Tereza Cruvinel
Estado de Minas: 18/11/2012
Depois da popularidade alcançada com o julgamento do mensalão, o STF não pode parar. Ainda mais com o justiceiro Joaquim Barbosa na presidência. Questões para todos os públicos e gostos aguardam decisões. A Corte prometeu examinar, logo depois da Ação Penal 470, o mandado de segurança impetrado pelo procurador-geral, Roberto Gurgel, contra a representação do senador Fernando Collor de Mello ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), acusando-o de prevaricação, improbidade administrativa e crime de responsabilidade. Num Congresso em que quase todos temem levar “mandiocadas” do Supremo e do procurador, temos o presidente da Câmara sustentando que é da Casa, e não do STF, a prerrogativa constitucional de cassar mandatos de deputados, e o senador Fernando Collor duelando com o procurador por meio de seis ações judiciais. Tratamos, na coluna passada, da briga dos mandatos. Empossado, Barbosa pretende aprovar a cassação dos condenados pelo STF e o embargo da posse de José Genoino como deputado suplente, até que sua condenação complete o trânsito em julgado. Vejamos como anda o duelo Collor x Gurgel.
Na instalação da CPI do Cachoeira, Collor descobriu que, dois anos antes da Operação Monte Carlo, que levou à prisão do bicheiro, o procurador-geral havia recebido o inquérito da Operação Vegas, já apontando a ação da quadrilha e o envolvimento do ex-senador Demóstenes Torres e de dois deputados. Por haver no processo essas três autoridades com direito ao foro especial, tal como no caso do mensalão, a denúncia teria que ser feita ao STF. E quem tem a prerrogativa exclusiva para isso é o procurador-geral. Mas ele não apresentou a denúncia nem pediu o arquivamento, por falta de provas, no que toca aos parlamentares, devolvendo o inquérito à origem para tramitação em foro comum. À CPI, Gurgel justificou sua calma: não encontrou na Operação Vegas “fato penalmente relevante” para uma denúncia ao STF. Não pediu o arquivamento ao Supremo, relativamente aos parlamentares, porque a tramitação poderia revelar a existência das investigações. Algum ministro vazaria a informação? Optou por “sobrestar o inquérito no intuito de possibilitar a retomada das interceptações telefônicas e da investigação”. Isso ocorreu, mas não a pedido do procurador, sustenta Collor. Um ano depois, por outras razões, a Polícia Federal realizou a Operação Monte Carlo e prendeu Cachoeira.
Não convencido e achando tudo muito grave, em junho Collor entrou com a representação, amplamente noticiada, no CNMP, que, como se sabe, é o órgão fiscalizador do Ministério Público, ao passo que o CNJ fiscaliza o Poder Judiciário. “Estranhamente, diante desses indícios, o representado permaneceu inerte, o que permitiu a continuidade da atuação da organização criminosa, livre de qualquer óbice”, disse, na representação em que acusa o procurador de ter prevaricado e cometido crime de responsabilidade.
Gurgel recorreu ao STF alegando que, assim como os ministros daquela Corte não estão subordinados à fiscalização do CNJ (presidido, inclusive, pelo próprio presidente do STF), o procurador-geral não se sujeita à fiscalização e ao controle do CNMP. A ministra Rosa Weber concedeu uma liminar, sustando a apreciação da ação. O mérito será julgado, prometeu o tribunal, logo depois da ação do mensalão. O próprio Collor contesta a equiparação: o Judiciário é um poder de Estado, o Ministério Público não. Por fim, entrou em cena a Advocacia Geral da União com um agravo regimental, sustentando que o CNMP tem, sim, poder fiscalizatório sobre todo o Ministério Público Federal, incluindo seu chefe. Esse agravo, que busca derrubar a liminar de Rosa Weber, é que será primeiramente julgado.
A representação de Collor estende-se à subprocuradora Claudia Marques, mulher do procurador e única encarregada das matérias penais que envolvem autoridades com foro privilegiado: presidente, ministros, governadores, parlamentares. Por que “tamanha concentração de informações sigilosas, vinculadas às mais altas autoridades da República?”, pergunta o senador. Não só ele faz essa pergunta em Brasília. Mas os outros temem as “mandiocadas”.
Araguaia, essa ferida
A psicanalista Maria Rita Kehl lidera comitiva da Comissão da Verdade que está no Araguaia recolhendo informações sobre a repressão à guerrilha do PCdoB (1969–1974) e a violências contra posseiros durante e após o conflito. Muita luz jorrou sobre esse episódio a partir do livro Mata! — O major Curió e as guerrilhas no Araguaia, do repórter Leonencio Nossa (Companhia das Letras). O esforço de 10 anos de pesquisa e apuração produziu informações que ultrapassaram o já sabido sobre o conflito. E que era pouco. Os guerrilheiros foram exterminados, Curió e os vencedores sufocaram toda a memória e o PCdoB ficou na exaltação dos mártires. O autor oferece perfis humanos de Curió, dos guerrilheiros e dos moradores da região. Reconstitui as ações da guerrilha e dos militares até o completo e silencioso extermínio, com a matança e a decapitação de guerrilheiros presos ou rendidos. Faz uma pertinente remissão comparativa entre o Araguaia e Canudos, conflitos em que a truculência, a covardia e a barbárie ficaram como nódoas na história do Exército brasileiro. Leitura obrigatória no Brasil democrático, de grande utilidade para a Comissão da Verdade.
A psicanalista Maria Rita Kehl lidera comitiva da Comissão da Verdade que está no Araguaia recolhendo informações sobre a repressão à guerrilha do PCdoB (1969–1974) e a violências contra posseiros durante e após o conflito. Muita luz jorrou sobre esse episódio a partir do livro Mata! — O major Curió e as guerrilhas no Araguaia, do repórter Leonencio Nossa (Companhia das Letras). O esforço de 10 anos de pesquisa e apuração produziu informações que ultrapassaram o já sabido sobre o conflito. E que era pouco. Os guerrilheiros foram exterminados, Curió e os vencedores sufocaram toda a memória e o PCdoB ficou na exaltação dos mártires. O autor oferece perfis humanos de Curió, dos guerrilheiros e dos moradores da região. Reconstitui as ações da guerrilha e dos militares até o completo e silencioso extermínio, com a matança e a decapitação de guerrilheiros presos ou rendidos. Faz uma pertinente remissão comparativa entre o Araguaia e Canudos, conflitos em que a truculência, a covardia e a barbárie ficaram como nódoas na história do Exército brasileiro. Leitura obrigatória no Brasil democrático, de grande utilidade para a Comissão da Verdade.
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