Manifestações políticas da juventude
exprimem sensação de orfandade simbólica de uma geração que não se sente
representada pela política tradicional e busca inventar novas formas de
expressão
Inez Lemos
Estado de Minas: 29/06/2013
Se
o pai foge à responsabilidade, se não cumpre bem a função paterna, como
a de garantir saúde e profissão ao filho, se não o respeita, um dia o
filho cobrará caro desse pai. Se a nação é a casa, a morada do povo, os
governantes representam os pais, os que têm o dever de amparar os
filhos, prepará-los para enfrentar o mundo. Contudo, quando o povo se vê
desamparado, excluído de seus projetos, ele se desespera. E sem
esperança, se revolta. Há muito vivemos por um fio, dependurados na
corda da crença por um amanhã melhor. A Ficha Limpa não passou de
promessa. No Congresso mais caro do mundo, a maioria constitui uma
máfia, cujo trabalho é convencer seus pares a votar em interesses
próprios. Os homens de ternos pretos que sucateiam o país em troca de
poder, vaidade e muita grana. Sempre para eles, enquanto o povo rala
dependurado em ônibus e metrôs como gado.
Toda relação social é
determinada por um discurso e o discurso que permeia o debate sobre a
violência, na sociedade de mercado, aponta para o vazio, a falta de
sentido e, portanto, de perspectiva. Como enfrentar o problema atacando
apenas suas manifestações? Propostas de combater a violência com carros
blindados, polícia e cerca elétrica deflagram o quanto a sociedade não
está interessada em desvelar a questão até as raízes. Se ninguém nasce
violento, é de se perguntar: em que medida o Brasil produz o
delinquente, o vândalo – monstro que espalha terror?. Como evitar que
eles se reproduzam? Sabemos que a questão é complexa e começa dentro das
casas, nas famílias, e esbarra nas políticas públicas, instituições de
ensino, mídia. Arranha todos nós, deixando de ser apenas uma questão de
segurança pública, para ser uma questão subjetiva – diz das formas de
subjetivação social, pois educar um filho é função social.
Todo
país, como toda família, deve se sustentar em parâmetros filosóficos e
sociológicos, os quais nortearão os rumos a seguir. Uma sociedade que
prima pela competição, pelo desejo do ganho fácil, que prega a inveja e
não a solidariedade, o que esperar de seus cidadãos? Prevenir – ver
antes, agir por antecipação. Ao nos prevenir contra a violência, o
melhor é ouvir os anseios do filho e considerar as demandas com
seriedade. O cenário mostra crianças nas periferias que crescem sem
perspectiva, convivendo com a polícia, que, muitas vezes, agride e mata
mais que protege. Quais as chances de esse garoto se tornar um
criminoso? É quando ele olhará o outro, o bem-nascido, com fúria, inveja
e desejo de extermínio, uma vez que não recebeu carinho, tampouco um
olhar de respeito e reconhecimento. Apenas lhe apontaram o lugar de
negativo social. O que norteia o impulso agressivo é a identificação com
um ódio pela criança que ele foi, uma infância de dor e sofrimento,
exclusão e violência. Portanto, o outro, o que lhe confere ódio, deverá
sofrer ainda mais, e nele descarregará toda a revolta pela injustiça
social. Portanto, se realmente estamos interessados num Brasil melhor,
devemos repensar nossa participação na sociedade – nosso compromisso por
uma cidade melhor, uma família melhor.
Muitos dos jovens
violentos são movidos a inveja, cujo conceito revela a forma como nos
vemos no outro – olhamos o outro que nos incomoda. É quando desejamos
ocupar o lugar desse outro e, não conseguindo, orientamos a ação no
sentido de privá-lo daquele objeto ou lugar de privilegiado que ocupa. A
inveja deflagra significantes como: compre, venha, participe, assine!.
Todos são convocados a comprar a felicidade, um lugar de prestígio. E
aos excluídos do banquete, o cacete! O revoltado, o desamparado, busca,
muitas vezes, uma oportunidade de revanche contra a violência da qual
foi vítima. Nunca combateremos a violência com cinismo e hipocrisia,
fingindo que essa conta não é de todos nós. Os sofistas vão dizer que
cabe apenas aos políticos, esquecendo-se que esses apenas legitimam
interesses,o e se fazem malfeito, cabe a nós cobrar e protestar, como
os jovens nesse momento. Nada mudará se nós não mudarmos, não
repensarmos valores e práticas sociais. Será que realmente estamos
dispostos a nos implicar em outras posturas, novos paradigmas? Como
iniciar uma mudança de cultura, implementando micropolíticas – políticas
de subjetivação? Como contribuir na formação de um novo sujeito, um
novo brasileiro: humano, solidário, gentil, atuante e interessado nos
conflitos individuais e sociais?
Todos devem se implicar. Os
empresários – muitos podem devolver à cidade parte dos lucros aviltantes
em forma de cultura, arte, fundações. As montadoras de carro podem
contribuir com a qualidade do transporte público – chega de tanto lucrar
no Brasil, país onde o carro é o mais caro do mundo. Como o oligopólio
do transporte coletivo, que há anos enriquece e pouco devolve à
população – nunca o olhar chega ao usuário. E as famílias se comportando
melhor no trânsito – fila dupla nas escolas, até quando?. Seria muito
sugerir que estacionem o carro e levem o filho até lá? Ética e cidadania
ensinam-se com mais leitura e menos TV. O Brasil é um dos países onde
menos se lê no mundo. Somente esticando o olhar à nossa volta, somente
mudando o foco, posturas e paradigmas conseguiremos um país mais
agradável para se viver. Sejamos realistas, exijamos o possível! É o
Brasil no divã por um futuro melhor.
Erotismo e política O
erotismo ganhou as ruas. Eros evoca paixão, fervor – garra em defender
um país, uma causa. É o que presenciamos quando a geração Facebook, que
fingia apodrecer diante da web, resolve dar lição de cidadania. Num só
grito, rompe com o biopoder, quando confinava desejos e sonhos em
apartamentos – espremendo utopia, esperança e coragem. Sim, eles estão
lutando por muito mais que smartphone e iPad. Os significantes que
emergem das ruas são: compromisso e respeito com o público. Não brinquem
com o sentimento do povo, há algo no ser humano que não pode ser
violado e que se chama dignidade. Não se fere com balas de borracha e
bombas de gás lacrimogêneo o coração que pulsa na cidade. O país, ferido
em seu narcisismo, sangra e exige perdão. Perdoar em política é assumir
erros, rever prioridades. Aos políticos, cabe repensar suas práticas,
pois a vida sem Eros é abismo, osso duro de roer. Sem o erotismo da
juventude, o país brocha. Exigir reconhecimento é erótico, é desejar
festa. Eros sabe apreciar a vida, gosta de bons vinhos, é amigo de Baco.
A cidadania metaforizada nos 20 centavos ultrapassa a
escuridão, abre clareira e aponta rumos. A rua foi ocupada e nela
registraram o recado – não desejamos o que vocês querem que desejemos.
Há de haver o dia em que o filho terá um lugar no desejo dos pais.
Gostamos de Copa, mas deveríamos definir prioridades, como saneamento
básico, escolas profissionalizantes de qualidade, hospitais,
planejamento familiar para as mulheres de baixa renda, políticas de
fixação do homem no campo, visando desafogar as metrópoles. Governar é
saber priorizar.
Onde a bandidagem é maior no país? O povo foi
violentado e desrespeitado por aqueles que o deveriam proteger, amparar.
Somos órfãos de pais vivos – políticos irresponsáveis,
descompromissados e corruptos. Lutemos por um Congresso sério, políticos
que trabalham por amor à pátria e não apenas para defender seus feudos e
altos salários. Onde buscar um discurso que sustenta uma moral de
princípios? Em Kant? Onde buscar forças para acreditar que a lógica
perversa e cínica dos sofistas não irá prevalecer ao sofrimento dos
desvalidos, aos protestos dos desamparados? O cinismo é a caricatura da
moral iluminista – a guerra entre capital e trabalho, a falência do
marxismo sob o espetáculo, a exploração e a manipulação. O fetiche da
mercadoria virou contra os feiticeiros. Ninguém acredita mais em seus
feitiços. A confraternização dos perversos com a exclusão dos pobres,
negros e homossexuais está com os dias contados. Presenciamos a revolta
dos filhos contra pais fundamentalistas e obscurantistas, que debocham
dos direitos humanos – Feliciano e sua “cura gay”, entre tantas pautas
descabidas e insanas.
A massa ressentida exige o fim da orgia.
Exigir respeito é promover autoestima, é ser protagonista da história,
registrando escolhas e propostas. Devemos ler o recado das ruas para
além dos olhos. A frente fria de inverno chega anunciando: não queremos
apenas bens de consumo. Nossos sonhos não cabem num micro-ondas.
Desejamos ir além das montanhas – parem de nos propor o vazio, o nada
que nos levará a lugar nenhum. Desejamos a essência – tocar a vida na
plenitude, apreendê-la com sabedoria. Queremos sorver o conforto
material e o existencial. Para tanto, estamos aprendendo a fazer
política e pretendemos continuar na escola – revendo lições, debatendo
propostas. Vale lembrar Freud e suas três profissões intermináveis:
educar, governar e analisar. Tarefas que não se findam.
Inez Lemos é psicanalista. E-mail: mils@gold.com.br
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