, quase quatro anos depois, a família teve forças para entrar na Justiça contra a empresa agropecuária que vendeu o anabolizante de cavalo a Mike. “Venderam sem receita, sem sequer questionar por que ele poderia querer um remédio de cavalo”, acusa a mãe do jovem morto. A Polícia Civil, que investigava o caso à época, chegou a pedir a exumação do corpo do rapaz um mês após a sua morte. Mas o laboratório que fez os exames no cadáver alegou que não tinha material específico para identificar a presença do anabolizante.

O Ministério da Agricultura é responsável por fiscalizar os cerca de 35 mil estabelecimentos que vendem remédios veterinários no Brasil. Coordenador substituto da área na pasta, Egon Vieira da Silva reconhece as dificuldades. “Mal conseguimos visitar todas as casas uma vez por ano. Dependemos das secretarias de Agricultura dos estados ou de denúncias”, lamenta Egon. De acordo com ele, ciente das ilegalidades na venda dos produtos, o governo reviu a lista de substâncias de uso e comercialização proibidos recentemente: de cerca de 30 itens, a relação passou a ter 120. (RM e HM)



IMAGEM DISTORCIDA » A vaidade que mata
Anabolizantes, suplementos e vitaminas viram febre na busca pelo corpo perfeito e superação na atividade física, mas podem levar à morte. Mercado clandestino cresce
 



Renata Mariz e Helena Mader


Brasília – A cada notícia de morte por anabolizantes, Janete Santos Marciel sacava o telefone para advertir o filho Gleison. E ele sempre garantia à mãe que não estava mais usando as ampolas que transformaram o menino magricela de 17 anos em um “homão grandão” — que é como ela se recorda do segundo dos quatro filhos. Gleison Santos Marciel, de fato, havia parado de injetar hormônios sintéticos e vitaminas em forma de óleo. Só que tarde demais. As substâncias aplicadas fizeram crescer, além dos músculos, órgãos vitais do corpo do rapaz. Um certo dia, depois de almoçar na casa de Janete, na 114 Sul Gleison pediu para deitar um pouco. E não se levantou. Foi encontrado pela mãe já desmaiado no quarto, depois de soltar um grito estridente. Quatro dias de internação se passaram, entre esperança e desespero, até que a vaidade desmedida, aliada à falta de informação e de cuidado, tiraram a vida de Gleison, aos 29 anos, em 2007. “O coração, o baço, o fígado, tudo cresceu dentro dele”, explica Janete. Era difícil, para ela, acreditar que nunca mais ouviria as palavras carinhosas do garoto que gostava de montar som em festas, estava animado com o emprego novo em um shopping da cidade e sonhava ter a própria academia de musculação. O rapaz deixou uma filha e a certeza de que aquelas injeções que ele se aplicava são mortais.

“Eu nunca mais fui a mesma pessoa. Eu era vaidosa, alegre. Agora virei isso aqui”, diz Janete. A dor da baiana de 56 anos é a mesma de tantas famílias destroçadas pelos efeitos de uma busca cada vez mais insana pelo “padrão de beleza ideal”. Nunca foi tão ferrenha a corrida por músculos desenhados e barrigas chapadas. Mesmo os que renegam a pecha de marombeiros têm se curvado a substâncias nem sempre permitidas ou usadas com segurança, sob o argumento de ganhar o gás necessário para terminar uma prova de rua ou acompanhar a turma do pedal na trilha de final de semana. Seja qual for a justificativa, o fato é que o comércio clandestino de anabolizantes, suplementos alimentares e vitaminas explodiu no Brasil. O tema será tratado em uma série de reportagens que o Estado de Minas publica a partir de hoje.

Dados da Polícia Federal mostram que de 2010 a 2012 aumentou em 125% a apreensão de medicamentos contrabandeados, entre os quais estão os anabolizantes, muitos com venda proibida no país ou falsificados. Chefe da Delegacia Fazendária da Polícia Federal, Hugo Correia chama atenção para o fato de a maioria das 739 mil unidades de produtos confiscadas pela PF no ano passado ter relação com a vaidade masculina. “É interessante porque sempre se diz que a mulher é mais ligada à beleza, mas, entre os itens apreendidos estão, em maior quantidade, os anabolizantes, os suplementos alimentares e os remédios para disfunção erétil”, conta o delegado.

A popularidade dos produtos que prometem melhorar a performance física é tanta que já se fala no meio médico em vigorexia, um distúrbio psiquiátrico que causa distorção da própria imagem diante do espelho, levando à prática exagerada de exercícios físicos em busca do corpo perfeito. “Nessa corrida desvairada, muitos se esquecem de que é preciso ter a qualidade genética para chegar ao shape (corpo) propagado como padrão de beleza. As pessoas não entendem e pagam um preço muito alto por usar substâncias perigosas e sem qualquer orientação. Até vitamina em excesso pode trazer problemas graves”, alerta Jomar Souza, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte.

Tudo pelo futebol Atraído pela aparente inofensividade de um produto que prometia apenas complementar a nutrição, Wilson Sampaio Júnior abreviou uma carreira promissora no disputado mercado do futebol. Recém-contratado pelo pernambucano Santa Cruz, o rapaz de 18 anos sonhava chegar à elite do esporte. Em maio de 2011,  ele começou a tomar um suplemento oferecido pelo estagiário de uma conceituada academia do Recife. O vendedor assegurou que as cápsulas milagrosas eram naturais e que dariam muito mais pique para Wilson durante os treinos.

Com os conselhos ouvidos nos corredores da academia, o jovem jogador de futebol começou a tomar o suplemento Jack3D, cuja substância principal é a dimetilamilamina (DMAA). Wilsinho, como era conhecido, consumiu o produto por menos de um mês. “Ele estava se sentindo bem, levantando peso. Meu filho era muito saudável, não se queixou de nenhum mal-estar”, relembra a funcionária pública Marcelle Rhiva Sampaio, 43 anos. Em maio de 2011, ela encontrou o filho morto no banheiro. “O Wilsinho havia feito um exame de coração em janeiro e tudo estava perfeito. Meu filho tinha acabado de fazer 18 anos e, quando contamos que ele estava tomando um suplemento para jogar futebol, um médico nos aconselhou a fazer o exame no IML”, comenta Marcelle.

“Mas como é uma substância nova, os técnicos do instituto não estão acostumados a analisá-la e nem têm equipamentos para identificá-la. Por isso, não ficou reconhecido que o Jack3D levou meu filho à morte, apesar de sabermos que foi isso o que aconteceu”, acrescenta a mãe. Pouco depois da morte do jovem pernambucano, a Anvisa proibiu a venda do Jack3D no Brasil e vetou o comércio de qualquer suplemento com a substância DMAA. “Apesar da proibição, eu continuo a encontrar o produto na prateleira de lojas. Quando acho algum, faço sempre a denúncia”, se queixa Marcelle. (Colaborou Etore Medeiros)

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