sexta-feira, 10 de maio de 2013

Bolsa anticrack - A favor e Contra [opinião]

folha de são paulo

BOLSA ANTICRACK - A FAVOR
Iniciativa é um passo na direção certa
É essencial a escolha e a capacitação adequadas dos serviços credenciados
HAMER PALHARESESPECIAL PARA A FOLHAO tratamento da dependência de crack é desafiador e, indicam estudos, vale a pena.
Após abordagem inicial (da dependência em si, da síndrome de abstinência etc.), a reinserção social é uma peça primordial na recuperação.
Muitas vezes, superada a fase inicial do tratamento, a frustração ao deparar-se com o mercado de trabalho, a falta de habilidades sociais e técnicas para recomeçar são um gatilho para a recaída.
É comum, na dependência, vários "recomeços". Os melhores estudos apontam que aqueles que se mantêm em tratamento atingem um grau maior de estabilidade.
É por meio deste prisma que deve ser analisada a série de recentes iniciativas para tornar disponíveis intervenções terapêuticas.
O programa do governo estadual paulista, que prevê a entrega de cartões de R$ 1.350 mensais para o tratamento de dependentes de crack, é um projeto importante.
Pode servir como um piloto, uma vez que o número total de usuários é muito maior do que os 3.000 pacientes que formam o público-alvo.
A escolha dos serviços será por aqueles de baixa complexidade por uma questão de custos. Para melhor andamento da iniciativa, é essencial a escolha e a capacitação adequadas dos serviços.
Vale salientar que não se trata de "bolsa crack", do mesmo modo que não se denomina "bolsa diabetes" a disponibilização de insulina a portadores desta patologia.
Mesmo se fosse o caso, há estudos mostrando boa efetividade de abordagens que concederam vouchers a atividades culturais e benefícios a pacientes que aderiram ao tratamento e se mantiveram abstinentes conforme exames de rastreamento urinário.
Nesse sentido, a iniciativa revela um quê de humildade e mea-culpa: precisamos fazer mais, muito mais, do que tem sido feito até o momento. Nesta mea-culpa, sim, estamos eu e o caro leitor.
Será suficiente? Certamente que não, mas me parece um passo na direção correta.

    BOLSA ANTICRACK - CONTRA
    Ação foca modo mais radical de tratamento
    'Bolsa internação' financia entidades em detrimento do sistema público
    MAURÍCIO FIOREESPECIAL PARA A FOLHAO Cartão Recomeço ganhou instantaneamente o pejorativo apelido de "bolsa crack", mas está mais próximo de uma "bolsa internação".
    É um programa de financiamento público de comunidades terapêuticas privadas por meio dos R$ 1.350 mensais que serão recebidos pelos familiares dos dependentes internados.
    O abuso do crack, associado a profundas vulnerabilidades sociais, é problema grave, mas está levando o poder público a uma sucessão de políticas sem debate mais sistemático com especialistas.
    A internação é um tratamento indicado para apenas uma parte dos dependentes de drogas e por pouco tempo.
    Por ser um isolamento artificial, produz a sensação de proteção, daí seu apelo em situações dramáticas. Por outro lado, como outros tratamentos, mostra-se ineficaz na maioria das vezes.
    É preocupante que as políticas coloquem a forma mais radical de tratamento como seu foco, pois isso parece muito mais aplacar os anseios de quem está do lado de fora do que se basear em evidências científicas.
    Também é preocupante o financiamento direto de entidades privadas em detrimento do sistema público de atenção à saúde mental --que, não há dúvidas, precisa ser aperfeiçoado e ampliado.
    Sem entrar em controvérsias conceituais, a ação suscita questões pontuais.
    O Estado será capaz de garantir a laicidade do tratamento, posto que um número enorme de comunidades terapêuticas são religiosas?
    Quais serão as formas de controle e os critérios de avaliação de qualidade e eficiência desse tratamento em médio e longo prazo?
    Qual é o plano de auxílio para esses dependentes e suas famílias na fase mais difícil do tratamento, que é o retorno às ruas?
    Com longo histórico de internações dos dependentes, como evitar que o sofrimento deles não estimule um lucrativo e perene negócio financiado por verba pública?

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