segunda-feira, 1 de julho de 2013

Marcos Augusto Gonçalves

folha de são paulo
'Que se vayan todos!'
Insatisfação com governantes mostra que PT perdeu capacidade de se descolar da "política tradicional"
Na semana passada sugeri que o solo das insatisfações que desfilam pelas ruas do país seria sobretudo o mal-estar urbano --e as respostas, portanto, deveriam partir mais do âmbito local do que da política central. Está claro, entretanto, que a insatisfação difusa catalisada pelo aumento da tarifa e pela violência policial também se dirigiu violentamente contra governos e políticos, como demonstram as pesquisas Datafolha.
A dúvida é se temos, nesse plano, uma rejeição mais de forma ou de conteúdo. O que se rechaça são partidos e mediações da democracia representativa ou o modo como atuam? Ou ambos?
A "Economist" dedicou capa na semana passada aos protestos que pipocaram pelo mundo. Para a revista, as manifestações de 2011 guardam entre si muito em comum, da mesma forma que nos anos insurrecionais de 1848, 1968 e 1989.
Num clima descrito pela reportagem como de "festa e raiva", manifestantes de São Paulo, Istambul ou Sofia estariam juntos no repúdio à corrupção, à ineficiência e à arrogância das autoridades no poder --e isso diz respeito a democracias.
Como os protestos acontecem em países que adotam diferentes sistemas, o problema parece ser menos de reforma política e mais de fundo: seja qual for o modelo representativo, políticos e partidos perdem identidade, se dissociam das demandas da sociedade e se aferram ao poder.
No Brasil, o PT surgiu como promessa de mudar o padrão. Mesmo que se discordasse da coloração esquerdista das propostas da sigla, havia no início uma impressão geral de que o discurso contra a "política tradicional" era uma novidade para valer.
Mas, com a conquista do poder, também o PT esqueceu o que tinha escrito. A "realpolitik" passou a reinar, justificada pela urgência de implementar uma pauta de desenvolvimento e combate à pobreza. E de fato isso ocorreu. O país aproveitou o ciclo mundial favorável, soltou o crédito e cresceu. A oferta de emprego disparou e houve um notável processo de inclusão --menos pela cidadania e mais pelo consumo.
Ocorre que nesse processo o PT perdeu justamente sua capacidade de se diferenciar da "política tradicional". O partido comprou o apoio dos "picaretas com anel de doutor", andou para lá e para cá com dinheiro na cueca, aliou-se a antigos inimigos e transformou o Estado num assentamento onde lobões, sarneys, collors e calheiros não têm o que temer --e podem continuar tomando conta do galinheiro.
Falar contra a corrupção tornou-se "udenismo", categoria do tempo do Simca Chambord, e Lula nos explicou que na nossa política "até Jesus teria que se aliar a Judas". Palmas! "O que importa é que somos uma nova potência global", justificavam os militantes.
Será?
O tempo passou, os ventos mudaram, a economia esfriou e aumentou a percepção de que ainda estamos muito longe de chegar lá em matéria de educação, saúde, transporte, segurança. As coisas, sim, melhoraram, mas o discurso oficial criou um bônus artificial, aquilo que o sociólogo Fernando Henrique Cardoso chamou de "camada virtual de bem-estar". Como assinalou com humor o editorial de ontem desta Folha, parece que éramos infelizes e não sabíamos.
Nesse cenário de descrédito e indiferenciação, prevalece o sentimento que se manifesta no famoso slogan: "Que se vayan todos!"

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