domingo, 18 de novembro de 2012

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Aos senhores de além-mar


AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Aos senhores de além-mar Invistam não apenas na produção de livros, mas também na produção de leitores 


Estado de Minas: 18/11/2012 
Vi um filme de Roberto Rosselini sobre a Renascença italiana. Foi feito para a televisão e, portanto, é muito didático. Fica explícito que a chamada globalização não começou hoje. Naquele tempo, a família Médici tinha agências bancárias em várias cidades europeias e o capital estava na mão de famílias florentinas. Bem, também se diz que a Companhia das Índias Ocidentais e a Companhia de Jesus foram grandes multinacionais. 

Coincidentemente, um amigo publicitário me diz que praticamente todas as agências de publicidade brasileiras foram compradas por estrangeiros. Eu sabia que seguradoras e planos de saúde entraram na mira da globalizacão. Então, candidamente, perguntei a meu amigo qual é o interesse dessas firmas estrangeiras. Ele explicou-me que era uma questão de alinhamento. Está aí a palavra mágica para, finalmente, entendermos a globalização: alinhamento. Nosso consumo está sendo “alinhado”. O consumo e a produção. Quem não se alinhar morre. Inclusive nas artes.

Então, me pergunto: qual a relação entre isso e a notícia que li, de que as editoras estrangeiras estão comprando as editoras brasileiras? Qual a relação disso com o fato de a Amazon ter feito contrato com várias editoras brasileiras para servir o Kindle? Poder-se-ia pensar que isso se deve ao fato de que o governo brasileiro talvez seja o maior comprador de livros do mundo, logo as editoras estrangeiras querem participar desse bolo. Isso é verdade. Mas não é tudo. Faltava uma palavra nessa engrenagem, e a palavra foi-me dada de graça por aquele amigo: alinhamento, como se faz com as rodas de um carro. 

Estou escrevendo e uma amiga me conta que em sua empresa todos os diretores são estrangeiros. Tem neozelandês, coreano, colombiano etc. Eles ficam por três anos. Depois, ou são promovidos ou demitidos. Rotatividade. Indivíduos alinhados.

Dito de outra forma: estamos sendo alinhados de fora para dentro. O guloso capital estrangeiro é irresistível. Como na paisagem marinha o peixe grande come sempre o pequeno, no oceano dos negócios as super e megaempresas devoram as sardinhas e os plânctons.

Mas queria dizer outra coisa, além dessa constatação líquida e certa. Queria mandar um recado às grandes editoras estrangeiras que estão nos devorando e nos fazendo ler o que querem vender. A coisa é a seguinte: o Brasil tem 200 milhões de pessoas, e ninguém sabe quantos são os leitores. As estatísticas variam muito. Um megabest-seller talvez não venda 1 milhão de livros. Mas sejamos otimistas. Se houvesse 10 milhões de leitores, poderíamos perguntar: onde estão os outros 190 milhões? Ok, tirem 20 milhões de analfabetos, as crianças que não sabem ler e certos deficientes. Talvez tenhamos um potencial de 150 milhões de leitores? 

Aí começo a me aproximar da cândida proposta que farei: dizem as estatísticas que o Brasil é o nono mercado editoral do mundo. Pergunto: como assim, se não temos nem 10 milhões de leitores? Então essas editoras estão interessadas apenas nesse nicho tão pequeno? 

Escutai-me, senhores de além-mar!
O senhores não querem ganhar mais? Por que não investem nos outros 150 ou 190 milhões de possíveis leitores? Iriam ganhar 1.500% a mais. É um belo negócio. Como fazer isso? É simples: invistam não apenas na produção de livros, mas também na produção de leitores. Procurem os especialistas na produção de leitores. Eles estão por aí à disposição, com uma tecnologia preciosa.

De resto, fala-se muito na emergência da classe C com seus 40 milhões de pessoas. A TV e os jornais só pensam nisso. Por que vender só televisão e geladeira para eles? 

Senhores de além-mar e senhores de aquém-terra: 190 milhões de possíveis leitores vos esperam.

Nenhum comentário:

Postar um comentário