Festa Literária Internacional de Paraty, a
Flip, começa quarta-feira e homenageia Graciliano Ramos. Movimentação
política no país ganha espaço na programação
Ana Clara Brant
Estado de Minas: 01/07/2013
Há quase um ano, o escritor Graciliano Ramos foi
anunciado para ser o homenageado da 11ª Festa Literária Internacional de
Paraty (Flip), que começa depois de amanhã e vai até domingo. Na época,
houve até quem criticasse a escolha. Alguns achavam que o evento
deveria voltar seus olhos para o centenário de Rubem Braga, celebrado
este ano. Mas não teve jeito. E, curiosamente, o autor de Memórias do
cárcere, Vidas secas, Angústia e outros clássicos da literatura está
mais atual do que nunca. Notório por seu engajamento e envolvimento
político – ele chegou a ser prefeito de Palmeira dos Índios (AL) e foi
filiado ao Partido Comunista (PCB) –, sua produção reflete a inquietação
diante das injustiças sociais.
“Uma das coisas mais
interessantes na obra e na figura do Graciliano Ramos é que ele percebeu
e fez como ninguém uma literatura de crítica social. E o fez de uma
maneira única. Tem uma escrita muito peculiar, característica, marcada
pela ironia, pela concisão e até hoje ainda soa moderno. Graciliano
lutou ao longo de toda a vida para manter a liberdade de criação
artística”, observa o curador da Flip, o jornalista Miguel Conde.
A
Flip não poderia ignorar o atual momento brasileiro e preparou uma
programação extra sobre as recentes movimentações políticas que
mobilizam o país. Conde acredita que, mesmo que as mesas adicionais não
tivessem sido criadas, o assunto naturalmente iria surgir nos debates.
No entanto, desde que os protestos começaram a pipocar pelo Brasil, a
organização do evento passou a pensar em inserir o tema no evento. “Já
tínhamos cogitado alterar a programação e abrir espaço para discutir o
atual momento político. Nas novas mesas, teremos intelectuais,
economistas e jornalistas especialmente para isso. Mas o fato de o
homenageado ser um escritor marcado pela atuação política e vários
convidados também terem essa preocupação favorece a inclusão”, ressalta o
curador.
Outro ponto forte da Flip deste ano é que, mais do que
nas outras edições, ela terá convidados de fora do mundo literário, como
o crítico de arquitetura da revista New Yorker, Paul Goldberger, que
vai debater com o arquiteto português Eduardo Souto de Moura. Na área de
cinema, os destaques são os 80 anos do documentarista Eduardo Coutinho,
que participa de uma mesa-redonda, e Nelson Pereira dos Santos, diretor
do filme Vidas secas, baseado no romance de Graciliano Ramos. A
programação traz ainda a cantora Maria Bethânia, que participa de
recital em homenagem a Fernando Pessoa, na companhia da professora
Cleonice Berardinelli, uma das maiores especialistas na obra do poeta
português. Conde destaca ainda a presença do historiador de arte T. J.
Clark, que vai falar sobre o quadro Guernica, obra-prima de Picasso,
também de forte conotação política.
Mas é claro que o foco
principal é a literatura e a programação inclui nomes nacionais e
internacionais de peso, como o escritor Milton Hatoum, que fará a
conferência de abertura, na quarta-feira. Hatoum combinará relatos
pessoais de seu encontro com os livros de Graciliano com uma discussão
sobre a importância do trabalho do escritor não só para a literatura,
mas para a cultura brasileira como um todo, incluindo o cinema e a
política.
INTERNACIONAL Outras participações são
as do poeta Tamim Al-Barghouti, figura central na Primavera Árabe; a
norte-americana especialista em contos e narrativas concisas, Lydia
Davis; a franco-iraniana Lila Azam Zanganeh; o escritor norte-americano
Tobias Wolff e o norueguês Karl Ove Knausgård, que se encontram em
debate sobre a relação entre ficção e confissão.
Já o francês
Jérôme Ferrari se junta ao brasileiro Daniel Galera para refletir sobre
elemento em comum das obras de ambos: a atualização de temas ligados à
tragédia clássica, como o conflito entre ação humana e predestinação.
Zuca Sardan e Nicolas Behr, dois grandes satiristas brasileiros das
últimas décadas, discutirão um estilo que ironiza consensos e costumes,
de forma poética e caricata, utilizando os recursos próprios da poesia,
marcada pela invenção verbal e gráfica.
Gilberto Gil também está
de volta à Flip. Além de fazer o show na noite de abertura, o cantor e
compositor vai participar de uma mesa ao lado da socióloga Marina de
Mello e Souza. Uma ausência sentida é a do romancista francês Michel
Houellebecq, considerado um dos principais nomes desta edição e que,
pela segunda vez, cancelou sua participação, alegando problemas
pessoais.
11ª Festa Literária Internacional de Paraty
De 3 a 7 de julho. Informações e programação completa: www.flip.org.br
O velho Graça
Ana Clara Brant
Os 60 anos de morte
de Graciliano Ramos (1892-1953) vão nortear a Flip 2013. Um dos
principais estudiosos de sua obra, o professor de teoria da literatura
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diretor da Editora
UFMG, Wander Melo Miranda, ressalta o trabalho do autor alagoano no
trato com a linguagem, não só na questão artística, como na dimensão
ética. E lembra também que o escritor ainda tem muito a dizer sobre o
Brasil, por isso é tão atual. “Assim como Carlos Drummond de Andrade e
João Cabral de Melo Neto, Graciliano tratou a questão política, porém
não a política datada, para entender e tentar explicar algo maior. A
temática de sua obra também é muito importante e ele conseguiu ver e
retratar a grande diferença que separa os indivíduos. Ele tem essa
compreensão do outro. Enxerga o outro da maneira como ele realmente é e o
compreende”, comenta Wander.
Autor de romances consagrados como
Vidas secas, São Bernardo e Angústia, Graciliano Ramos nasceu em 27 de
outubro de 1892, no município de Quebrangulo, em Alagoas. Viveu a
juventude entre Palmeira dos Índios, ajudando o pai numa loja de
tecidos, e o Rio de Janeiro, onde foi revisor em jornais. De volta a
Palmeira dos Índios, foi eleito prefeito, em 1928, experiência que
serviria de base para seu primeiro romance, Caetés. Ao longo da vida,
ocupou distintos cargos públicos, entre eles o de diretor de Instrução
Pública de Alagoas, até ser preso em 1936 – a experiência serviria de
inspiração para o livro Memórias do cárcere. Em 1945, ingressou no
Partido Comunista e publicou o romance Infância. Adoeceu gravemente em
1952 e morreu no ano seguinte, vítima de um câncer de pulmão.
Flipinha e Flipzona
Ana Clara Brant
Como ocorre
tradicionalmente, além da programação oficial, a Flip oferece outras
atividades, como a FlipMais, que reúne eventos em variados formatos –
debates, projeção de filmes e shows. Na programação destaca-se conversa
entre o escritor Ruy Castro e o jornalista Paulo Werneck, e um debate
sobre a construção de políticas públicas de incentivo à leitura, que
terá a participação de José Castilho Marques Neto e dos deputados Fátima
Bezerra e José Stédile.
Atestando a diversidade e vitalidade da
programação, o músico Lobão e o jornalista e crítico André Barcinski se
encontram para debater rock, MPB e cultura popular. Ainda na área
musical, o espetáculo Vinicius 100: palavra e música reúne os talentos
reconhecidos de Zé Miguel Wisnik, Paula Morelenbaum e Arthur Nestrovski.
O espetáculo traz uma seleção de canções de Vinicius de Moraes e de
seus parceiros, entremeadas por histórias e pela leitura de poemas do
compositor.
Outros eventos paralelos são a Flipzona, cujo foco
são os adolescentes; a OFF Flip, que abre oportunidades de intercâmbio
entre autores, poetas e representantes do mercado editorial; e a
Flipinha, voltada para o público infantil e que traz entre os destaques
Ricardo Ramos Filho, neto de Graciliano, que participa como convidado e
lança o infantil O cravo brigou com a rosa.
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