PAULO WERNECK
SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO
SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO
Eles saíram do Facebook, mas o Facebook não saiu deles. Nos protestos da guerra das tarifas em São Paulo, não foram poucos os cartazes que ostentavam o polegar arrebitado do "curtir" da rede social de Mark Zuckerberg. Também não faltaram palavras de ordem atreladas ao "#", símbolo usado para indexar assuntos do momento no Twitter.
O caldeirão cultural que alimenta os protestos mistura política e publicidade, heróis da Marvel, Maio de 68 e poesia concreta. E a surrada máscara de "V de Vingança".
Mesmo que não tenham forjado ainda uma estética nítida, os atos nas ruas juntam referências visuais que extrapolam o repertório típico das manifestações de esquerda.
Protesto ilustrado
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A estética dos pôsteres russos dos anos 1920 inspirou este cartaz
Com o automatismo de uma "curtida" no Facebook, manifestantes nas ruas do país se apropriaram do slogan de uma marca de uísque -"o gigante acordou"- e do jingle de um anúncio de carro -"vem pra rua, vem".
O artista Stephan Doitschinoff viu na ação "um tipo de sabotagem" por parte dos manifestantes. "Eles hackearam uma peça publicitária para tentar fazer um bem maior", afirma. "De repente as marcas não podem mais usar esses slogans porque estão associados a atos de transgressão."
Só que não. Depois do protesto, a TV já exibia o comercial da Fiat -"quem mais entende de rua"-, turbinado pelas imagens dos protestos.
Doitschnoff, o galerista Baixo Ribeiro, o chef Alex Atala, a roqueira Pitty e amigos protestaram brandindo cartazes feitos à mão na galeria Choque Cultural, de Ribeiro.
"Chamei uns amigos que têm caligrafia boa e fizemos", conta Doitschinoff. Como emblema, criaram o "V de Vinagre", em referência ao tempero que supostamente reduz os efeitos do gás lacrimogêneo, para estampar cartazes e o avental de Atala. O chef só respondeu ao pedido de entrevista com uma palavra: "Paz".
Na mesma pegada do "faça você mesmo", uma gráfica da região central de São Paulo convocou manifestantes pelo Facebook a enviarem seus cartazes para que fossem impressos e distribuídos nas ruas. Os mais de 300 trabalhos recebidos confirmam que o cartaz ainda tem cartaz, mesmo em tempos de redes sociais.
"Logo que abri para as pessoas mandarem seus cartazes, tivemos mais de 7.000 'curtir' no Facebook", diz Beto Galvão, da Meli-Melo. "Depois, vi que esses mesmos desenhos estavam sendo copiados por todas as partes."
Uns trabalhos chegam a emular as vanguardas soviéticas, como um cartaz que põe o grito "vem pra rua" na boca de uma figura lembrando a garota de uma colagem de Aleksandr Ródtchenko, o fotógrafo morto em 1956.
Outros revisitam a estética do construtivismo paulista com versos diagramados segundo a lógica espacial da poesia concreta.
CHAVE TECNOLÓGICA
Nas manifestações do início da semana, entre cartazes mais e menos elaborados, prédios do largo da Batata recebiam projeções pedindo em chave tecnológica "passe livre já".
Solange Farkas, diretora do festival Videobrasil, que estava na concentração do largo da Batata, viu nas projeções um avanço em relação à estética "pueril" das manifestações nas ruas do país.
"Essas palavras projetadas usam o próprio espaço da cidade como plataforma poderosa de comunicação", diz Farkas. "Não é só bonito, é esperto e inteligente, uma boa estratégia num universo ainda sem grande força visual."
Nesse ponto, a web tem mais força. Reagindo à violência policial que marcou alguns atos, os publicitários Alessandro Trimarco e Paulo Eugênio inseriram super-heróis sobre imagens dos conflitos feitas pelos fotógrafos Arthur Lopes e Ig Aronovich e publicaram no Tumblr Poder e Responsabilidade.
Nas imagens, balas de borracha ricocheteiam no peito do Superman. O Capitão América enfrenta a tropa de choque e Thor escala a rampa do Congresso Nacional.
"A ideia veio de ver como os policiais tratavam a população com violência", diz Trimarco. "Os quadrinhos surgiram em momentos bem conturbados da política."
Mas, mesmo turbinados por redes sociais, é na rua que os atos ganharam força, numa fusão entre digital e asfalto.
"Queríamos algo de impacto para a passeata", diz Alexis Anastasiou, do grupo VJs pela Paz, que fez as projeções no largo da Batata. "As manifestações estão sendo ensaiadas nas mídias sociais há muitos anos, e agora é que esse foco também está migrando para as ruas e avenidas."
Editoria de Arte/Folhapress | ||
ESTÉTICA DA APROPRIAÇÃO |
ANÁLISE
Atitudes e estilos vistos nas ruas revelam sentido do movimento
MARCOS AUGUSTO GONÇALVESCOLUNISTA DA FOLHAA "estética" predominante nos protestos que tomam as ruas de São Paulo e de outras cidades brasileiras não é mais a da estrela vermelha e foice e martelo.Se há bandeiras de partidos com a tradicional cor socialista, como as do PSTU, elas têm sido alvo de reiterados protestos por parte dos próprios manifestantes.
Nem mesmo Che Guevara, a imagem mais estetizada da mitologia revolucionária de esquerda, tem dado as caras nas manifestações.
Seu rosto barbudo foi trocado pela pele de plástico de Guy Fawkes, consagrada em 2011 pela turma do #occupy. A máscara foi criada pelo desenhista David Lloyd, da HQ "V de Vingança", que virou filme em 2006 --e foi lançada em protestos em 2008 pelo movimento hacker Anonymous, contra a Igreja da Cientologia, nos EUA.
É um sinal dos tempos e do perfil autonomista que ideólogos do Movimento Passe Livre procuram imprimir às novas manifestações.
MOSAICO
Embora na maior parte formadas por gente de classe média (certo, professora Marilena?), as passeatas congregam tribos diferentes, num mosaico de estilos, que tem muito da forma da indignação globalizada, desde os confrontos contra a polícia em cúpulas de chefes de Estado até os jovens das praças no mundo islâmico.Mesmo que o "anticoxismo" seja uma bandeira forte no quesito atitude, deu para ver até alguma "playboyzice", ao menos no "happening" da última segunda-feira, na Brigadeiro Faria Lima.
Na outra ponta, a turma do quebra-quebra faz lembrar os caras que incendiaram as periferias de Paris, em 2005.
E também o visual bandido das facções do tráfico ou de hooligans do futebol, com camisetas e panos amarrados para tapar o rosto. É a ala "seja marginal, seja herói" do movimento.
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