ALBERTO ZACHARIAS TORON
TENDÊNCIAS/DEBATES
Crime de corrupção deve ser visto como hediondo?
NÃO
Um novo rótulo
Parece que virou moda. Agora não basta mais que a conduta seja criminosa, o que, por definição, já é algo ruim e nocivo. É preciso um "plus": o rótulo de hediondo, como se os outros crimes fossem adoráveis ou coisa parecida.A medida, aprovada pelo Senado, além de ineficaz, traduz um oportunismo político inacreditável. Não que se deva ter alguma condescendência com a corrupção. A questão é outra.
Quando, em julho de 1990, principalmente em razão dos inúmeros sequestros, editou-se a Lei dos Crimes Hediondos com vistas à imposição de um tratamento processual, penal e penitenciário mais rigoroso, esperava-se um descenso nesse tipo de criminalidade.
Para tanto, impediu-se o juiz de conceder fiança e liberdade provisória, isto é, o direito de o acusado aguardar o desfecho da ação penal em liberdade. Elevaram-se as penas de diferentes delitos e, por fim, revogou-se o direito de o condenado, mesmo que de bom comportamento, passar de um regime penitenciário rigoroso para um mais brando como o semiaberto ou o aberto.
Na verdade, com essas medidas, queria-se aplacar uma voz que é forte nos meios policiais e num certo tipo de imprensa que dizia: "A polícia prende e o juiz solta".
Passados mais de 20 anos da vigência da Lei dos Crimes Hediondos, verifica-se que, embora não tenha resolvido a problemática da elevação dos níveis da criminalidade violenta, ela serviu unicamente para calar ou acalmar aqueles setores da opinião pública que pensam que o crime aumenta ou diminui em razão de penas mais altas e de um maior rigor carcerário.
A constatação do erro dessa visão não decorre de uma ideologia humanista. Fala em favor disso a simples observação dos fatos noticiados pelos jornais no dia a dia.
Agora, a cada novo escândalo, a falta de efetividade do Estado em termos práticos é "compensada" com a edição de leis. Cria-se uma espécie de modelo álibi. Repete-se a estratégia dos governos Collor e Fernando Henrique Cardoso. No último, ampliou-se o rol dos crimes hediondos e, o que é pior, de uma maneira desastrosa (incluindo-se, para se ter uma ideia, até a fraude em cosméticos, como se tivessem a mesma importância que remédios).
Desvia-se, com isso, a atenção do que é o essencial: a vontade política no combate à corrupção e a necessidade do aprimoramento dos controles administrativos mais rápidos e eficazes.
Em 9 de julho de 2009, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado realizou uma importante audiência pública para discutir a colocação da corrupção no rol dos crimes hediondos. Estiveram presentes representantes da Associação Nacional dos Procuradores da República, Associação dos Magistrados Brasileiros e da Ordem dos Advogados do Brasil. Todas as entidades foram contrárias à ampliação do rol dos crimes hediondos.
Naquela oportunidade, o subprocurador-geral da República, Eugênio Aragão, que é também professor da Universidade de Brasília, lembrou que a expressão crimes hediondos ("heinous crime") foi utilizada pela primeira vez no Tribunal de Nuremberg, que julgou os criminosos nazistas pelas atrocidades praticadas durante a Segunda Guerra Mundial. Com propriedade, ele lembrou: "Crime hediondo é um crime que afeta um número enorme de vítimas. Não são crimes quaisquer. Banalizar essa expressão faz mal ao direito penal".
A melhor resposta que se possa dar à corrupção não é uma nova lei, mas o aprimoramento dos mecanismos de controle e a celeridade na apuração dos crimes. Fora daí, o que se vê é uma manobra diversionista.
MARCOS LEÔNCIO RIBEIRO
TENDÊNCIAS/DEBATES
Crime de corrupção deve ser visto como hediondo?
SIM
A materialização do repúdio social
O Brasil passou a conhecer melhor as características e os efeitos nefastos da corrupção, cuja letalidade supera a esfera individual para provocar a desorganização social e impedir o desenvolvimento da coletividade. Ela é hedionda por condenar o futuro de gerações de jovens e, até mesmo, de nações inteiras.
As operações realizadas pela Polícia Federal nos últimos anos têm contribuído de forma decisiva para mudar o paradigma no que diz respeito à intolerância da população brasileira com atos de corrupção. Prova disso é que hoje presenciamos o repúdio da sociedade a esse tipo de crime, manifestada nas ruas de todo o país, com reflexos políticos diretos no Congresso Nacional.
O Senado acaba de aprovar o projeto de lei legislativo nº 204/2011, que qualifica como hediondos os crimes contra a administração pública. Ele aumenta a pena mínima de dois para quatro anos de reclusão nos delitos de peculato, concussão, excesso de exação e corrupção ativa e passiva. Se transformado em lei, dificultará a concessão de eventuais benefícios aos condenados por tais crimes.
A aprovação ocorre no contexto de um pacto anticorrupção firmado entre os Poderes da República, com o objetivo de corresponder aos reclames populares manifestados nas mobilizações de rua por todo o país.
É preciso reconhecer que a resposta legislativa por si só não irá diminuir a corrupção no Brasil. O enfrentamento a tal fenômeno requer medidas permanentes, de longo prazo, e passa necessariamente por mudanças culturais, mais investimentos em educação, mais transparência, controle social e acesso à informação de interesse público.
Todavia, sinaliza positivamente como uma tentativa de minimizar a sensação de impunidade que reina na sociedade brasileira. Isso pode ser mensurado facilmente pelos efeitos penais inclusive no que concerne à prescrição, com significativo aumento da pena mínima.
Outra sinalização relevante é para o mundo. O Brasil se mostra em sintonia com os compromissos internacionais para combater o desvio de dinheiro público, como, por exemplo, na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.
Na qualidade de signatário da Convenção de Mérida, o país deve promover e fortalecer as medidas para prevenir e combater de forma mais rigorosa e eficiente toda a forma de corrupção. Não é por menos que a penalização e aplicação da lei nas hipóteses de suborno, peculato, tráfico de influência, enriquecimento ilícito e lavagem de dinheiro mereceram especial destaque no terceiro capítulo dessa convenção.
Basta uma leitura do preâmbulo do referido acordo internacional para se convencer da adequada qualificação dos crimes contra a administração pública como dignos do tratamento jurídico de hediondo.
Trata-se de uma preocupação universal com a gravidade dos problemas e com as ameaças decorrentes da corrupção para a estabilidade e a segurança das sociedades ao enfraquecer as instituições e os valores da democracia, da ética e da justiça e ao comprometer o desenvolvimento sustentável e o Estado de Direito no mundo.
É na esteira dessa preocupação universal com a dignidade da pessoa humana que houve a constitucionalização e a equiparação da prática de tortura, narcotráfico e terrorismo com o rigoroso tratamento dispensado aos crimes hediondos nos termos do artigo 5º da Carta Magna brasileira.
O resultado positivo da indignação popular manifestada nos últimos dias se materializou sob a forma da mudança legislativa proposta no projeto de lei que transforma a corrupção em crime hediondo. O primeiro passo já foi dado.
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