Robert Wilson e "Macbeth"
MEU TEATRO É um teatro formal. Para mim, no teatro, todos os elementos são igualmente importantes: movimento, dança, gesto, figurino, maquiagem, arquitetura, escultura, design, luz, texto, música... Todas as artes estão juntas no teatro. Pode-se chamar isso de "Gesamtkunstwerk", como disse Richard Wagner, ou de "Teatro Épico", como chamou Bertolt Brecht. "Ópera" vem da palavra latina para trabalho: "opus", tudo junto.
Minhas primeiras peças eram "óperas silenciosas" (como disse a crítica especializada francesa); como "Deafman Glance", uma peça de teatro com sete horas de duração e nenhuma palavra, "O Rei da Espanha", com 12 horas de duração, ou "KA MOUNTain and GARDenia Terrace", uma peça criada no Irã com duração de sete dias. "A mais bela música pode ser encontrada no silêncio", como nos ensina John Cage. O silêncio tem um ritmo. Tem música. Então, você pode acrescentar camadas: um instrumento, uma orquestra, um cantor, o público. Eu sempre procuro primeiro encontrar uma estrutura. É como na dança: uma estrutura visual, uma construção no espaço e no tempo.
Muitos diretores cênicos tendem a estudar somente o texto buscando encenar a peça ou ópera a partir dele. Na cultura ocidental, como disse André Malraux, o teatro "foi circunscrito pela literatura". O teatro de Bali, o Katakali indiano, a ópera de Pequim ou o teatro nô do Japão: são todos formais. O movimento de uma mão ou dos olhos, como você se porta no palco ou senta-se nele como músico são estudados como uma linguagem formal. Talvez a coisa mais difícil seja como se portar no palco. Grande parte dos atores e cantores ocidentais não têm consciência disso. Você precisa conhecer o seu corpo.
Para mim, todo teatro é dança. Como Buster Keaton ou Charlie Chaplin: é tudo ritmo. Há um vocabulário ensaiado muitas e muitas vezes. Então o movimento fica mecânico e te dá liberdade. Em ópera, meu principal objetivo é facilitar a escuta da música através daquilo que se vê; do contrário, melhor seria ouvir uma gravação num CD ou simplesmente fechar os olhos sentado na plateia de um tetro lírico.
Eu não estou interessado em psicologia no palco. Não tenho uma "mensagem". Não busco uma "interpretação". Minha responsabilidade ou a dos atores não é de impor uma "ideia" para o espectador. Eu nunca disse a um ator ou cantor o que ele deveria pensar ou sentir. Vivenciar algo é uma maneira de pensar; isso nos fala à respeito a filosofia zen. Sigo isso e procuro me manter aberto.
Eu odeio "atualizar" uma ópera: representar "Macbeth" num supermercado para fazê-la parecer mais "moderna" não faz sentido para mim. Respeito aquilo que o compositor escreveu na partitura. No seu "Macbeth", Giuseppe Verdi foi muito fiel a Shakespeare. Isso é impressionante, pois Shakespeare também escreveu música. O difícil é encontrar o seu caminho: respeitar o mestre, porém, evitando ser escravo dele.
"Macbeth" é como um prisma: contém muitas facetas. Isso que a faz interessante. É uma trama muito obscura, cheia de violência. E é uma tragédia. Então, deve estar cheia de luz. A ópera de Verdi é muito precisa, não tem uma única palavra ou nota supérflua, é muito concentrada e muito complexa. Para permitir que essa força caminhe, você precisa ser muito cuidadoso para não dizer um milhão de coisas ao mesmo tempo. A superfície deve ser simples e acessível. Então, a complexidade pode ser revelada. Não é que não haja sentido, está repleta de sentido. Há uma citação da peça de Shakespeare que me impressiona -Verdi incorporou-a na ópera. No momento no qual Macbeth é informado da morte da esposa, eis sua reação:
"A vida é apenas uma sombra ambulante, um pobre ator,/ que se exibe e se agita no palco por um tempo./ Então, não se ouve mais nada dele: era apenas uma fábula/ contada por um idiota, cheia de som e fúria,/ que não significa nada."
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SOBRE O TEXTO O dramaturgo e encenador americano Robert "Bob" Wilson encerra sua temporada em São Paulo com a estreia mundial de "Macbeth" de Verdi, que no ano que vem será montada na Itália, por ocasião do bicentenário de nascimento do compositor. Neste texto, que a "Ilustríssima" traz em primeira mão, foi escrito por Wilson para o catálogo da ópera, que será encenada no Theatro Municipal nos dias 23, 25, 27 e 29 deste mês. Wilson está em cartaz com "Lulu" até hoje, no Sesc Pinheiros.
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