terça-feira, 14 de maio de 2013

Tereza Cruvinel - A superfície e o fundo‏

É certo que a fidelidade da coalizão à presidente Dilma vem encolhendo. Mas também é certo que ninguém na base está querendo ir para a oposição. A rebeldia no caso da MP dos Portos é para forçar a presidente a rever seu relacionamento com os aliados 


Tereza Cruvinel

Estado de Minas: 14/05/2013 

É cedo para saber se o que está havendo entre o governo e sua base parlamentar tem relação direta e exclusiva com a MP dos Portos, matéria que envolve enormes interesses econômicos e naturalmente mobiliza os grupos setoriais organizados no Congresso, ou se expressa movimentos de águas mais profundas da política. Os muitos e variados elementos que se misturam na montagem do cabo de guerra em torno da medida, realmente estratégica para o país, impedem uma visão mais nítida. Mas uma coisa é certa: a fidelidade da base governista à presidente vem encolhendo gradualmente e chegou agora a seu ponto mais crítico.

Mas outra coisa também é certa: ali, ninguém está querendo ir para a oposição. O mais provável é que a rebeldia combine a associação entre os interesses econômicos portuários (que acabam se conectando com o financiamento eleitoral) com a oportunidade de dar um grande susto no Planalto, forçando-o a mudar a natureza de seu relacionamento com os partidos aliados. Destacou-se naturalmente a rebeldia do PMDB, por ser o maior deles e por ter como líder um deputado aguerrido como Eduardo Cunha (RJ), que não se dispõe a ser vassalo.

Na tentativa de garantir a aprovação da matéria pela Câmara ontem, no máximo hoje, para que o Senado descasque o abacaxi na undécima hora, o governo acionou todos os tratores e guindastes. Afora apelos e pressões, prometeu uma fortuna em liberação de emendas e certamente algumas nomeações. Mas resta saber também se cedeu apenas para salvar a MP ou se Dilma está disposta a mudar no relacionamento com a coalizão. Ninguém se escandalize: isso significará ser mais generosa na liberação de emenda, num ano que precede as eleições para ela, mas também para os deputados e senadores, e pode significar a ampliação de espaços para os partidos no governo e maior autonomia aos ministros na execução do orçamento e das políticas públicas. Eduardo Cunha afirmou, em entrevista ao jornal Valor Econômico, que teria muito irritado a presidente, que o poder de decisão dos ministros peemedebistas é próximo de zero. Os outros partidos dizem basicamente o mesmo de seus ministros, só que não o declaram abertamente.

Não devemos nos escandalizar porque estes são os ingredientes do que se convencionou chamar de presidencialismo de coalizão. Muito simples: num sistema político com dezenas de partidos, o mais votado dos presidentes dificilmente terá maioria no Congresso, especialmente na Câmara. Para governar, precisa montar uma coalizão e alimentá-la com fatias de poder. Com esse sistema lidaram todos os presidentes pós-transição, não porque gostem do toma lá dá cá, mas porque não há outro caminho, embora alguns ministros do STF estranhem a necessidade do arranjo. Alguns presidentes lideram com maior ou menor habilidade, especialmente Fernando Henrique e Lula. Dilma é mais voluntariosa e muito mais centralizadora e isso está na origem de boa parte de seus conflitos com os aliados. Se pudesse, só nomearia técnicos e não liberaria emendas.

Como sair desse sistema? Com reformas no sistema político, especialmente com o enxugamento do quadro partidário, para começar. Mas quando o Congresso tenta barrar as migrações, impedindo pelo menos que os trocadores de camisa levem junto o tempo de televisão e a fração do fundo partidário, o STF intervém na votação e a gritaria diz que é casuísmo.

Esses são problemas do sistema e habitam a superfíce política. Os governantes não podem escapar deles e os cidadãos devem saber que esse é o jogo. Aparentemente, não há problemas nas águas mais profundas. O governo vai bem e ninguém na base está querendo romper com Dilma.

Um novo estilo

Eduardo Cunha está impondo um novo estilo no relacionamento entre um partido aliado e o governo. Como diz e repete, não se sente obrigado a concordar com tudo que o governo propõe. Nunca houve tal compromisso. Essa cultura, de negociação caso a caso entre aliados e governo, nunca floresceu aqui. Hoje ele se encontra com o vice-presidente Michel Temer, que certamente lhe falará dos humores palacianos com sua atuação.

Ainda esta semana, a Comissão Executiva do PMDB vai se reunir para examinar o pedido de Cunha de que o partido patrocine uma representação contra o deputado Anthony Garotinho (PR-RJ) junto ao Conselho de Ética por conta das acusações que lhe fez na semana passada, de estar patrocinando interesses privados na contenda dos portos. Só os partidos apresentam denúncias ao conselho. Se o PMDB não acolher seu pedido, Cunha representará contra Garotinho junto à Corregedoria.

Abolição

Quem passar pela biblioteca do Senado não pode deixar de entrar para apreciar a belíssima exposição sobre os 125 anos da abolição da escravatura, no que diz respeito às sucessivas legislações, iniciadas em 1831, com o fim do tráfico, para terminar em 1888, com a Lei Áurea. Os autógrafos estão expostos, além das belas imagens de Rugendas e Debret sobre essas trevas. Com todos os seus defeitos, ainda que tangido pela voz das ruas, o Congresso esteve sempre no centro das mudanças. Um dia aprovará a reforma política
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