A rua vence a escola
Foi-se o tempo, provavelmente, em que era costume falar da escola e da rua como lugares opostos, destinos capazes de definir de modo desejável ou dramático o futuro da criança ou do adolescente.A rua, nesse sentido, invadiu a escola: esta é a conclusão sugerida nos resultados de pesquisa encomendada pelo sindicato dos professores do Estado de São Paulo.
Ouvidos 1.400 professores, de um total de 230 mil, relata o instituto Datapopular que 44% já sofreram algum tipo de agressão (física ou não) nas escolas da rede pública. Mais da metade diz ter presenciado situações de vandalismo.
Uma assustadora maioria (84%) conta ter sabido de casos de agressão. O consumo de drogas seria o motivo desse comportamento, segundo 42% dos entrevistados.
Conhecem-se, pelo noticiário, episódios isolados de violência grave contra professores. O acontecimento pontual se traduz em rotina, todavia, a julgar pela pesquisa. Alunos e professores parecem correr mais risco dentro da escola do que se ficassem em casa.
A violência e as drogas perpassam toda a sociedade, sem dúvida, mas ressaltam no caso da escola os sintomas da impunidade. Por medo ou benevolência, autoridades tendem a ver nas infrações contumazes de adolescentes algo a combater sem maior firmeza.
O coordenador de Proteção Escolar da Secretaria da Educação, Felippe Angeli, declara seu interesse em atuar com as forças da ordem para coibir a ação do tráfico nas escolas. Assegura, ainda, que professores da rede estadual fazem cursos de capacitação para mediar conflitos e incentivar discussão e abordagens inovadoras.
Os professores estaduais, se for para contar todas as vezes que se fala em "capacitação", mal teriam tempo de se dedicar à sua atividade primordial, que é a de dar aulas.
Natural que nem sempre as deem. O absenteísmo dos docentes, ainda que reprimido em boa hora pelo governo do Estado, pode tornar-se em muitas situações nada mais do que uma válvula de escape --ou, em casos extremos, de resguardo da própria integridade.
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Portos e porteiras
Responsabilizado por impasse na votação da MP portuária, líder do PMDB na Câmara expõe sem pudor desagrado com o Planalto
Em meio a conflitos entre o governo federal e sua base de sustentação no Congresso --a qual, mais uma vez, nega o próprio nome ao dificultar a aprovação da medida provisória dos portos--, o líder do PMDB na Câmara, deputado Eduardo Cunha (RJ), saiu-se com uma frase curiosa."O governo precisa entender que a PEC das Domésticas já foi aprovada. Chega de trabalho escravo", disse Cunha ao jornal "Valor Econômico" para justificar as insubordinações de seu partido.
As frases até poderiam fazer sentido em outro contexto. Mas não se tem notícia de que o PMDB trabalhe sem remuneração. Bem ao contrário, tem sido regiamente compensado pelo governo federal --e cruza os braços, ou trabalha contra ele, a cada decisão importante.
Não é bem assim, argumenta o peemedebista. Cunha exibe abertamente seu desgosto com a partilha dos cargos ministeriais promovida pela presidente Dilma Rousseff.
O PMDB não exerce influência, declara, no Ministério das Minas e Energia. "Tem apenas o cargo de ministro." O mesmo aconteceria na Secretaria de Aviação Civil, onde o peemedebista Moreira Franco só fez o sacrifício, por assim dizer, de assumir o posto. "Em nenhum ministério o PMDB tem poder."
Explicita-se, enfim, uma reivindicação mais desabrida: ou um ministério é entregue inteiro, no sistema de "porteiras fechadas", ou nada feito. Se se trata de um recado (e do que poderia tratar-se, se não disso?), é forçoso reconhecer que Cunha o embalou com habilidade.
Sua entrevista tem duas partes claramente distintas. Na primeira, o peemedebista expõe vários argumentos técnicos para justificar a resistência de seu partido à medida provisória dos portos.
Qualquer mudança num marco regulatório, diz o líder, interfere em interesses econômicos; há beneficiados e prejudicados. No caso dos portos, quatro terminais recém-instalados, com o compromisso de transportar apenas carga própria, passariam a ter a vantagem de transportar também carga de terceiros --sem passar, lastima Cunha, pela licitação de praxe.
A MP favoreceria, portanto, alguns grupos econômicos. "Mas eu não estou contestando isso", acrescenta, de forma algo surpreendente, o líder peemedebista. Sua crítica se faz em tese: não se deve ao mesmo tempo "beneficiar um e fazer a ruptura para os outros".
Volta-se, de certa forma, ao ponto de partida: toda mudança de regras naturalmente altera a situação para os que irão, no futuro, submeter-se a elas. Seja qual for a solução técnica para o problema, a entrevista de Cunha assume outro rumo, mais simples, a partir daí.
A nova regra dos portos deverá voltar à pauta da Câmara hoje e precisa ser votada até quinta-feira no Senado. Se aprovada, ou não, terá sido menos em função de argumentos e interesses daquele tipo do que de outra regra --a das porteiras, que o PMDB quer fechadas nos ministérios de sua cota.
A presidente resiste a tanto, mas para isso só conta com o apoio da opinião pública --da qual se distancia não só o PMDB, mas toda a base parlamentar do Planalto, assim que as urnas se fecham.
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