Zero Hora:18/11/2012
A verdade é que eu era mais valente, antes do meu filho nascer. Eu vivia repetindo: “A vida é boa, a vida é boa”.
E é.
Mas você tem um filho, e começa a sentir medo. Está tudo certo com o
seu filho e com a sua vida, mas você fica pensando em todos os perigos
do mundo, nos malditos vírus e nas bactérias insidiosas que pairam no
ar, nos bandidos cruéis sob os semáforos, sei lá. Você pensa no futuro,
porque o seu filho está nele, no futuro, e você quer que tudo dê certo.
Mas é uma ilusão. O medo é uma ilusão. O futuro é uma ilusão. Porque
você está levando em consideração as coisas ruins da vida, quando pode
levar em consideração as coisas boas.
Por exemplo: o chope.
Pense no chope. É no que temos de pensar a partir de agora, quando
estamos em meados de novembro. Os dias quentes estão retornando em toda a
sua glória, o que significa que chopes urgem.
Pois bem.
Reflita sobre essa palavra curta e redonda. Chope. O que lhe veio à
mente? As batidas da balada segura? As multas de dois mil reais? Os
bêbados irresponsáveis que espancam a mulher e atormentam os filhos? Ou
você imaginou um copo de chope cremoso e dourado e gelado e sentiu o
primeiro gole deste chope rolando-lhe garganta abaixo e você até emitiu
um suspiro, aaaaaah!, e estalou os lábios e viu-se a olhar para os
amigos em torno à mesa e a sorrir para eles e a proferir:
– A vida é boa!
Foi no que você pensou? Maravilha. É assim que é, rapaz. Esse é o
espírito dos dias cálidos e luminosos que se aproximam. Seu coração
também há de se tornar cálido e luminoso. Olhe para o seu filho e, mais
uma vez, pense no chope. Não nos malefícios do chope exagerado, que o
chope engorda e embriaga, não, mas nos chopes que ele ainda vai tomar,
nos sorrisos dos amigos dele para os quais ele vai sorrir. Eis o futuro.
Eis uma boa ilusão.
A morte da aranha
A natureza pródiga dotou a vespa-caçadora de um poderoso ferrão
envenenado. Se um homem se atravessa no seu caminho e ela se irrita e
lhe aplica uma ferroada, a dor que o homem sentirá será uma das mais
agudas que um homem pode sentir.
Mas a vespa-caçadora não se interessa por seres humanos. Ela se
interessa por aranhas. A vespa-caçadora é grande, para uma vespa: mede
cerca de cinco centímetros. Uma tarântula, porém, pode chegar a 30
centímetros - imagine uma aranha do tamanho de um prato vindo na sua
direção.
Certo.
Só que a vespa-caçadora não tem medo dela. Ao contrário: ela PREFERE
as tarântulas. Então, a vespa-caçadora se aproxima sorrateiramente da
tarântula e, ZÁS!, finca-lhe o ferrão. Uh, deve ser uma dor
insuportável. Mas a aranha não morre, apenas fica paralisada como se
fosse a zaga do Palmeiras. Então, a vespa a arrasta para a sua toca e
põe o ovo sobre ela – importante frisar que esta é a vespa fêmea, o
macho é muito mais tranquilo, não sai por aí atacando aranhas.
Assim, o ovo está em cima da aranha imobilizada. Quando o ovo
eclode, sai de dentro dele uma larva nojenta, que passa a sugar os
fluidos do corpo da aranha a fim de se alimentar. A larva toma o cuidado
de não comer nenhum órgão vital. Ela não quer matar a tarântula, pois
só assim o alimento continuará fresco e nutritivo. Ou seja: a aranha é
DEVORADA VIVA.
Eis a beleza da mãe natureza.
Onde aprendi isso? Num livro do meu filho de cinco aninhos de idade:
“As 100 coisas mais nojentas do planeta”. São essas coisas que estão na
cabeça das criancinhas hoje em dia. Acho que não preciso, mesmo, me
preocupar com o futuro.
O QUE LER - O tigre na sombra
Lya Luft escreveu um romance curto, porém denso. “O Tigre na
Sombra”, publicado pela Record, tem pouco mais de 120 páginas, mas em
cada uma Lya deixa pistas sombrias dos dramas do inconsciente dos
personagens. A tensão vai gotejando da narrativa, fazendo com que o
leitor aos poucos seja capturado pelo clima da história e siga adiante
sem parar, num fôlego só.
Lya intercala a história com belos poemas. Destaco um, para acicatar sua curiosidade:
No fundo do corredor
um espelho em pé é uma casa
de vidro;
um espelho deitado é um mar,
abismo.
Em ambos algo me observa
lambendo calmamente as patas.
Ele é a vida e a morte,
reais
ou com disfarces bizarros:
quem se importa com a verdade?
Ela é sempre invenção de alguém.
(E os olhos do meu tigre
são azuis.)
AQUELE LUGAR - Cali
Antes de conhecer Cali, se alguém mencionasse esse nome, “Cali”, eu pensava imediatamente em “Cartel”.
Cartel de Cali.
Aí, em 2001, conheci Cali. A partir de então, a associação de ideias
que faço, ao ouvir o nome da cidade, é com “alegria” ou “música” ou
“dança”.
Se bem que dança, no caso, não me é favorável. Pelo que vou contar a seguir, dois pontos:
Ocorre que a música se evola pelas ruas de Cali. Você passa pela
frente de um bar, qualquer bar, e ouve aqueles ritmos latinos. A rumba. A
salsa. O merengue.
Os calenhos estão sempre dançando.
Bem ao lado do hotel em que me hospedei havia um desses bares. O
lugar estava sempre lotado. Ouvia a música que saía dali e as risadas e
tudo mais. Pensava: isso deve ser muito divertido, quando puder vou dar
uma conferida.
Bem. Uma noite, foi o que fiz. Entrei no bar. E, no primeiro minuto
de jogo, fiquei embasbacado. Todos dançavam e gargalhavam e bebiam e era
tudo muito colorido. Alguns casais dançavam em cima das mesas e dos
balcões. Não era uma orgia, entenda: era uma festa de alegria
despreocupada. Uma autêntica festa calenha.
Não tinha dado dois passos para dentro do lugar e uma daquelas
morenas colombianas me pegou pela mão e me puxou para dançar. Uau, ela
dançava e sorria e rebolava com vasta flexibilidade, era uma enguia com
coceira. Mas, no meio da música, ela me disse em espanhol:
– Tu não sabes dançar!
E eu: – É... Bem... Quer dizer...
Não tive de explicar nada. Em um segundo, ela se soltou de mim e foi ondulando em direção a outro cara mais dançante.
Moral da história: se você for a Cali, não precisa ter medo do Cartel, mas aprenda a dançar.
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