terça-feira, 14 de maio de 2013

VIDA DE CIENTISTA » Fuga de talentos é realidade-Carolina Cotta‏

Vivência no exterior é inerente à pesquisa e base do Ciência sem Fronteiras, que quer globalizar a inovação nacional. No entanto, muitos pesquisadores temem voltar e enfrentar dificuldades

Carolina Cotta
Estado de Minas: 14/05/2013 

Aos 38 anos, o paulista Alysson Muotri é professor de medicina na Universidade da Califórnia em San Diego. Conseguiu aquilo que muitos brasileiros que investem em formação no exterior procuram: fazer pesquisa com a melhor estrutura possível. Estudioso de células-tronco e neurociência, o pesquisador expatriado convive com pessoas de todo o mundo, inclusive outros brasileiros. San Diego, “reformulada” para ser um polo de pesquisa, respira ciência. Muotri saiu do Brasil em 2008 para fazer seu pós-doutoramento. Segundo ele, não há massa crítica em células-tronco no Brasil. “É uma área nova. Precisamos gerar mão de obra especializada.” Mas, em termos de financiamento, acredita que nosso país está melhor que os Estados Unidos nestse momento. “Entretanto, faltam verbas para infraestrutura e importação, o que dificulta a pesquisa.” Apesar de adorar a possibilidade de voltar, ele acha que sua contribuição lá fora é mais forte. “Mas voltaria se tivesse no Brasil as mesmas condições que tenho aqui.”

Diogo Magnani, de 30, escolheu a Universidade de Wisconsin para seu doutorado, sete anos atrás. Atualmente é pesquisador na Universidade de Miami, onde investiga vacinas para dengue e HIV. São boas as perspectivas por lá, mas ele considera voltar um dia. “Sinto que posso contribuir muito com minha experiência para desenvolver a ciência e biotecnologia brasileira.” A internacionalização é inerente à pesquisa e base de um dos mais audaciosos programas do governo federal brasileiro. O Ciência sem Fronteiras, lançado em 2011, quer consolidar, expandir e globalizar a ciência e a tecnologia, a inovação e a competitividade nacional. A iniciativa conjunta dos ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Educação (MEC) prevê a emissão de 101 mil bolsas até 2015. Até agora já foram quase 40 mil bolsas, a maior parte delas para a graduação no exterior.

Apesar dos altos investimentos do projeto, os pesquisadores vão e voltam. Alguns apenas para a visita anual à família. É preciso matar saudade do boteco, da comida caseira, do calor brasileiro. Diogo Magnani faz questão. Sente saudades. Mas muitos ficam por lá. A fuga de talentos é uma realidade. O MCTI não tem dados sistematizados de quantas pessoas saem e não voltam. Segundo o secretário-executivo da pasta, Luiz Antonio Rodrigues Elias, o país está aberto e quer construir um programa para mostrar a esses pesquisadores expatriados a ambiência que o país tem hoje. “Mas mesmo esses pesquisadores que passam por uma universidade de excelência no exterior e acabam ficando mantêm rede de colaboração com o Brasil”, defende Elias.
Caso de Alysson Muotri. Seu laboratório treinou praticamente toda a primeira geração de pesquisadores em células-tronco pluripotentes humanas no Brasil. “Formamos mais de 30 pessoas que estão espalhadas pelo país, tentando fazer pesquisa de ponta. Só conseguimos isso porque meu laboratório tem um vínculo positivo e parceria com o Brasil”, explica.

Meritocracia Lucas Pinto, de 29, engrossa o time de cientistas que por enquanto vão se manter nos Estados Unidos. Ele nasceu lá, durante o doutorado do pai, mas foi na Universidade Federal de Minas Gerais que iniciou sua formação. A escolha por um doutorado fora teve vários motivos, entre eles o fato de acreditar que na sua área, a neurociência, teria uma formação mais sólida e mais oportunidades.

Terminando o quarto ano de doutorado na Universidade da Califórnia, em Berkeley, considera o mecanismo de fomento norte-americano mais meritocrático. “O sistema brasileiro desfavorece os pesquisadores no começo de carreira. A distribuição de verbas para pesquisa precisa ser reformulada para ser mais baseada nos méritos científicos das propostas de financiamento e menos no nome dos pesquisadores”, sugere.

A mesma crítica vai para os indicadores de produtividade. Lucas vê com preocupação o fato de no Brasil o número de artigos publicados ter mais peso que a qualidade e impacto das publicações. “Para financiamento, os pesquisadores aqui são forçados a publicar artigos em grande quantidade, o que inevitavelmente dilui a contribuição de cada trabalho para a ciência. Outra diferença é a massa crítica de cientistas, muito maior nos EUA. Isso gera maior colaboração, ventilação de ideias e inserção na comunidade científica, o que é essencial, dado que a ciência é um esforço comunitário.”

Valores de bolsas são criticados


O doutorado sanduíche é a segunda modalidade mais atendida pelo Ciência sem Fronteiras e levou Matheus Pereira Porto, de 30 anos, a uma das instituições de ensino mais consagradas do mundo: a Universidade da Califórnia, onde está desde outubro e se dedica a estudar refrigeração e armazenamento de energia renovável. Doutorando em engenharia mecânica pela UFMG, se impressiona com o empreendedorismo. “Aqui se tem toda uma estrutura para fazer pesquisa ganhando dinheiro. Infelizmente, o Brasil ainda não está preparado para isso.” Ele e colegas veem falhas no programa, como a falta de plano de saúde para os intercambistas.

Em pós-doutoramento no Salk Institute for Biological Studies, na Califórnia, Maximiller Dal-Bianco  Costa, de 31, reclama dos valores das bolsas. “Recebemos abaixo do mínimo exigido por lei para trabalhar aqui. Somos contratados com funções diferentes da que desempenhamos e aceitamos por ser uma oportunidade única. Está na hora de parar de justificar o ‘investimento na carreira’ como forma de pagar pouco. Como é que um profissional desenvolve experimentos caríssimos e recebe uma porção ínfima para seu sustento? Está errado”, desabafa Maximiller, doutor em ciências biológicas pela Universidade de São Paulo.

Pessoalmente, ele quer voltar para o Brasil – exigência do Ciência sem Fronteiras –, profissionalmente, não. “A perspectiva aqui é muito melhor. É difícil pensar em voltar para um lugar com estrutura inferior. No entanto, tem o investimento colocado em nossas carreiras pelo governo e o retorno que podemos levar para o nosso país. O modelo do Ciência sem Fronteiras é perfeito e está funcionando bem. No entanto, é só um pontapé inicial. O país terá que abrir mercado para abrigar esta nova geração de cientistas”, diz.

Em 2012, a aluna de farmácia Marina Santos, de 24 anos, estudou na University of Missouri, nos EUA, e fez um estágio na Amgen, uma das maiores empresas de biotecnologia do mundo. Constatou que as pesquisas nos Estados Unidos ocorrem de forma mais rápida e contam com muito mais recursos. “No Brasil o processo de pesquisa ainda é burocrático e demorado. Se por um lado isso dificulta o desenvolvimento dos trabalhos, por outro os brasileiros desenvolvem a ‘técnica do improviso’: saber se virar frente às dificuldades é essencial em um contexto de inovação. Percebi que os brasileiros têm maior experiência com relação à pesquisa do que um americano com o mesmo nível de escolaridade. A questão aqui é onde e como esse trabalho está sendo empregado”, acredita a bolsista de iniciação científica.

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