Contribuições de 865 admiradores permitem a gaúcho tirar projetos do papel
Milton Nascimento, Ney Matogrosso, o uruguaio Jorge Drexler e o argentino Fito Páez participam do álbum
Desde o começo dos anos 1990, quando voltou de longa temporada no Rio para a cidade onde nasceu, o artista mantém uma carreira prolífica, independente e alimentada por uma base fiel de fãs.
Fidelidade essa que foi posta à prova no ano passado, quando Ramil se lançou numa experiência até então inédita em sua trajetória: a de crowdfunding, financiamento coletivo pela internet.
A proposta era produzir um songbook com 60 de suas canções e um disco duplo com 32 delas ("Foi no Mês que Vem"), o décimo de sua carreira. Em três meses, 865 fãs de oito países toparam. O montante arrecadado chegou a R$ 85 mil, R$ 15 mil a mais do que pedira.
"Tinha medo de que parecesse caro. Vi que muitos projetos do tipo não deram em nada pelo que, acho, era excesso do artista", disse ele à Folha por telefone, sobre as cotas que iam de R$ 10 a R$ 30 mil. "Foi algo sobre o qual pensei bastante até encontrar um termo que achei que seria justo."
A resposta não chegou a impressioná-lo, embora o tenha enchido de gratidão.
A carreira de Ramil é repleta de histórias curiosas relacionadas a fãs. Como a de uma senhora que comprava caixas de discos seus para mandar a lojas em cidades onde não era possível adquiri-los, só para que a obra dele fosse mais conhecida.
Seu processo de criação musical mais lembra o de escritores, de recolhimento e depuração do próprio repertório, rearranjando-o, encontrando outros modos de cantá-lo e tocá-lo. "Minha ideia era gravar um disco inteiramente acústico, mas, aos poucos, percebi que poderia soar só como acessório do songbook. E não era isso, podia ser algo maior", conta. E foi.
Entre convidados como Milton Nascimento, Ney Matogrosso, o uruguaio Jorge Drexler, os argentinos Fito Páez e Pedro Aznar, canções marcantes da carreira de Ramil como "Estrela, Estrela", "Loucos de Cara", "Astronauta Lírico" e "Neve de Papel" foram reinterpretadas com arranjos voltados sobretudo para o violão, seu instrumento de predileção.
"A própria escolha das músicas se deu muito pela afinidade que cada uma delas tinha com o instrumento", conta, sobre o trabalho de garimpagem que o permitiu "cortar excessos", como chama a miríade de baixos, baterias e teclados, substituídos por violões de afinações variadas, timbres cristalinos, além de percussão e cordas.
É, de certo modo, a radicalização do que se anunciava em "Délibáb", disco de 2010, em que dividia com o violonista argentino Carlos Moscardini os arranjos dos poemas que musicou do argentino Jorge Luis Borges e do gaúcho João da Cunha Vargas.
Como o disco anterior, "Foi no Mês que Vem" foi gravado em Buenos Aires e mixado nos EUA. "É um trabalho de fronteiras abertas", diz. Fito Páez gravou sua participação em casa, na companhia do cantor, em Buenos Aires; Jorge Drexler, num quarto de hotel durante uma breve passagem pelo Uruguai (ele vive na Espanha). Do Rio, vieram as vozes de Ney Matogrosso e Milton Nascimento.
Ramil tem ainda a companhia de Ian e Isabel, seus filhos, ela lendo um trecho em francês do escritor Paul Valéry, na canção "Noa Noa".
"Já me disseram que formei meu pequeno Clube da Esquina. Tem um pouco a ver", compara ele.
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