sexta-feira, 10 de maio de 2013

O clube dos sem-sono: como fazer seu filho dormir

folha de são paulo

SOPHIE HEAWOOD
DO "OBSERVER"

Quando minha amiga Hannah teve filho, alguém lhe deu o livro "Vai Dormir, P*##@", uma história de ninar escrita por um exasperado pai nova-iorquino que estava enlouquecendo todas as noites com seu filho pequeno. É um livro ilustrado para adultos, cheio de palavrões e pensamentos sombriamente cômicos sobre as crianças. E assim Hannah leu diligentemente o livro durante semanas ao seu recém-nascido, até perceber que o presente era para ela. "Realmente deveriam deixar isso mais claro para novos pais privados de sono", suspirou ela. É por isso que o anúncio de abril --de que o livro de sucesso vai virar uma grande produção de Hollywood-- é tão surpreendente. É um ótimo livro, mas certamente só tem uma piada, a qual só pais exaustos vão achar engraçada, isso se estiverem suficientemente acordados para entendê-la.
Acontece que a piada é suficiente para sustentar não só um filme como toda uma indústria, porque os pais cansados estão por toda parte hoje em dia, e nunca estiveram tão ansiosos... nem tão crédulos. Há aparelhos eletrônicos que tocam cantigas de ninar sobre o berço; CDs de ruído branco que acalmam seu filho para adormecer com o suave "brrr" de atrás da geladeira, para que ele se lembre do batimento cardíaco da mãe; DVDs como "O Bebê Mais Feliz do Quarteirão", em que o Dr. Karp, guru californiano da pediatria, sugere que os bebês que choram têm um botão de desligar, se vocês os enfaixar no ângulo correto (por estúpido que pareça, esse realmente me ajudou bastante).
Divulgação
Capa do livro "Go the Fuck to Sleep", de Adam Mansbach; obra servirá de inspiração para filme
Capa do livro "Go the Fuck to Sleep", de Adam Mansbach; obra servirá de inspiração para filme
Há livros para pais que ensinam como fazer à francesa, o que envolve esperar antes de atender aos gritos do bebê --"la pause". Ficamos neuróticos nos perguntando se deveríamos deixar nossos bebês se acabarem de chorar no berço, ou se devemos pegá-los no colo todas as vezes. Dá para ganhar dinheiro com essa conversa que absorve os pais recentes quando se encontram: "O seu dorme? Vocês têm uma rotina? Alguém na casa dorme?".
Avançamos muito desde o simples acalanto. Veja essa palavra, acalanto --tão bonita; onomatopeica, até. Há um acalanto indiano sobe o Tio Lua, que vive distante, comendo doces deliciosos, e oferecendo alguns em uma tigela ao bebê. Há um acalanto iraquiano tão triste que é cantado também em funerais, com versos sugerindo o desejo da mãe de que "seus inimigos fiquem doentes e distantes, na aridez do deserto".
Infelizmente, minha filha de 19 meses não escuta muitos desses acalantos de mim, porque na hora de dormir geralmente sou eu quem está pronta para despencar e ficar doente na aridez de um deserto. A hora de dormir na nossa casa, num dia ruim, tem menos a ver com cantar e mais com eu me esconder no quarto vizinho, me perguntando até que ponto é cruel simplesmente fechar os olhos e esperar a choradeira parar.
E, no entanto, me parece que as coisas costumavam ser simples na época dos meus pais, e que a minha geração as complicou. Será que toda essa informação sobre danos psicológicos não está na realidade causando o dano? Como essa enorme indústria está fazendo com que nos sintamos?
Perguntei a Andrea Grace, especialista em sono de bebês, se ela achava que os novos pais estão ficando excessivamente pendentes disso tudo. Ela disse que não: "Ter um bebê que não dorme pode ter um enorme impacto sobre a saúde, a felicidade e o relacionamento dos pais". Dito isto, "onde as pessoas tendem a errar é em 'superajudar' seu bebê a adormecer no começo da noite, seja alimentando ou embalando.
Então, quando o bebê acorda naturalmente à noite no final de um ciclo de sono, ele não sabe voltar a dormir. Aí precisa ser embalado de novo. E, em minha opinião, nos últimos anos houve uma ênfase excessiva em colocar os bebês sob regimes muito rígidos, embora estes possam ser bem-sucedidos para alguns".
Antes de me tornar mãe, eu ouvia falar dessas rotinas rígidas, como a que foi apresentada por Gina Ford em seu polêmico best-seller "The Contented Little Baby Book" (O livro do bebezinho feliz). Perplexa com o que eu via como barbárie e maluquice controladora, resolvi que colocaria minha bebê junto ao meu seio quando ela estivesse com fome, e lá ela adormeceria profundamente, como uma boa cria de caçadores-coletores.
Como eu me orgulharia de passear por Londres com meu sling, parecendo uma Flintstone. E eu não tinha certeza nem mesmo de que teria um berço. Afinal, você não vê outros mamíferos deixando seus filhotes dormirem sozinhos em outro quarto, certo? Eu cuidaria das suas lágrimas na minha própria cama. Eu cantaria para ela dormir. Ela não iria chorar.
Aí eu pari um ser humano real, e descobri que eu precisava de ajuda. Urgentemente. Chupetas, berços, móbiles. Avós para niná-la. Um iPhone que eu balançava sobre sua cabeça com MP3s calmantes tocando --tudo isso se tornou crucial. O pai da minha filha foi embora quando ela tinha poucos meses, e foi um desafio não ficar estressada. Meu leite secou, então o leite em pó (conhecido na internet como néctar satânico) salvou a pátria. Em homenagem à mãe hippie que eu achava que seria, eu lhe dei uma fórmula à base de leite de cabra. Mas foi só. Todas as minhas demais ideias românticas foram jogadas pela janela. No lugar delas entrou o choro controlado.
E, no entanto, sempre há culpa. Banhada pela luz do laptop no fim de noite, li reportagens dizendo ser nocivo para a psique da criança ser deixada chorando sozinha até adormecer. Fóruns on-line diziam coisas triunfais, como: "Você deixaria seu marido chorar sozinho até dormir? Não? Então não preciso dizer mais nada!", e aí eu pensava: "Ah, meu Deus, elas têm razão".
Após finalmente ter um pouco de sono decente, tendo cedido ao choro controlado a despeito dos alertas, e fazendo-a dormir a noite inteira em duas noites consecutivas, eu pensei: "Espera aí --é claro que meu marido não teria chorado até dormir-- um homem de 40 anos com acesso total à língua inglesa usa as lágrimas para algo significativamente diferente do cansaço" (ele também provavelmente não teria ficado de pé sobre a sua cama e se debatido para demonstrar como estava cansado, nem teria se vomitado todo, como os bebês fazem --bom, pelo menos não sem que um kebab estivesse envolvido).
E eu nem tenho mais marido --sou só eu chorando até dormir, porque estou cansada demais. Em suma, eu percebi que o choro controlado parecia a pior coisa do mundo quando eu mesma estava privada de sono, e uma concessão perfeitamente razoável quando o bebê e eu havíamos passado numa ótima noite nas nossas camas. Roncando.
Apesar disso, os acadêmicos não chegam a um consenso. Como me disse a psicóloga Suky Macpherson: "Este tema é imensamente polêmico, sem respostas claras. Você vai encontrar a maioria dos psicólogos divididos a respeito do tópico, dependendo de se eles vêm de um marco psicanalítico ou de um mais behaviorista. Os analistas são todos voltados para o vínculo, então tendem a achar que o bebê vai crescer como um adulto danificado se for deixado chorando sozinho por longos períodos".
E mesmo assim Macpherson é enormemente solidária com os pais que usam o choro controlado, "já que uma mãe privada de sono frequentemente acha difícil ser mãe adequadamente, ou trabalhar. A privação emocional pode levar a problemas de longo prazo, sim --mas chorar um pouco no seu primeiro ano conta como privação emocional? Depende de até que grau a criança é deixada. Tendo trabalhado no NHS [Serviço Nacional de Saúde britânico] com novas mães que passam por depressão pós-natal, sinto que o choro controlado é bom para as mães e, portanto, provavelmente legal para os bebês".
Toda a minha culpa residual sobre isso se evaporou outro dia, quando minha filha inventou uma brincadeira na qual ela deitava seus bichos de pelúcia na minha cama, dizia "ba-noite" e aí saía do quarto. Por três segundos. Aí ela voltava e repetia o processo antes de gritar "ba-noite!", e sair de novo. Ela achava isso o máximo. Não pude deixar de refletir que ela não parecia terrivelmente marcada por nossa rotina na hora de dormir. Em vez disso, ela considerava divertido.
E há também a necessidade de sono da própria criança. Numa recente série do Channel 4 intitulada "Bedtime Live" (Hora de dormir ao vivo), a professora Tanya Byron aconselhou às famílias: "Os cérebros das crianças liberam os hormônios do crescimento quando elas dormem, então é vital que elas tenham sono suficiente para a sua faixa etária, para lhes dar o melhor começo".
Acadêmicos em Barcelona descobriram que crianças de 6 e 7 anos que dormem oito ou nove horas têm desempenho escolar pior do que as que dormem 10 ou 11 horas. Enquanto isso, pesquisas nos EUA vinculam a epidemia de obesidade infantil não só à alimentação e ao sedentarismo, mas também à falta de sono. Talvez "Vai Dormir, P*##@" não seja só um divertido livro ilustrado --ele tocou um nervo real. Já lemos todas as pesquisas e não queremos rotinas rígidas, mas tampouco queremos ser otários alucinados. Qual é o meio-termo?
Bom, eu sei qual é o meio-termo na minha família. Meus pais têm passado muito tempo na minha casa ultimamente, e meu pai, de 80 anos, é valioso na hora de dormir. Com sua presença mais lenta e constante, ele se senta ao lado da minha bebê à meia-luz, esfregando suas costas e a deitando no berço outra vez, suavemente cantando para ela as duas músicas que ele sabe de cor, "Jerusalem" e "Waltzing Matilda". Ele pode facilmente demorar 45 minutos para fazê-la dormir, ao passo que, deixada por conta dos meus dispositivos mais rudes, eu poderia conseguir isso em 15 minutos. O jeito dele é mais tranquilo.
MAGIA
Gosto bastante quando ela não vai dormir nas noites em que ele está aqui para ajudar. Gosto de pensar neles tendo essa hora adicional juntos, enfiados num quarto só com histórias e músicas. Se eu pudesse me infiltrar lá e filmar na escuridão, eu iria --mas toda a magia da hora de dormir é que não se pode fazer isso. A hora de dormir não vai parar nos álbuns familiares. Não vou sacar o meu iPhone e fazer um Instagram da minha filha embarcando da vigília para a suave inconsciência do sono.
Como às vezes eu gostaria que, em vez de fazer malabarismos entre trabalho, vida social e a fase da minha filha como bebê, vivêssemos como meus pais viviam, com minha mãe se afastando por alguns anos do trabalho para criar seus bebês em uma aldeia agrícola de Yorkshire. Ela amamentou por mais tempo do que eu consegui, e não precisou de analgésicos para o seu parto natural. Pergunto a ela como ela me fazia dormir à noite.
"Bem", admite ela, "você era péssima para dormir. Simplesmente a pior. Até que eu fui ao farmacêutico e ele me deu Fenergan, um anti-histamínico sedativo que derrubava você." Minha cara caiu. "Isso era legal nos anos 70", prossegue ela. "Sem receita na [rede de farmácias] Boots! Todos nós usávamos isso. Mas nem isso era suficiente, então o médico lhe receitou Vallergan, e aí todos nós tivemos paz." Essa é uma informação totalmente nova. Meus pais me drogavam para dormir!
"Eu de fato comecei a temer que tivesse transformado meu bebê em uma verdadeira viciada em drogas", continua minha mãe, "então afinal tirei isso de você". Eu me imagino bebê, presa em um berço e passando por uma síndrome de abstinência como Renton em "Trainspotting". Se minha mãe não tivesse posteriormente trilhado uma carreira tão longa e ilustre na proteção de crianças, eu ficaria tentada a fazer alguns questionamentos. Então lhe pergunto o que aconteceu quando ela tirou as drogas de mim. Ela olha a meia distância.
"O seu pai costumava subir as escadas e ler histórias para você à meia luz", responde ela. "E cantar para você. 'Waltzing Matilda' e 'Jerusalem', eu acho, durante horas e horas, até que você finalmente caía no sono."
Tradução de RODRIGO LEITE.

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