CRÍTICA - DRAMA
Primeiro longa de Caetano Gotardo se opõe à linguagem alarmista da TV e traz espetáculo ambicioso e consistente
VALE ACOMODAR OS OLHOS A UM ESPETÁCULO SIGNIFICATIVO, CONTEMPORÂNEO, QUE NÃO SE ACANHA
INÁCIO ARAUJOCRÍTICO DA FOLHA
No começo, parece que tudo está fora de lugar. O primeiro plano da mãe professora, muito ostensivo, o sotaque do garoto, estranhamente interiorano, a conversa no parque com a amiga...
Mas é preciso dar um crédito a "O que se Move". O filme de Caetano Gotardo merece, e é um desses poucos sinais de vida do cinema paulista.
Não que tudo esteja de fato ajustado. Mas é preciso, primeiro, observar que lidamos aqui com uma estética que se inspira no cineasta francês Robert Bresson, onde todo rigor do mundo é necessário a um bom resultado.
Em segundo lugar, o filme de Gotardo, tematicamente, pega precisamente o contrapé da mídia sanguinária paulista (que, a rigor, tenta agradar ao espírito de intolerância que se disseminou entre nós).
Faz isso a partir de três histórias: uma delas diz respeito à pedofilia; outra, a um reencontro familiar; a terceira, à morte de um filho pequeno em circunstâncias inesperadas.
Sobre as três convém manter certo silêncio: é a surpresa que fará o encanto do filme, é a surpresa que o projetará acima de eventuais imprecisões, é a força de suas elipses que nos arrancará de uma espécie de entorpecimento em que o início tende a projetar o espectador.
Pode-se perguntar por que isso acontece. Em certa medida é porque "O que se Move" busca opor sua linguagem, justamente, à onipresente linguagem midiática, essa que ocupa programas alarmistas de TV e se propaga pela internet.
Esse discurso identifica monstros e culpados em cada acontecimento.
"O que se Move" toma o contrapé desse tipo de linguagem. Como se a nos lembrar que é preciso muito mais para definir um ser humano (esse, aliás, é o tema da primeira canção do filme, belamente cantada por Cida Moreira).
Esse contrapé é que nos dá a ver com clareza a ambição do projeto e sua importância. Daí a necessidade de o espectador dar ao filme esse crédito inicial: desconheço a ordem em que foram filmados os episódios, mas do primeiro ao terceiro é perceptível o maior conforto na definição das distâncias, na escolha (e direção) de atores e mesmo na montagem.
Ao mesmo tempo, vale acomodar os olhos a um espetáculo significativo, contemporâneo, que não se acanha diante dos riscos.
Não custa lembrar que o mesmo grupo de realizadores (Filmes do Caixote) já havia criado um filme intrigante, "Trabalhar Cansa" (2011).
De lá para cá, verifica-se uma evolução que indica a consistência do grupo. Ainda se pode esperar mais.
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