sábado, 29 de junho de 2013

Em meio a protestos, Flip, principal festa literária do país, ganha ares de fórum político

folha de são paulo
PAULO WERNECK
DE SÃO PAULO
RAQUEL COZER
COLUNISTA DA FOLHA

A política promete ser a vedete da 11ª Festa Literária Internacional de Paraty, que começa na próxima quarta.
A politização já estava na pauta do curador da Flip, Miguel Conde, bem antes do início da onda de manifestações pelo Brasil, dando à festa literária ares de fórum de discussão dos rumos do país.
"Neste ano, há, sim, inflexão política, tanto pelos temas das mesas quanto pelo perfil dos convidados", diz Conde. O anúncio, anteontem, de três mesas extra, sobre os protestos país afora, só reforçou essa inflexão.
Editoria de Arte/Folhapress
E a programação dá ênfase ao pensamento de esquerda, o que transparece já na escolha de Graciliano Ramos (1892-1953), crítico de mazelas sociais em "Vidas Secas" (1938) e outras obras, como homenageado desta edição.
Entre os convidados, estão o crítico de arte T.J. Clark, autor de "Por uma Esquerda sem Futuro" (ed. 34), Gilberto Gil, ex-ministro no governo Lula, o cineasta Eduardo Coutinho, diretor de "Cabra Marcado para Morrer" (1985), e o palestino Tamim Al-Barghouti, "o poeta da Primavera Árabe".
Voz dissonante, o francês Michel Houellebecq, tachado de direitista em seu país, desistiu de última hora.
Casa Folha na Flip debate literatura e jornalismo
Dois espaços em Paraty terão palestras com escritores e colunistas do jornal
Ruy Castro, Laerte, Zeca Camargo e o norueguês Karl Ove Knausgård são alguns dos nomes que participam dos eventos
DE SÃO PAULOFolha vai promover durante a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), de 3 a 7 de julho, uma série de debates, lançamentos de livros e uma exposição.
Nesta edição do evento, a Casa Folha vai ocupar dois imóveis em Paraty. Um na rua da Matriz, s/nº, e outro na rua do Comércio, nº 8, ambos no centro histórico da cidade.
É a terceira vez que o jornal terá um espaço com programação diária na festa literária. A Folha é parceira oficial de mídia da Flip.
Também haverá distribuição de edições do jornal em diversos pontos da cidade, como ocorre desde 2010.
A programação da Casa Folha é gratuita e traz conversas com colunistas, repórteres e cartunistas do jornal, além de convidados. O apresentador Zeca Camargo, é um dos convidados dos eventos.
Na primeira mesa, às 10h do dia 4/7 (quinta), Ana Estela de Sousa Pinto, editora de "Mercado", comenta seu livro "Folha Explica a Folha" (ed. Publifolha; R$ 29,90; 232 págs.), que retrata a trajetória do jornal, do início do século 20 até os dias atuais.
A programação inclui os colunistas da Folha Ruy Castro, Ferreira Gullar e Luiz Felipe Pondé e o cartunista Laerte, entre outros (veja quadro).
A Casa Folha também vai promover palestra com um convidado internacional da programação principal da Flip. O norueguês Karl Ove Knausgård irá tratar de "A Morte do Pai" (Companhia das Letras; R$ 49,50; 512 págs.), primeiro romance de sua série autobiográfica.
Dois livros lançados pelo selo Três Estrelas, do Grupo Folha, terão sessão de lançamento após os debates.
No dia 5/7, a jornalista Silvia Bittencourt vai autografar "A Cozinha Venenosa - Um Jornal Contra Hitler" (R$ 49,90; 374 págs.). O trabalho narra a trajetória de um pequeno jornal alemão, o "Münchener Post", que combateu o nazismo durante os anos 1920 e 1930.
Em 6/7, o professor de filosofia da Unicamp Oswaldo Giacoia Jr. autografa "Heidegger Urgente - Introdução a um Novo Pensar" (R$ 29,90; 144 págs.). O trabalho se propõe a apresentar o filósofo (1889-1976) ao público leigo e a discutir suas ideias.
Folha também promoverá, nas duas casas, exposição com imagens de reportagens sobre literatura brasileira. Na casa 2, o artista plástico Renato Koledic fará caricaturas do público que visitar o local.
    FLIP 2013
    Autores de esquerda dominam a festa inspirada por Graciliano
    Curador vê poucos expoentes liberais; falta coragem para chamar quem diverge, dizem editores
    Em outras edições, representantes do pensamento mais conservador apimentaram o debate
    DE SÃO PAULODA COLUNISTA DA FOLHASe não faltaram debates políticos em edições anteriores da Flip, em 2013 eles ganham o primeiro plano.
    Por diferentes motivos: os protestos pelo país; o perfil militante do homenageado, Graciliano Ramos; a presença maciça de nomes relevantes da esquerda nacional e internacional, como o diretor de cinema Eduardo Coutinho e o crítico britânico T.J. Clark.
    Mesmo debates aparentemente neutros têm, para o curador Miguel Conde, a política como motor. É o caso da mesa com os romancistas José Luiz Passos e Paulo Scott.
    "Foi uma tentativa de pensar dois modelos possíveis de uma literatura que se queira política hoje. Em Scott, há uma tematização direta, uma reavaliação de certas causas [políticas] pós-chegada do PT ao poder. Passos também faz isso, de modo menos direto".
    Das 21 discussões da programação principal, apenas sete não têm a política como eixo nem pelo menos um integrante cuja vida ou obra não estejam ligadas à militância, particularmente de esquerda.
    Autores de perfil conservador ou de centro estão ausentes. Em outras edições, nomes francamente conservadores, como o jornalista Christopher Hitchens, ou de centro, como o crítico Sergio Paulo Rouanet e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, fizeram contrapontos ao predomínio de esquerda da Flip.
    Foi assim em 2006, quando o britânico Hitchens e o romancista americano Jonathan Safran Foer recusaram-se a aderir a um abaixo-assinado, endossado por diversos convidados, contra bombardeios de Israel no Líbano. Hitchens ainda chamou Fernando Gabeira de "terrorista".
    Dois anos depois, o poeta Ferreira Gullar cunhou uma das aspas mais citadas da história da Flip -"Não quero ter razão, quero ser feliz"-ao divergir do palestino Mourid Barghouti numa discussão sobre o exílio político.
    Neste ano, o economista André Lara Resende, que estará em uma das mesas sobre as manifestações, na programação paralela, será uma voz solitária no campo liberal -uma exceção entre os nove nomes confirmados para esses debates, como Vladimir Safatle, autor de "A Esquerda que não Teme Dizer seu Nome" (Três Estrelas).
    Também no "programa B", o roqueiro Lobão deve ser uma voz antiesquerda, embora sua mesa seja sobre MPB.
    "Não acho que escritores associados à direita sejam numerosos", diz Conde. "Tenho até dificuldade em pensar em nomes. O [escritor peruano Mario] Vargas Llosa tem posição mais liberal. Nós o chamamos, mas ele não pôde vir."
    PEÇA RARA
    Para o sociólogo Sergio Miceli, que será um dos debatedores da "ficha política" de Graciliano e publicou estudos sobre as relações políticas na intelectualidade brasileira, bons pensadores à direita são peça rara no país.
    "Há conservadores com trabalhos importantes, como José Guilherme Merquior [1941-91], Mario Faustino [1930-62]", diz. E espeta: "Hoje, muitos falam sobre tudo, mas não se aprofundam em nada. Têm um amplo espectro, como remédio para resfriado".
    Na quarta passagem pela festa, o escritor Milton Hatoum -que se diz de esquerda, sem envolvimento partidário-, fará a conferência de abertura sobre Graciliano.
    "A maioria dos escritores no Brasil é de esquerda", diz. "Acho que tem a ver com as contradições sociais do país."
    O escritor também diz achar difícil mencionar nomes relevantes de perfil conservador. "De escritor importante no Brasil, não me lembro de nenhum de direita. Diziam que Nelson [Rodrigues] era, mas discordo. Era provocador, irônico, e na ditadura lutou para libertar presos."
    Para Carlos Andreazza, editor de não ficção da Record -casa que detém a obra de Graciliano-, "não faltam autores conservadores. Falta coragem para convidá-los".
    "Não tenho dúvida de que a Flip sempre foi de esquerda. É legítimo, aliás. A discussão, no entanto, fica incompleta. Se quisessem abrir espaço ao contraditório, não faltariam opções", diz Andreazza, citando, entre elas, o filósofo Olavo de Carvalho.
    Carvalho também é citado por José Mario Pereira como "flipável", ao lado do economista e ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco.
    O editor da Topbooks vê "má vontade" no meio intelectual com os conservadores de seu catálogo: "Quando querem ser simpáticos, chamam de 'liberal'".
    O dissenso, para Conde, não sairá prejudicado. "Todas as Flips tiveram predomínio de autores considerados mais ou menos de esquerda. É uma caracterização ampla, que abriga posições diferentes e às vezes conflitantes."
    O curador, em sua segunda Flip, diz não haver "exclusão deliberada" do pensamento conservador. "Naturalmente, convidei autores dos quais me sinto mais próximo ou que abordam as questões de maneira inteligente."
      OPINIÃO
      Encontro literário adota visão jeca ao ignorar língua hispânica
      SYLVIA COLOMBODE BUENOS AIRES
      Na última edição da Feira Internacional do Livro de Guadalajara (México), em novembro passado, o escritor carioca Bernardo Carvalho folheava a imensa programação do maior encontro de literatura hispânica do mundo e dizia: "Não conheço ninguém!".
      Carvalho está longe de ser um não-leitor e sua erudição e talento são mais do que reconhecidos. O que o episódio demonstra é uma realidade concreta: o Brasil está a léguas de distância de entender, interessar-se e familiarizar-se com a produção literária de língua hispânica.
      Mais um exemplo disso virá à tona no próximo dia 3, quando terá início mais uma Flip. A badalada festa, que reúne, além de escritores, editores, intelectuais, pseudointelectuais, jornalistas e afins, abrirá suas portas neste ano sem ter em sua programação nem ao menos um representante de um idioma falado por 500 milhões de pessoas no mundo todo.
      A festa, que em anos anteriores recebeu nomes como o argentino Cesar Aira, o colombiano Fernando Vallejo, o espanhol Vila-Matas, o chileno Alejandro Zambra, neste ficará sem ouvir o idioma de Macondo e Santa María -cidades imaginárias criadas por Gabriel García Márquez e Juan Carlos Onetti.
      A organização certamente argumentará questões logísticas, sem admitir um desinteresse ou intencionalidade.
      O fato é que ficam evidentes a falta de canais, conhecimento, interesse e um excesso de arrogância em relação à qualidade que pode ter a produção de países vizinhos.
      Na cultura brasileira, ainda prevalece a visão jeca de que o que é bom é imitação do que é feito nos EUA e na Europa. A Flip vinha sendo exceção com relação a essa postura. Em 2013, infelizmente, se enquadrará no lugar-comum.
      Além de dois Nobel de literatura vivos (Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa) e de nomes como Miguel de Cervantes e Jorge Luis Borges, o espanhol movimenta hoje um mercado singular.
      Nele, cabem tanto seguidores do cânone dos anos 1970 como questionadores dessa tradição (escolas Macondo e Crack). Há ainda toda uma geração inspirada no chileno Roberto Bolaño, que questiona formatos e promove uma prosa inventiva, e um grupo de novos cronistas, que mescla ficção e jornalismo e dá novas cores a antigas lutas sociais.
      É preciso levar em conta, ainda, a literatura hispânica produzida nos EUA, por nomes como o premiado dominicano Junot Díaz.

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