Escritora se firma entre os ficcionistas de maior reconhecimento no país e no mercado internacional
Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 29/06/2013
Carioca atualmente vivendo nos Estados Unidos,
onde vem dando prosseguimento a uma carreira literária que já lhe rendeu
prêmios importantes, como o José Saramago, pelo romance Sinfonia em
branco, e o Moinho Santista, pelo conjunto de obra, Adriana Lisboa acaba
de lançar um novo romance, Hanói, com o qual se firma como uma das
autoras mais reconhecidas da literatura brasileira atual. Autora também
de uma coletânea de contos e de quatro livros infantojuvenis, neste novo
romance Adriana conta, numa linguagem envolvente e objetiva, a história
de Alex e David, dois jovens de lugares e culturas diferentes: ela de
origem vietnamita, “sem nunca ter ido a Hanói”, trabalhava como caixa
num supermercado de produtos asiáticos; ele, filho de mãe mexicana com
pai brasileiro, da região de Governador Valadares, se virava como
trompetista, além de lutar contra uma doença grave. Nessas
circunstâncias, quis o destino que se encontrassem em Chicago, uma das
maiores cidades dos EUA.Graduada em música, com pós-graduação em
literatura, Adriana Lisboa, cujos livros já estão traduzidos em 12
países, para criar os personagens David e Alex, em torno dos quais gira o
romance, de certa forma baseou-se em alguns fatos reais presenciados
por ela quando trabalhava nos Estados Unidos como voluntária em serviço
de orientação a imigrantes. “A minha missão era ajudar os recém-chegados
na aclimatação ao novo país e à nova cultura”, conta a romancista, em
entrevista ao Pensar.
Percebe-se em Hanói que você
fez uma literatura urbana, sem fronteiras, focada apenas no ser humano.
Você acha que essa é a tendência da literatura contemporânea?
Acho
que pode ser uma tendência, mas não é um compromisso. Penso no
belíssimo romance A restauração das horas, de Paul Harding, que ganhou o
Prêmio Pulitzer em 2010, e que é o contrário disso, entre vários outros
exemplos. No meu caso, com Hanói quis deliberadamente escrever um
romance onde o local não importasse tanto e nas primeiras versões do
livro a cidade de Chicago (onde a narrativa se desenrola) não era nem
mesmo nomeada. Isso porque queria que o foco, em termos de localidade
geográfica, se mantivesse na cidade de Hanói. Então, no caso do meu
romance, essa opção está intimamente relacionada com a própria concepção
do livro.
Como foi criar personagens tão reais e comoventes como Alex e David? Partiu de alguma realidade?
Uma
foto me inspirou David: alguém que se desfizera de quase tudo o que
tinha, esvaziara o apartamento, acho que para partir para um lugar
distante (não me lembro exatamente quais as circunstâncias). Essa pessoa
tirou uma foto da mochila num canto do apartamento vazio e escreveu:
“Tudo o que tenho atualmente no mundo”. Alex veio por outro caminho:
durante um ano trabalhei com refugiados, como voluntária, nos Estados
Unidos. Meu trabalho era orientar os recém-chegados na aclimatação ao
novo país e à nova cultura. Isso acabou se desdobrando numa pesquisa
sobre os refugiados vietnamitas depois da guerra, de onde surgiu a
personagem Alex.
Até onde viver nos Estados Unidos tem influenciado na sua literatura? O que você tem feito além de escrever?
Além
do trabalho com os refugiados, também trabalhei como tradutora até
recentemente, e o convívio diário com os dois idiomas tornava essa
tarefa quase que uma obviedade na minha vida. Acho que a leitura da
prosa e da poesia contemporâneas americanas tem tido consequências
inegáveis sobre aquilo que escrevo, sobre minha própria sintaxe. Percebo
que meu texto está mais direto, mais simples, mais objetivo,
características que venho tentando cultivar conscientemente. Atualmente
me dedico fundamentalmente à escrita e sou uma estudiosa da filosofia
budista. São essas as duas coisas de que tenho me ocupado.
A sua formação musical influencia na sua maneira de escrever? Literatura e música se casam?
Influencia
muito. Acho que literatura e música se casam sempre quando escrevo, e
em Hanói decidi – pela primeira vez – criar um personagem que é músico.
Além disso, num nível mais estrutural, o ritmo e a sonoridade do texto
são muito importantes para mim, e acho que isso também se costura
através da leitura e da escrita de poesia. Hoje em dia, posso mesmo
dizer que tenho lido mais poesia do que ficção.
Você já
conseguiu romper as fronteiras brasileiras e está publicada em vários
países. Como você vê a aceitação da literatura brasileira no exterior?
As portas estão se abrindo?
Não sou muito otimista. Ainda
somos periferia, culturalmente ao menos, e os editores e leitores fora
do Brasil ainda querem encontrar, nos livros de autores brasileiros,
algo do Brasil. É como se não estivéssemos autorizados a falar sobre
outro assunto que não a nossa brasilidade, e o leitor quer terminar a
leitura tendo aprendido alguma coisa sobre o país. Isso é cruel e limita
muito. As bolsas de tradução da Biblioteca Nacional, se têm alavancado
publicações, não garantem a qualidade das traduções/edições, nem que
esses livros venham a chegar satisfatoriamente ao leitor. Mas claro que é
um primeiro e importantíssimo passo. Um outro problema que me preocupa
um pouco é o excesso de importância dado à figura do autor, que acaba
mais relevante do que sua obra. Perigamos sair da arena da literatura e
ingressar na arena do circo.
Algum projeto em andamento? Ou “entre um amor e outro”, como dizia Drummond, é preciso mesmo um intervalo?
Não
tenho nenhum projeto ficcional em andamento. Mas estou trabalhando,
pela primeira vez com a seriedade de quem pensa em publicar um livro,
com os meus poemas mais recentes. Escrevo versos há mais de 30 anos, mas
nunca publiquei um livro de poesia. Pode ser que em breve tome coragem e
faça isso. Tem sido fundamental o incentivo de duas grandes amigas e
poetas que admiro muito, Mariana Ianelli e Claudia Roquette-Pinto.
Trecho do romance
“David
tinha lido numa revista, muitos anos antes, que os elefantes abandonam
sua manada ao sentir que a morte está próxima e vão sozinhos procurar um
lugar onde não seja difícil encontrar água e abrigo. Os dentes se
fragilizam, perdem a eficiência de outras épocas da vida, e os animais
vão buscar áreas pantanosas, por exemplo, onde encontram o alimento já
amolecido. Parecia ter sido essa a origem do mito do cemitério de
elefantes. Só uma coincidência geográfica causada pelas dificuldades da
última fase da vida. E era ali que os animais viam seu último dia e
davam seu último suspiro, naquele colosso de corpo que antes parecia
quase indestrutível. Elefantes não deveriam morrer, não é verdade?
Elefantes deveriam viver para sempre. Mas morriam, e sobravam como
carcaça, depois ossos, depois o que quer que ficasse dos ossos.
Vestígios. Pequenas marcas no chão. Terminada a consulta, ele apertou
com sua mão fria a mão morna e segura do médico. Acompanhou a enfermeira
e foi dar conta de todas as formalidades que continuavam existindo, a
mesma teia de ordem, o mesmo seguir adiante. Havia papéis a assinar,
breves agradecimentos a fazer com sorrisos que não eram sorrisos, eram
só contrações dos músculos do rosto.”
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