segunda-feira, 1 de julho de 2013

Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, começa quarta-feira e homenageia Graciliano Ramos.-Ana Clara Brant‏

Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, começa quarta-feira e homenageia Graciliano Ramos. Movimentação política no país ganha espaço na programação 


Ana Clara Brant

Estado de Minas: 01/07/2013

Há quase um ano, o escritor Graciliano Ramos foi anunciado para ser o homenageado da 11ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que começa depois de amanhã e vai até domingo. Na época, houve até quem criticasse a escolha. Alguns achavam que o evento deveria voltar seus olhos para o centenário de Rubem Braga, celebrado este ano. Mas não teve jeito. E, curiosamente, o autor de Memórias do cárcere, Vidas secas, Angústia e outros clássicos da literatura está mais atual do que nunca. Notório por seu engajamento e envolvimento político – ele chegou a ser prefeito de Palmeira dos Índios (AL) e foi filiado ao Partido Comunista (PCB) –, sua produção reflete a inquietação diante das injustiças sociais.

 “Uma das coisas mais interessantes na obra e na figura do Graciliano Ramos é que ele percebeu e fez como ninguém uma literatura de crítica social. E o fez de uma maneira única. Tem uma escrita muito peculiar, característica, marcada pela ironia, pela concisão e até hoje ainda soa moderno. Graciliano lutou ao longo de toda a vida para manter a liberdade de criação artística”, observa o curador da Flip, o jornalista Miguel Conde.

A Flip não poderia ignorar o atual momento brasileiro e preparou uma programação extra sobre as recentes movimentações políticas que mobilizam o país. Conde acredita que, mesmo que as mesas adicionais não tivessem sido criadas, o assunto naturalmente iria surgir nos debates. No entanto, desde que os protestos começaram a pipocar pelo Brasil, a organização do evento passou a pensar em inserir o tema no evento. “Já tínhamos cogitado alterar a programação e abrir espaço para discutir o atual momento político. Nas novas mesas, teremos intelectuais, economistas e jornalistas especialmente para isso. Mas o fato de o homenageado ser um escritor marcado pela atuação política e vários convidados também terem essa preocupação favorece a inclusão”, ressalta o curador.

Outro ponto forte da Flip deste ano é que, mais do que nas outras edições, ela terá convidados de fora do mundo literário, como o crítico de arquitetura da revista New Yorker, Paul Goldberger, que vai debater com o arquiteto português Eduardo Souto de Moura. Na área de cinema, os destaques são os 80 anos do documentarista Eduardo Coutinho, que participa de uma mesa-redonda, e Nelson Pereira dos Santos, diretor do filme Vidas secas, baseado no romance de Graciliano Ramos. A programação traz ainda a cantora Maria Bethânia, que participa de recital em homenagem a Fernando Pessoa, na companhia da professora Cleonice Berardinelli, uma das maiores especialistas na obra do poeta português. Conde destaca ainda a presença do historiador de arte T. J. Clark, que vai falar sobre o quadro Guernica, obra-prima de Picasso, também de forte conotação política.

Mas é claro que o foco principal é a literatura e a programação inclui nomes nacionais e internacionais de peso, como o escritor Milton Hatoum, que fará a conferência de abertura, na quarta-feira. Hatoum combinará relatos pessoais de seu encontro com os livros de Graciliano com uma discussão sobre a importância do trabalho do escritor não só para a literatura, mas para a cultura brasileira como um todo, incluindo o cinema e a política.

INTERNACIONAL Outras participações são as do poeta Tamim Al-Barghouti, figura central na Primavera Árabe; a norte-americana especialista em contos e narrativas concisas, Lydia Davis; a franco-iraniana Lila Azam Zanganeh; o escritor norte-americano Tobias Wolff e o norueguês Karl Ove Knausgård, que se encontram em debate sobre a relação entre ficção e confissão.

Já o francês Jérôme Ferrari se junta ao brasileiro Daniel Galera para refletir sobre elemento em comum das obras de ambos: a atualização de temas ligados à tragédia clássica, como o conflito entre ação humana e predestinação. Zuca Sardan e Nicolas Behr, dois grandes satiristas brasileiros das últimas décadas, discutirão um estilo que ironiza consensos e costumes, de forma poética e caricata, utilizando os recursos próprios da poesia, marcada pela invenção verbal e gráfica.

Gilberto Gil também está de volta à Flip. Além de fazer o show na noite de abertura, o cantor e compositor vai participar de uma mesa ao lado da socióloga Marina de Mello e Souza. Uma ausência sentida é a do romancista francês Michel Houellebecq, considerado um dos principais nomes desta edição e que, pela segunda vez, cancelou sua participação, alegando problemas pessoais.


11ª Festa Literária Internacional de Paraty
De 3 a 7 de julho. Informações e programação completa: www.flip.org.br

O velho Graça

Ana Clara Brant

Os 60 anos de morte de Graciliano Ramos (1892-1953) vão nortear a Flip 2013. Um dos principais estudiosos de sua obra, o professor de teoria da literatura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diretor da Editora UFMG, Wander Melo Miranda, ressalta o trabalho do autor alagoano no trato com a linguagem, não só na questão artística, como na dimensão ética. E lembra também que o escritor ainda tem muito a dizer sobre o Brasil, por isso é tão atual. “Assim como Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto, Graciliano tratou a questão política, porém não a política datada, para entender e tentar explicar algo maior. A temática de sua obra também é muito importante e ele conseguiu ver e retratar a grande diferença que separa os indivíduos. Ele tem essa compreensão do outro. Enxerga o outro da maneira como ele realmente é e o compreende”, comenta Wander.

Autor de romances consagrados como Vidas secas, São Bernardo e Angústia, Graciliano Ramos nasceu em 27 de outubro de 1892, no município de Quebrangulo, em Alagoas. Viveu a juventude entre Palmeira dos Índios, ajudando o pai numa loja de tecidos, e o Rio de Janeiro, onde foi revisor em jornais. De volta a Palmeira dos Índios, foi eleito prefeito, em 1928, experiência que serviria de base para seu primeiro romance, Caetés. Ao longo da vida, ocupou distintos cargos públicos, entre eles o de diretor de Instrução Pública de Alagoas, até ser preso em 1936 – a experiência serviria de inspiração para o livro Memórias do cárcere. Em 1945, ingressou no Partido Comunista e publicou o romance Infância. Adoeceu gravemente em 1952 e morreu no ano seguinte, vítima de um câncer de pulmão.

Flipinha e Flipzona
Ana Clara Brant

Como ocorre tradicionalmente, além da programação oficial, a Flip oferece outras atividades, como a FlipMais, que reúne eventos em variados formatos – debates, projeção de filmes e shows. Na programação destaca-se conversa entre o escritor Ruy Castro e o jornalista Paulo Werneck, e um debate sobre a construção de políticas públicas de incentivo à leitura, que terá a participação de José Castilho Marques Neto e dos deputados Fátima Bezerra e José Stédile.

Atestando a diversidade e vitalidade da programação, o músico Lobão e o jornalista e crítico André Barcinski se encontram para debater rock, MPB e cultura popular. Ainda na área musical, o espetáculo Vinicius 100: palavra e música reúne os talentos reconhecidos de Zé Miguel Wisnik, Paula Morelenbaum e Arthur Nestrovski. O espetáculo traz uma seleção de canções de Vinicius de Moraes e de seus parceiros, entremeadas por histórias e pela leitura de poemas do compositor.

Outros eventos paralelos são a  Flipzona, cujo foco são os adolescentes; a OFF Flip, que abre oportunidades de intercâmbio entre autores, poetas e representantes do mercado editorial; e a Flipinha, voltada para o público infantil e que traz entre os destaques Ricardo Ramos Filho, neto de Graciliano, que participa como convidado e lança o infantil O cravo brigou com a rosa.

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