Híbrido de percussão e bateria, a
percuteria ganha cada vez mais espaço em bandas de música instrumental e
no acompanhamento de cantores. Mistura tem história na MPB
Eduardo Tristão Girão
Estado de Minas: 14/05/2013
É mão no
prato, é baqueta na conga, é timba debaixo das pernas, fazendo o papel
de bumbo. Essas são apenas algumas das curiosas cenas possíveis com a
percuteria, instrumento híbrido que mescla, como o nome indica,
características de percussão e bateria. Ele permite combinações
praticamente infinitas de sons (em timbre, variedade e quantidade de
peças) e, consequentemente, acrescenta às músicas colorido especial e
fora do habitual. Sua presença na cena musical brasileira não é novidade
(um dos precursores seria Hélcio Milito, do Tamba Trio, nos anos 1960),
mas a ampla aceitação atual vem chamando a atenção.
Para se ter
ideia, já existe até quem tenha rebatizado o instrumento, reclamando
para si a autoria de nova versão. É o caso do percussionista mineiro
Serginho Silva, que calcula tocar “timbatera” há cerca de 25 anos:
“Busquei outro estilo de percussão baseado na forma que o João Parahyba
tocava com o Trio Mocotó, nos anos 1970, aumentando meu recurso sonoro e
timbragem”. Ele manteve a timba (para o som grave, de marcação) debaixo
das pernas, mas optou por baquetas em ambas as mãos (e não apenas em
uma) – e foi acrescentando novas peças.
No corpo da timba, por
exemplo, colocou plaquinhas de metal que a protegem das baquetas e geram
novo som. “Eu até poderia ter colocado um pedal para acionar o som da
timba, mas aí começaria a virar bateria e a curiosidade das pessoas em
torno do som grave, que não sabem de onde vem, acabaria”, brinca
Serginho, que atualmente toca quase exclusivamente percuteria. “Para
quem canta é uma maravilha, pois é tranquilo, não faz aquela barulhada e
dá liberdade para os outros instrumentos”, justifica o músico. Ele
chega a tampar metade da pele da timba com fita adesiva para não deixar
som “sobrando”.
Outro mineiro que aderiu à percuteria (e
influenciado por Serginho) é Abel Borges. “Há 15 anos, fiquei
maravilhado ao vê-lo tocando sua timbatera num trio de jazz”, lembra.
Seu set tem cajón, tamborim, congas e pratos e ele diz que é difícil
falar num conjunto fixo de peças, já que procura sempre se adequar ao
estilo que vai tocar e conversar com o compositor para se aproximar o
máximo possível da ideia original da música. “A percuteria tem estética
sonora diferenciada principalmente pelas inúmeras possibilidades de se
montar um set e pela sutileza sonora que a torna um tanto independente”,
observa.
A liberdade de poder personalizar o instrumento nos
mínimos detalhes e ampliar significativamente a gama de sons é algo que
realmente motiva os percuteristas. É o caso do paulista Felipe Roseno,
que dificilmente repete um set de percussão. “No caso da turnê passada
do Ney Matogrosso, Beijo bandido, montei set híbrido com moringa,
derbak, cajón, caixa, chimbal, pandeirão de bumbo e bloco de pé. Na
nova, Atento aos sinais, quis explorar outro tipo de combinação, com
surdo virado, chimbal flutuante, caixa, surdo e chapa de pé. Enfim, o
importante é se adequar ao espetáculo na forma que ele precisa”, diz.
“Tenho
visto muita gente tocando percuteria, o que acho maravilhoso, pois o
músico brasileiro é muito criativo. Quanto mais gente a estiver tocando,
melhor para a evolução dessa fusão da bateria com a percussão.
Inclusive, os melhores músicos tocando percuteria, na minha opnião, são
os brasileiros. Muitos deles nem moram no Brasil, como o Zé Luis
Nascimento e o Adriano DD. O Marcos Suzano também já faz isso há muito
tempo e há também grandes mestres, como o Trilok Gurtu”, avalia Felipe.
Emprego
Termômetro do interesse em torno desse instrumento singular, aula de
percuteria foi ministrada em abril em São Paulo. O professor foi o
paulistano Bruno Balan, que é percussionista e baterista e,
gradativamente, acoplou peças de percussão à sua bateria. “O motivo era o
desafio da coordenação e fazia isso também pela diversão de ser uma
escola de samba de um homem só”, lembra Bruno. Suas peças preferidas
para formar o set são cajón, djembe, alfaia, talking drum e repique de
mão. “A lista completa nunca acaba. Sempre que ouço algum instrumento
que me agrada, tento incluí-lo em meu set”, diz ele.
Segundo
ele, é importante tocar com “unidade, propriedade e domínio”: “Isso é
que os outros músicos reparam e se eles se sentem bem enquanto você
toca, sempre haverá trabalho. O que não adianta é bater em 19 coisas ao
mesmo tempo sem fluidez, sem harmonia, com o andamento degringolando. A
música não respira, fica sem ginga”. O fato de tocar num set híbrido,
completa, obriga o músico a tocar diferente e isso traz “colorido”
especial à música em que é acrescentado. Juntar instrumentos de técnicas
distintas (e tocados com os pés ou as mãos) pode ser bem complicado,
mas vale a pena, garante.
“Muitos colegas estão empenhados nisso e
obtendo grande êxito. Os cantores e instrumentistas já estão pedindo
sets que sejam de percuteria. A questão da versatilidade ainda é a mais
forte. Em lugares onde não cabe uma bateria por exemplo, se o músico
tocar cajón ele salva o trabalho. A percuteria não está aí para virar
uma tendência única e revolucionária, é somente mais uma opção de fazer
música”, sintetiza Bruno.
quatro perguntas para...
João Parahyba
Baterista e percussionista
Muitos músicos se referem a você como o possível inventor da percuteria. Isso é verdade?
Agradeço
a lembrança de muitos músicos das novas gerações, mas a percuteria faz
parte há muito tempo da história da música. A própria bateria, em
essência, já é uma percuteria, com vários tambores e pratos acoplados na
nossa recente história. Gostaria de lembrar de Hélcio Milito, que nos
anos 1950 já modificara sua bateria com timbas, as quais chamava de
tamba.
Na sua opinião, o que a percuteria tem de especial? Ela traz algo de novo?
A
percuteria é nada mais nada menos que a volta à liberdade de escolha e
de timbres para criar ritmos. Deixamos de pensar como especialistas
presos a instrumentos e formas e nos tornamos genéricos. Ela democratiza
as funções dos que fazem ritmo.
Em geral, a opção dos músicos pela percuteria é mais por estética sonora ou por questão de versatilidade e praticidade?
Acredito
que num primeiro momento a versatilidade e a praticidade foram
importantes, mas hoje em dia, com as ferramentas eletrônicas,
sequencers, DJs e samplers, a tendência é pela estética sonora e procura
de novos timbres.
Como se monta um set de percuteria? Quais são as regras ou dicas?
Regra
número um: estudar todos os instrumentos que o atraírem. Regra número
dois: esqueça as regras, tudo serve para fazer ritmo. Regra número três:
procure montar um set com o maior número de timbres, recursos de som e
possibilidades rítmicas. Regra número quatro e mais importante: toque o
máximo possível de ritmos brasileiros, pois eles darão o molho especial
que você precisará em qualquer situação e em qualquer estilo, pois você é
brasileiro, não se esqueça.
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