Grupos mineiros de teatro de rua
conquistam reconhecimento em todo o país. Com trabalhos na capital e no
interior, artistas celebram o sucesso e criticam a burocracia
Carolina Braga
Estado de Minas: 29/06/2013
Quem
faz teatro em palco sabe bem como é. Marcada a temporada, é a hora
daquele frio na barriga. Afinal, será que o público vai comparecer? E a
bilheteria, será suficiente para pagar os custos? Veterano quando o
assunto é rua, é com bom humor que Chico Pelúcio constatou ao longo do
tempo que a angústia de quem se apresenta em espaços abertos como
praças, arenas e quadras é relativamente mais simples. A pergunta é:
será que vai chover?.
Junto com o Rio Grande do Sul, onde é
realizado um festival totalmente dedicado à rua, em Porto Alegre, Minas
Gerais desponta como um dos maiores produtores do gênero do país.
Obviamente, isso não tem nada a ver com os índices pluviométricos. É
gosto mesmo. “A gente vê esses grupos se espalhando pelas cidades,
demonstrando uma grandiosidade do teatro de rua feito aí”, reconhece o
ator e produtor Chicão Santos, responsável pelo festival Amazonas Encena
na Rua, de Porto Velho.
Muito influenciadas pela trajetória do
Grupo Galpão, jovens companhias escolhem essa linguagem para o
desenvolvimento da pesquisa e têm se surpreendido. Criado em 2006, o
grupo Maria Cutia é um dos exemplos bem-sucedidos. “Quando surgimos,
queríamos fazer um teatro que fosse simples e que comunicasse com as
pessoas”, conta a atriz Mariana Arruda.
O Maria Cutia começou
com uma montagem de teatro brincante (Na roda), teve experiência com
palhaços (Concerto em ré) e o mais recente, Como a gente gosta, é
clássico de Shakespeare, com direção de Eduardo Moreira, do Grupo
Galpão. Com o repertório literalmente na bagagem, o Maria Cutia não
passa um mês sem se apresentar. Somente em 2012 foram 55 cidades, 12
estados e público de mais de 65 mil pessoas.
Normalmente, o
grupo viaja pelo interior de Minas e nos estados fronteiriços em
veículos próprios, dirigidos pelos atores. Também são eles os
responsáveis pela montagem do cenário, da iluminação e da sonorização do
espetáculo. Em geral, a média de público é de 500 pessoas, já tendo
alcançado mais de 5 mil espectadores. A próxima montagem da companhia
será feita em São Paulo, em parceria com o grupo – também de teatro de
rua – Clowns de Shakespeare, do Rio Grande do Norte.
“Minas é um
dos estados que mais produzem para a rua e acredito que hoje estamos
tendo uma pesquisa maior”, defende a atriz. Um sinal de que isso
realmente está ocorrendo é que companhias habituadas a criações para
espaços fechados têm explorado o teatro de rua e gostado. Acontecimento
em Vila Feliz , dirigido por Juarez Dias, é uma surpresa boa na
trajetória da Cia Pierrot Lunar, com 20 anos de estrada.
A
companhia formada por Neise Neves e Leonardo Quintão estava interessada
em pesquisar a literatura levada para a cena. Ao se deparar com o conto
de Aníbal Machado, a rua pareceu o espaço ideal. Mesmo sendo um dos mais
novos do repertório da companhia, Acontecimento… já é um dos que mais
circularam por Minas Gerais: 14 cidades. “É uma generosidade de cá pra
lá e de lá pra cá. É uma relação de cumplicidade maravilhosa, de estar
atento a tudo que está acontecendo. É mais vivo que teatro de palco.
Cachorro entra, bêbado quer participar. Você tem que estar propenso a
lidar com o que aparecer naquela apresentação”, comenta Neise. Se
depender dela, a experiência na rua será repetida.
Democracia
Chico Pelúcio, integrante do Grupo Galpão, se diz um incansável
entusiasta do teatro de rua. “São espetáculos de maior mobilidade num
país em que 98% dos municípios não têm teatro. Quando se fala em
democratização, vejo nessa opção do teatro de praça, rua e espaços
alternativos um caminho mais do que óbvio para fazer valer essas
questões”, diz.
Por pensar assim, há nove anos Pelúcio teve a
ideia do projeto Pé na Rua, iniciativa do Galpão Cine Horto criada para
incentivar a montagem de espetáculos dedicados a espaços urbanos. Com
direção de Mariana Lima Muniz, Fábulas errantes, que será apresentado
hoje, às 16h, no Parque Municipal, é o nono fruto do Pé na Rua. Trata-se
de homenagem aos clássicos dos irmãos Grimm. A partir de três deles –
Pé de Zimbro, Rapunzel e Hans, meu ouriço –, a peça propõe uma
experiência pelo universo dos contos de fadas.
Para Chico
Pelúcio, o incentivo é urgente, já que o teatro de rua ainda é tratado
como o “primo pobre”, quando, na verdade, é o contrário. “É uma miopia
dos grupos. Os espetáculos de rua duram mais no repertório e
possibilitam mais entrada de grana, pela versatilidade que têm. São
peças de linguagem universal”, completa o ator e diretor.
FÁBULAS ERRANTESHoje,
às 16h, no Parque Municipal, Praça do Sol (Av. Afonso Pena, 1.377,
Centro). Dias 6 e 7, às 16h, no Parque Lagoa do Nado (R. Desembargador
Lincoln Prates, 240, Itapoã). Entrada franca.
Pelos caminhos do interior
Fundador
do grupo cênico musical Rasgacêro, de Poços de Caldas, o ator Ricardo
Valias não tem dúvidas de que o teatro de rua mineiro encontra-se em um
momento de efervescência. O grupo dele, fundado em 2006, está com a
agenda praticamente lotada para o próximo mês. Serão 12 apresentações em
julho. “Como não chove, a gente procura acelerar as apresentações”,
conta.
Em cartaz desde setembro de 2011 com o espetáculo
Mambembrasileiros, a trupe comemora os números crescentes. “A nossa
média de público é de 1,2 mil pessoas, mas apresentamos semana passada
em Carmo do Paranaíba para plateia de 2,5 mil”, conta. Para Ricardo, a
busca pelos espectadores é a única maneira de um espetáculo se
desenvolver. “Se o pequeno não for para a rua, é bem difícil de ele ser
alguma coisa”, diz.
Radicado em São João del-Rei desde 2005, o
grupo Manicômicos também não tem do que reclamar. Os pedidos de
apresentações não param e com isso vem o estímulo para a inovação de
linguagens. Este ano, além da retrospectiva comemorativa dos 15 anos da
companhia, também está prevista a estreia de Flor de manacá, no qual
adentrarão no universo do circo-teatro. “Acho que a rua nos permite
alcançar mais gente. Podemos tocar pessoas que nem pensaram em passar
pelo teatro. O encontro com essa plateia é sempre muito legal”, diz o
fundador, Juliano Pereira.
PBH não facilita a vida
Além
da possibilidade de chuva, há outro problema que aterroriza os grupos
mineiros que pretendem se apresentar em Belo Horizonte: a burocratização
das licenças concedidas pela prefeitura. “Eles exigem que o grupo lide
com o Corpo de Bombeiros, a SLU e por aí vai. A prefeitura devia pagar
pra gente fazer isso. Já que não paga, deveria pelo menos facilitar a
vida desses eventos”, sugere Chico Pelúcio.
Segundo Mariana
Arruda, do Maria Cutia, para conseguir uma licença para se apresentar na
Praça da Liberdade é preciso uma antecedência de três meses para
viabilizar a documentação. “Aí vem um evento de Facebook no mesmo dia
que você e faz uma guerra de travesseiros juntando não sei quantas mil
pessoas. Eu, como artista de rua, tenho que pedir polícia quando vou me
apresentar. É justo? Não sei”, desabafa. Ou seja, não é à toa que até
hoje o grupo Rasgacêro não conseguiu se apresentar na capital. “É muito
difícil para um grupo pequeno”, diz Ricardo.
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