Felizes, mas muito pobrinhos
CÁDIZ - Por mais que os países latino-americanos tenham se apresentado para a 22.a Cúpula Iberoamericano como os melhores alunos da classe, na comparação com os dois parceiros ibéricos, Espanha e Portugal, enfiados numa crise que parece não ter fim, o fato é que estão felizes mas são ainda muito pobrinhos.
Mesmo em recessão, "o nível de bem estar [na Europa em geral] é muito maior".
Não só é maior como é mais justamente distribuído, até porque a América Latina "é a região mais desigual do mundo", como fez questão de ressaltar Alícia Bárcena, a secretária-executiva da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina, braço da ONU).
O que mais dói, para quem acompanha cúpulas internacionais há uns 30 anos, é ouvir uma frase como essa ano após ano, cúpula após cúpula.
Dói mais ainda quando se somam duas informações:
1 - O Brasil, apesar de ser o país mais rico do subcontinente, é um dos mais desiguais.
2 - A queda da desigualdade, no Brasil, diminuiu nos últimos 10 anos apenas entre salários, não entre o rendimento do capital e do trabalho, que é a mais obscena.
Desigualdade não é o único capítulo em que a América Latina, conjunturalmente feliz, precisa progredir -e muito.
A tributação, por exemplo, "é baixa para proporcionar serviços públicos de qualidade, que atendam à demanda social", como diz Ángel Gurría, secretário-geral da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), o clubão dos países desenvolvidos, do qual o Brasil só não é parte porque não quer.
Os impostos, na região, pularam de 14% para 19% do Produto Interno Bruto, entre 1990 e 2010, em grande medida pelo que ocorreu no Brasil. Ainda assim, é uma porcentagem baixa, se comparada aos 34% da média da OCDE. Mas, atenção, aqui o Brasil não entra na foto geral: tanto ele como a Argentina arrecadam basicamente os 34% dos países ricos.
Pena que não ofereçam serviços públicos do nível dos países desenvolvidos. Só cabe uma conclusão: dinheiro existe, falta empregá-lo de maneira correta.
Pulemos para educação: 50% dos estudantes latino-americanos não alcançam os níveis mínimos de compreensão de leitura, nos testes internacionais, quando, no mundo rico, a porcentagem de fracassados é de 20%.
Passemos ao investimento em inovação e tecnologia: não supera nunca de 0,7% do PIB, quando na Coreia, por exemplo, é de 3%. "Se não corrigirmos o rumo, seremos todos empregados dos coreanos", fulmina Gurría. Poderia ter acrescentado "ou dos chineses", que investem nessa área vital tanto quanto os coreanos.
Mais um dado: a América Latina está investindo 2% de seu PIB em infraestrutura, quando precisaria de 5%, ano a ano, até 2020, pelas contas de Gurría. Nem preciso acrescentar que infraestrutura não é exatamente o forte do Brasil, por mais que se lancem PACs e Copas e Olimpíadas.
Para fechar: Alícia Bárcena lembra que a conexão de banda larga custa US$ 25 na América Latina, apenas US$ 5 na Europa e, na Coreia, US$ 0,05.
Moral da história: estamos rindo do que?
crossi@uol.com.br
Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às terças, quintas e domingos no caderno "Mundo". É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo" e "O Que é Jornalismo". Escreve às terças, quintas e domingos na versão impressa do caderno "Mundo" e às sextas no site.
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