Vivência no exterior é inerente à
pesquisa e base do Ciência sem Fronteiras, que quer globalizar a
inovação nacional. No entanto, muitos pesquisadores temem voltar e
enfrentar dificuldades
Carolina Cotta
Estado de Minas: 14/05/2013
Aos 38 anos, o
paulista Alysson Muotri é professor de medicina na Universidade da
Califórnia em San Diego. Conseguiu aquilo que muitos brasileiros que
investem em formação no exterior procuram: fazer pesquisa com a melhor
estrutura possível. Estudioso de células-tronco e neurociência, o
pesquisador expatriado convive com pessoas de todo o mundo, inclusive
outros brasileiros. San Diego, “reformulada” para ser um polo de
pesquisa, respira ciência. Muotri saiu do Brasil em 2008 para fazer seu
pós-doutoramento. Segundo ele, não há massa crítica em células-tronco no
Brasil. “É uma área nova. Precisamos gerar mão de obra especializada.”
Mas, em termos de financiamento, acredita que nosso país está melhor que
os Estados Unidos nestse momento. “Entretanto, faltam verbas para
infraestrutura e importação, o que dificulta a pesquisa.” Apesar de
adorar a possibilidade de voltar, ele acha que sua contribuição lá fora é
mais forte. “Mas voltaria se tivesse no Brasil as mesmas condições que
tenho aqui.”
Diogo Magnani, de 30, escolheu a Universidade de
Wisconsin para seu doutorado, sete anos atrás. Atualmente é pesquisador
na Universidade de Miami, onde investiga vacinas para dengue e HIV. São
boas as perspectivas por lá, mas ele considera voltar um dia. “Sinto que
posso contribuir muito com minha experiência para desenvolver a ciência
e biotecnologia brasileira.” A internacionalização é inerente à
pesquisa e base de um dos mais audaciosos programas do governo federal
brasileiro. O Ciência sem Fronteiras, lançado em 2011, quer consolidar,
expandir e globalizar a ciência e a tecnologia, a inovação e a
competitividade nacional. A iniciativa conjunta dos ministérios da
Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Educação (MEC) prevê a
emissão de 101 mil bolsas até 2015. Até agora já foram quase 40 mil
bolsas, a maior parte delas para a graduação no exterior.
Apesar
dos altos investimentos do projeto, os pesquisadores vão e voltam.
Alguns apenas para a visita anual à família. É preciso matar saudade do
boteco, da comida caseira, do calor brasileiro. Diogo Magnani faz
questão. Sente saudades. Mas muitos ficam por lá. A fuga de talentos é
uma realidade. O MCTI não tem dados sistematizados de quantas pessoas
saem e não voltam. Segundo o secretário-executivo da pasta, Luiz Antonio
Rodrigues Elias, o país está aberto e quer construir um programa para
mostrar a esses pesquisadores expatriados a ambiência que o país tem
hoje. “Mas mesmo esses pesquisadores que passam por uma universidade de
excelência no exterior e acabam ficando mantêm rede de colaboração com o
Brasil”, defende Elias.
Caso de Alysson Muotri. Seu laboratório
treinou praticamente toda a primeira geração de pesquisadores em
células-tronco pluripotentes humanas no Brasil. “Formamos mais de 30
pessoas que estão espalhadas pelo país, tentando fazer pesquisa de
ponta. Só conseguimos isso porque meu laboratório tem um vínculo
positivo e parceria com o Brasil”, explica.
Meritocracia
Lucas Pinto, de 29, engrossa o time de cientistas que por enquanto vão
se manter nos Estados Unidos. Ele nasceu lá, durante o doutorado do pai,
mas foi na Universidade Federal de Minas Gerais que iniciou sua
formação. A escolha por um doutorado fora teve vários motivos, entre
eles o fato de acreditar que na sua área, a neurociência, teria uma
formação mais sólida e mais oportunidades.
Terminando o quarto ano
de doutorado na Universidade da Califórnia, em Berkeley, considera o
mecanismo de fomento norte-americano mais meritocrático. “O sistema
brasileiro desfavorece os pesquisadores no começo de carreira. A
distribuição de verbas para pesquisa precisa ser reformulada para ser
mais baseada nos méritos científicos das propostas de financiamento e
menos no nome dos pesquisadores”, sugere.
A mesma crítica vai para
os indicadores de produtividade. Lucas vê com preocupação o fato de no
Brasil o número de artigos publicados ter mais peso que a qualidade e
impacto das publicações. “Para financiamento, os pesquisadores aqui são
forçados a publicar artigos em grande quantidade, o que inevitavelmente
dilui a contribuição de cada trabalho para a ciência. Outra diferença é a
massa crítica de cientistas, muito maior nos EUA. Isso gera maior
colaboração, ventilação de ideias e inserção na comunidade científica, o
que é essencial, dado que a ciência é um esforço comunitário.”
Valores de bolsas são criticados
O doutorado
sanduíche é a segunda modalidade mais atendida pelo Ciência sem
Fronteiras e levou Matheus Pereira Porto, de 30 anos, a uma das
instituições de ensino mais consagradas do mundo: a Universidade da
Califórnia, onde está desde outubro e se dedica a estudar refrigeração e
armazenamento de energia renovável. Doutorando em engenharia mecânica
pela UFMG, se impressiona com o empreendedorismo. “Aqui se tem toda uma
estrutura para fazer pesquisa ganhando dinheiro. Infelizmente, o Brasil
ainda não está preparado para isso.” Ele e colegas veem falhas no
programa, como a falta de plano de saúde para os intercambistas.
Em
pós-doutoramento no Salk Institute for Biological Studies, na
Califórnia, Maximiller Dal-Bianco Costa, de 31, reclama dos valores das
bolsas. “Recebemos abaixo do mínimo exigido por lei para trabalhar
aqui. Somos contratados com funções diferentes da que desempenhamos e
aceitamos por ser uma oportunidade única. Está na hora de parar de
justificar o ‘investimento na carreira’ como forma de pagar pouco. Como é
que um profissional desenvolve experimentos caríssimos e recebe uma
porção ínfima para seu sustento? Está errado”, desabafa Maximiller,
doutor em ciências biológicas pela Universidade de São Paulo.
Pessoalmente,
ele quer voltar para o Brasil – exigência do Ciência sem Fronteiras –,
profissionalmente, não. “A perspectiva aqui é muito melhor. É difícil
pensar em voltar para um lugar com estrutura inferior. No entanto, tem o
investimento colocado em nossas carreiras pelo governo e o retorno que
podemos levar para o nosso país. O modelo do Ciência sem Fronteiras é
perfeito e está funcionando bem. No entanto, é só um pontapé inicial. O
país terá que abrir mercado para abrigar esta nova geração de
cientistas”, diz.
Em 2012, a aluna de farmácia Marina Santos, de
24 anos, estudou na University of Missouri, nos EUA, e fez um estágio na
Amgen, uma das maiores empresas de biotecnologia do mundo. Constatou
que as pesquisas nos Estados Unidos ocorrem de forma mais rápida e
contam com muito mais recursos. “No Brasil o processo de pesquisa ainda é
burocrático e demorado. Se por um lado isso dificulta o desenvolvimento
dos trabalhos, por outro os brasileiros desenvolvem a ‘técnica do
improviso’: saber se virar frente às dificuldades é essencial em um
contexto de inovação. Percebi que os brasileiros têm maior experiência
com relação à pesquisa do que um americano com o mesmo nível de
escolaridade. A questão aqui é onde e como esse trabalho está sendo
empregado”, acredita a bolsista de iniciação científica.
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