Bruna Senseve
Estado de Minas: 18/11/2012
O funcionamento de um órgão humano completo simulado em apenas um microchip. Essa é a base do trabalho de um grupo de pesquisadores do Instituto Wyss para Engenharia Biologicamente Inspirada, da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. A equipe do professor de bioengenharia Donald Ingber foi responsável, há dois anos, pelo desenvolvimento do primeiro pulmão em chip, nome dado por eles a um microdispositivo capaz de imitar fielmente as funções de um pulmão humano. Em artigo recém publicado na revista Science Translational Medicine, os cientistas dão um passo à frente na fabricação de órgãos eletrônicos. Conseguiram, pela primeira vez, imitar nesse instrumento os efeitos de um problema pulmonar e, com isso, testar os efeitos de futuras medicações.
Normalmente, um medicamento desenvolvido em laboratório pode levar no mínimo duas décadas para chegar ao uso clínico. Antes de ser aprovado e receitado por médicos, ele precisa ser submetido a uma série de testes de segurança, de eficiência, de possíveis efeitos colaterais em animais e em humanos. A ideia nos dispositivos criados por Ingber é substituir a etapa com animais ou, pelo menos, fazer com que o tempo de experimento seja reduzido com o teste prévio de substâncias.
O microdispositivo consiste em dois tipos de células de pulmão humano cultivadas pelos pesquisadores em microcanais paralelos, separados por uma fina membrana que corresponderia, no pulmão humano, à pleura — uma membrana que reveste os pulmões externamente. Assim como no órgão humano, o canal superior “alveolar” foi preenchido com ar e o canal inferior “microvascular” com líquido. Para imitar o movimento de respiração do órgão, o vácuo foi aplicado de forma cíclica nos dois lados dos canais. Os pesquisadores, então, adicionaram uma substância chamada interleucina-2 (IL-2) no canal “microvascular” do sistema, causando o vazamento de líquido para o compartimento de ar. O processo reproduz o edema pulmonar diagnosticado por médicos.
Uma tensão mecânica cíclica foi introduzida pela interleucina-2, comprometendo ainda mais a barreira pulmonar e conduzindo a um aumento de três vezes do edema. Como esperado, a adição de angiopoietina-1 estabilizou o funcionamento da membrana e inibiu o vazamento vascular induzido pela IL-2. O bom resultado deixa Ingber animado em direção ao seu objetivo final: ligar esse órgão a outros chips baseados em órgãos como coração, fígado e pâncreas, e, um dia, fazer com que os dispositivos sejam capazes de rapidamente rastrear drogas e condições prejudiciais à saúde do paciente. “Estamos atualmente trabalhando em 10 diferentes chips de órgãos humanos com o objetivo de vinculá-los e criar um corpo humano em um chip. As interações entre órgãos são fundamentais para a compreensão da toxicidade e da eficácia de drogas”, diz o pesquisador.
Ele acredita que é possível modelar as facetas de praticamente todos os órgãos do corpo humano em um chip, mas reconhece que há limitações. Seria possível, por exemplo, modelar a medula óssea e até projetar a remodelação óssea, mas não a capacidade de carga mecânica em grande escala de grandes ossos inteiros. “Tentamos modelar a barreira sangue/cérebro e podemos ser capazes de modelar alguns circuitos neuronais, mas a modelagem da complexa estrutura do cérebro vai além das capacidades atuais”, explica.
Segundo o líder do Núcleo de Bioengenharia da Universidade de São Judas Tadeu, Carlos Antonio da Rocha, o período em que os pesquisadores buscam fabricar órgãos interligados — cerca de cinco anos — ainda é curto, mas os resultados trazidos no artigo são um grande passo. “O grande problema é que, para construir esses chips, é preciso garantir que eles reproduzam o comportamento do tecido humano, e muito desse comportamento a gente não conhece.”
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