De repente, num mesmo escritório,
separados pelo vidro da janela, tivemos dois exemplares de espécies
ameaçadas de extinção: uma jacutinga e um homem sério
Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 01/07/2013
Há casais ilustres e outros ainda mais
ilustres. Acima dos mais ilustres conheço um casal outstanding, isto é,
excepcional, à moda antiga, composto de marido e mulher, ele professor
doutor de uma das melhores universidades norte-americanas, considerado a
maior autoridade mundial em sua área de pesquisas; ela,
inteligentíssima, cultíssima, bonita mulher de 60 aninhos.
Pois
foi desse casal que recebi e-mail com o título: AMAZING TREE IN SOUTH
AFRICA. Ora, depois da última Copa, aprendi que South Africa é África do
Sul. Sei que tree é árvore, porque criei gado pitangueiras e a pitanga,
fruto da pitangueira, é cherry que nasce na surinam cherry tree.
Amazing é surpreendente, incrível, como confirmei no Collins.
Dei
uma espiada na árvore, tronco esculpido com diversas cabeças,
esculturas amazing que teriam 500 anos, como informava o casal
outstanding. Na África do Sul, há 500 anos, pensei: o imenso tronco de
árvore pode ter sido esculpido por Vasco da Gama, não o clube de futebol
querido de Márcia Lobo e Moacir Japiassu, time que anda jogando
pedrinhas, mas o terceiro filho de Isabel Sodré e Estêvão da Gama,
destinado pelos pais à carreira eclesiástica que preferiu trocar pela
militar, nascido circa 1469 em Sines ou Vidigueira, Portugal, defuntado
dia 24.12.1524 em Cochim, Índia, almirante-mor dos Mares da Arábia,
Pérsia, Índia e de todo o Oriente, conde da Vidigueira, vice-rei da
Índia.
Que fazer com o e-mail recebido? Repassá-lo, porque
acredito em tudo que me mandam, sobretudo e principalmente se o casal
remetente é outstanding. Remeti-o para as vítimas habituais, endereços
reunidos sob o título genteamiga nos contatos compartilhados do Outlook
Express.
Lista de que faz parte um amigo três vezes pós-doutor,
belo-horizontino de 51 anos que sempre teve a mania de tirar o primeiro
lugar nas turmas que frequentou, inclusivamente nos doutorados nas
melhores universidades europeias e norte-americanas.
Cavalheiro
que me mandou o seguinte recado: “Prezado Eduardo. Eu já estive com esta
árvore frente a frente. Não fica na África e não tem quinhentos anos;
se tiver uns trinta é muita coisa. Fica num parque da Disney, em
Orlando, EUA. Mais precisamente no parque Animal Kingdom, logo na
entrada. E tem mais: é de plástico. Abraços, H.”.
Donde se conclui
que é um perigo acreditar nas informações e nas fotos que nos chegam
pela internet, mas continuo repassando porque sou crédulo pra dedéu.
Por
derradeiro informo que, para rimar, escrevi “créu pra dedéu”, mas fui
ao Aulete/digital e descobri que “créu”, em vez de sinônimo de crédulo,
ingênuo, tolo, idiota, é gíria e tabuísmo, termo difundido por música e
dança da cultura funk baseado na insinuação textual (expressiva,
onomatopeica) e gestual do coito, em conotação maliciosa e pornográfica.
Manhã invernal
Temperatura
externa 14°C, dentro de casa 19°C, café tomado, charuto fumegante, às
7h10min acendo a luz do teto do escritório para ligar o computador,
quando vejo ave imensa do lado de fora do vidro da janela, em equilíbrio
instável no parapeito mármore branco.
Não sou ornitólogo e nas
minhas roças nunca vi nada parecido: uma jacutinga! No Pantanal havia
diversas aves, algumas residentes nos terreiros das fazendas, mas a cena
que estou contando foi na avenida principal e mais movimentada de uma
cidade mineira de 600 mil habitantes. É verdade que o apê dá para
pequena mata de um seminário católico, talvez cinco hectares entre
árvores, lagos e um campo de futebol: ainda assim, a cena foi original e
a jacutinga, antes de avoar, passou muitos segundos no parapeito da
janela, que corresponde ao 4º pavimento de um prédio normal.
Do
vidro até à extremidade do mármore são 10 cm de largura, medi mais
tarde. Acertei de araque na identificação da ave, quando vi no Google e
nos livros de ornitologia as fotos das jacutingas, palavra que deve ter
entrado no português por volta de 1595 do tupi yaku’tinga “ave
galiforme”.
Consta que alcança 74 centímetros e é espécie
ameaçada de extinção. De repente, num mesmo escritório, separados pelo
vidro da janela, tivemos dois exemplares de espécies ameaçadas de
extinção: uma jacutinga e um homem sério.
O mundo é uma bola
1º
de julho de 1722: é executava a derradeira mulher condenada à morte em
Portugal, que deve ter sido o primeiro país da Europa e do resto do
planeta a abolir a pena capital na Lei Constitucional, após a reforma
penal de 1867, di-lo a Wikipédia. Procurei, sem sucesso, o nome da
senhora executada em 1722, possivelmente por bruxaria, mas não tenho
tempo de reler a História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em
Portugal, do imenso Alexandre Herculano.
Em 1863 começa a Batalha
de Getysburg, ponto de “viragem” da Guerra Civil Americana. Em 1914, o
cientista Archibald Low apresenta em Londres um aparelho para emissão de
imagens a distância, a que deu o nome de televisão, o que faz de hoje o
Dia do Faustão, do Gugu, do Datenão e daquele outro cavalheiro
inacreditável, o desengonçado Marcelo.
Hoje é o Dia das Bibliotecas.
Ruminanças
“Não se deve tachar a televisão de anticultura: cada povo tem o programa que merece” (Júlio Camargo).
Nenhum comentário:
Postar um comentário