Um diálogo oriental sobre protestos
Há muitos pleitos objetivos que podem ser atendidos. Alguns já foram. Outros terão respostas erradas
Há dias, um chinês me fez a pergunta: esses protestos no Brasil têm algo do episódio da praça da Paz Celestial, em 88, você não acha? Na praça da Paz Celestial, o que se viu foi um grupo de estudantes, num momento de pressão de preços, protestando contra a corrupção. Não é o mesmo entre vocês?A pergunta causou-me certa perplexidade. Comparar momentos históricos tão distantes em países com regimes políticos tão diferentes pareceu-me, no mínimo, ousado. Nós, no Brasil, vivemos com o debate. Pagamos por isso: vivenciamos as ineficiências de gestão que regimes democráticos trazem naturalmente consigo. O problema é que as ineficiências aqui passaram do ponto.
A China tem um regime que lhe permite imprimir à gestão pública toda a eficiência --ou pelo menos a celeridade-- que o unipartidarismo proporciona. Não se lhe pode tirar o mérito. Há países unipartidários que não conseguem produzir bons governos. Mas daí a fazer a comparação é salto muito grande.
Resisti à tentação de uma resposta que encerrasse a conversa, por desprovida de fundamento. Pedi ao meu interlocutor que fosse mais específico. Ele prosseguiu: em 88, inicialmente, o governo achou que a manifestação moralmente correta dos estudantes fosse algo positivo.
Em seguida, a coisa foi ficando mais complexa. Os trabalhadores se juntaram, e os protestos se multiplicaram. A população passou a dar comida e água aos manifestantes. Até estudantes protestavam.
Mas, de repente, disse-me, houve a percepção de que os riscos se tornaram grandes demais. E veio o que o mundo assistiu. Os últimos repórteres da televisão que noticiaram os manifestos fizeram-no em lágrimas.
Zhao Ziyang, secretário geral do Partido, alguém pré-disposto à conciliação, perdeu o cargo. Ascendeu Jiang Zemin, reformador, bom dirigente, que, oito anos após deixar a Presidência, ainda comanda, de longe, boa parte do mundo político. O resto, acrescentou, você sabe bem.
O resto nos diferencia extraordinariamente.
Neste momento em que muitos tentam identificar que antecedentes há para os fatos recentes --Paris 68, a Turquia atual, Ocupe Wall Street-- pareceu-me interessante narrar uma visão descolada das referências ocidentais. Há, no inconsciente coletivo, algo que conecta fatos que diferem diametralmente nos seus desdobramentos.
Quanto à nossa realidade, creio que a geração mais jovem entenderá melhor o que está ocorrendo. Há muitos pleitos objetivos e razoáveis que podem ser atendidos rapidamente. Alguns já foram. Outros terão respostas erradas. Outros suscitarão decisões atropeladas, com menos reflexão do que demandariam em circunstâncias normais. Vamos esperar que, no cômputo geral, o resultado agregue valor.
As máscaras e o refrão "sem partido" são como se as ruas dissessem: estamos aqui, as demandas são muitas. Viemos desestruturar uma ordem que não é mais satisfatória. Não nos cabe achar caminhos. Vocês, políticos, que o façam, com decência. Estaremos vigilantes. Pedir coerência aos fatos e às vozes é enfoque velho. E propor saídas verdadeiramente satisfatórias, no curto prazo, uma impossibilidade.
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