Pintas móveis
RIO DE JANEIRO - Foi no tempo das indiretas. Em janeiro de 1985, Paulo Maluf e Tancredo Neves disputaram a Presidência da República pelo voto dos 660 deputados e senadores que compunham o então Colégio Eleitoral. Maluf era o candidato do governo, ainda militar; Tancredo, da oposição. Pelos manuais vigentes, Maluf teria o voto fisiológico, dos políticos que não admitiam perder a boca; Tancredo, o ideológico, dos que, de fato, queriam a volta à democracia.Um ano antes, Maluf levaria de barbada --a maioria dos políticos não gostava de desagradar os militares. Só que, naquele ínterim, milhões de brasileiros tinham saído às ruas exigindo eleições diretas. Não conseguiram, mas os políticos sentiram a mudança do vento. No dia da eleição, Tancredo ganhou por 480 a 180, com 26 abstenções. Significando: os fisiológicos se passaram em massa para o seu lado, e os que aceitaram perder com Maluf o fizeram por motivos, quem sabe, ideológicos.
Desde então, entra Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula ou Dilma, e lá estão eles, sacrificando-se pela nação e sempre à disposição do poder, não importa de onde seja emanado. Políticos são como água, tomam a forma que os contêm --mas os nossos assombram pela flexibilidade de suas convicções.
Neste momento, por exemplo, ao som das ruas, eles estão batendo todos os recordes de aceitação da pauta popular. Nos últimos dias, cancelaram os reajustes de passagens de ônibus e de pedágios nas estradas, reduziram tarifas de transporte, destinaram os royalties do petróleo para educação e saúde, derrubaram a PEC 37, consideram acabar com o voto secreto entre eles e, intrépidos, tornaram a corrupção crime hediondo, aumentando as penas e levando à prisão dos políticos condenados.
"Pode o leopardo mudar suas pintas?", perguntou o profeta Jeremias (13:23). Os de Brasília podem.
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