domingo, 23 de junho de 2013

O Bloco do Eu Sozinho

folha de são paulo
DIÁRIO DO RIO
O MAPA DA CULTURA
Cada um parecia ter sua própria bandeira
ALVARO COSTA E SILVAAo deparar a enorme massa de gente, mais tarde calculada em 300 mil pessoas, um paradoxo: em sua maioria, os manifestantes, ali na concentração da Candelária, lembravam um personagem folclórico do Carnaval carioca, o animador do Bloco do Eu Sozinho.
Era o cidadão Júlio Silva, que se transformava no Lorde João Curuti do Pelo Hempé. Em 1919 ele começou a desfilar com sua tabuleta solitária, e o fez até o fim da década de 50. Envergava uma fantasia de fraque, com chapéu de tirolês e calça listrada. Com seu pavilhão levantado, brincava alheio à multidão, cantando para si mesmo, em desacordo com o samba dos outros.
No protesto da última quinta-feira, cada qual parecia erguer uma bandeira própria. Quando não desprezaram e agrediram com palavras de ordem, desconheceram as cores e as reivindicações daquele que estava ao lado. Em tese, a manifestação seria para festejar a vitória com a revogação do aumento das tarifas de transporte. Mas o clima foi outro, de confronto e hostilidade com os integrantes de partidos políticos.
Muitos "flag-cons" versão tupiniquim, o verde e o amarelo pintado em tiras no rosto. Curioso que a cartolina e as canetas hidrográficas de ponta grossa tenham voltado com tanta força no seio de um movimento que teve seu estopim nas chamadas redes sociais. Talvez nem tão curioso assim, pois os dizeres nos cartazes seguiram o figurino dos 140 caracteres.
Como no Twitter, valeu tudo. Os alvos personalizados foram o governador Sérgio Cabral, o prefeito Eduardo Paes, o deputado e pastor evangélico Marco Feliciano, o ex-craque Ronaldo Fenômeno.
O "fim da corrupção" não podia faltar, na mesma proporção dos que questionavam os gastos para realizar a Copa e a aprovação da PEC 37. Aos poucos, desenrolaram-se as faixas que pediam pena de morte, redução da maioridade penal e impeachment da presidente Dilma Rousseff.
A BADERNA DOS MASCARADOS
Na ausência da classe artística mais representativa --basta lembrar a importância dos que marcharam, braços dados, na Passeata dos Cem Mil, em 1968-- cada manifestante se achava o próprio artista. Fazia questão de registrar a si mesmo no celular e de se exibir mostrando os cartazes: "Eu sou a mosca"; "Eu quero você mal-informado"; "Menos imposto, mais sexo"; "Futebol não se aprende na escola".
Como numa peça mal ensaiada, quando a turma dos cartazes saiu de cena, chegaram os mascarados fortões e com pinta de bandidos, na altura da Central do Brasil, vandalizando escolas, postos de saúde, lojas de eletrodomésticos, incendiando carros, fazendo questão de provocar e enfrentar a PM, que reagiu com força exagerada.
O GRANDE VAZIO
Certamente com menos prejuízo de quem viu seu estabelecimento invadido e saqueado, o livreiro Daniel Chomski contabilizou uma queda de movimento em torno de 60% nesta semana de manifestações. A Berinjela, tradicional sebo do Centro, palco de tertúlias literárias, futebolísticas e muitas vezes políticas, esteve vazia. Nem um livro de Errico Malatesta vendido, muito menos de Trótsky, Lênin ou Marx, ou mesmo Slavoj?i?ek.
Na tarde de quinta-feira, Chomski pôde assistir tranquilamente e algo enfastiado aos dez gols que a seleção da Espanha meteu na do Taiti, em jogo realizado no novo Maracanã. O título mais procurado, naquele dia, foi "O Grande Gatsby", de F. Scott Fitzgerald.
LÁBIA NO PAÇO IMPERIAL
Alvo de pichações e vandalismo nos protestos de segunda-feira (17), o Paço Imperial, construído no século 18 com blocos de pedras e argamassa de óleo de baleia, e que abrigou o príncipe-regente dom João com a chegada da família real ao Rio em 1808, recebe até o dia 11 de agosto a exposição "Um Outro Olhar: Coleção Roberto Marinho", com 202 peças do acervo do empresário e jornalista.
São obras de nomes como Guignard, Djanira, Iberê Camargo, Di Cavalcanti, Volpi e Tarsila do Amaral, além da "Via Sacra", de Emeric Marcier, e imagens religiosas dos séculos 18 e 19.
Há relatos de que um único segurança noturno, desarmado, conseguiu convencer na lábia um grupo a não invadir o Paço e destruir as obras expostas. De fato, é preciso um outro olhar.

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