sábado, 22 de dezembro de 2012

Capitão da nau dos sonhadores - Carlos Herculano Lopes‏

Editor dos jornais Rascunho e O Cândido, o jornalista Rogério Pereira defende o papel da literatura como elemento de transformação da vida das pessoas 

Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 22/12/2012 
Para uma pessoa que saiu de família pobre do interior de Santa Catarina, onde não tinha outra perspectiva a não ser agricultor, como os seus antepassados, a princípio a vida parece ter sido generosa para o escritor e jornalista Rogério Pereira. Fundador e editor do jornal literário mensal Rascunho, de Curitiba, hoje um dos mais importantes do país, e atual diretor da Biblioteca Pública do Paraná, para a qual também edita outro jornal voltado para as letras, O Cândido, nada disso teria acontecido se ele não tivesse ido à luta ainda criança, quando seus pais resolveram se mudar para a capital paranaense. Não tinham absolutamente nada e por isso mesmo não custava tentar a sorte.

Com contrato assinado para lançar o primeiro romance, Na escuridão, amanhã, sobre o qual está trabalhando há bastante tempo, Rogério se recorda que quando chegaram a Curitiba foram morar de favor numa chácara, onde cultivavam flores. “Eu e os meus irmãos ajudávamos nossos pais e era um trabalho bastante duro. Curitiba foi a minha salvação, se é que uma cidade seja capaz de salvar alguém e ajudar essa pessoa a construir o seu caminho. Passei minha infância entre o trabalho e a escola. Mas tenho boas lembranças desta fase da vida ”, recorda. Uma delas, que seria decisiva, ocorreu quando pediu à mãe, que era empregada doméstica na casa do então diretor do jornal Gazeta Mercantil, que pegasse para ele, no meio de uma pilha, um exemplar de um livro de poesias que o patrão iria lançar. 

Meio contrariada, ela atendeu ao estranho pedido do filho, que devorou o livro em poucas horas e algum tempo depois estava trabalhando como contínuo na Gazeta, para onde o seu pai também foi, contratado como motorista. Mas não contou nada sobre o “roubo” do livro para o novo patrão. “Éramos um bando de ignorantes sustentados pela palavra escrita de um jornal de economia. Fiquei ali durante oito anos, estudei filosofia e jornalismo. O convívio com o jornal e com os jornalistas me tirou da escuridão, vi que havia um mundo possível, algo além da casa de madeira e do terreiro pedregoso da chácara onde fomos morar”, reconhece Rogério, já então disposto a apostar todas as fichas nos livros, na educação e na palavra escrita.

 Repórter da Gazeta Mercantil durante três anos, em seguida foi diretor de redação de um jornal popular de Curitiba, do qual saiu para chefiar a redação da Gazeta do Povo, o principal jornal do Paraná, até que, em 1999, surgiu a oportunidade de ir para a Espanha fazer pós-graduação em comunicação e gestão política na Universidade Complutense de Madri. “Ao voltar para Curitiba, fui trabalhar na assessoria de imprensa da prefeitura, o que era bastante chato e sem sentido. Foi quando propus ao Jornal do Estado a publicação de uma coluna sobre livros e, em seguida, sugeri a criação de um suplemento literário mensal. O jornal aceitou. Reuni um grupo de amigos e começamos a projetar o Rascunho, de início com oito páginas, no qual pudéssemos expor as nossas ideias”, recorda o escritor. 

 Novamente as coisas se encaminharam bem e hoje o Rascunho, que é mensal e se tornou independente, tem 32 páginas, cerca de 30 mil leitores (nas versões impressa e on-line) e circula em todo o país. Mas nem tudo foi fácil, como à primeira vista pode parecer. Rogério, que se autoproclama apenas o “comandante da fragata”, reconhece que o jornal há muito já teria naufragado não fosse o esforço e o talento dos colaboradores. Entre eles, nomes de peso como José Castello, Affonso Romano de Sant’Anna, Nelson de Oliveira, Raimundo Carrero e Carola Saavedra entre vários outros. “O que mais faz falta ao Rascunho é dinheiro, patrocinadores, anunciantes. De resto, tudo é bastante simples. O detalhe é que nenhum dos colaboradores ganha nem um tostão. Este é o segredo do nosso sucesso: a cumplicidade desta seita de malucos que acredita que a literatura tem alguma importância”, diz o editor.
 
Biblioteca Sobre a experiência como diretor da Biblioteca Pública do Paraná, cargo que assumiu ano passado, Rogério Pereira diz ser sua primeira experiência como gestor público. Mas está gostando. “Creio que é possível interferir positivamente na vida de milhares de pessoas. O problema do serviço público é que as pessoas passam mais tempo reclamando da burocracia e da corrupção do que pensando em encontrar alternativas”, diz. Para a biblioteca, valendo-se da experiência do Rascunho, criou outro jornal literário, O Cândido, que também tem dado certo, com o suplemento circulando mensalmente por todo o país. 

Como se não bastasse, Rogério Pereira, que só há algum tempo contou ao diretor da Gazeta Mercantil sobre o “empréstimo” do seu livro de poesia, faz ainda curadoria para várias bienais de literatura. Edita a revista Helena, da Secretaria de Cultura do Paraná; cuida do Prêmio Paraná de Literatura; do Paiol Literário, um programa que tem levado ao estado escritores de todo o país; e ainda está nos seus planos, para o ano que vem, caso não mudem as coisas, criar o Espaço Rascunho, que será uma espécie de livraria e café.

 “Também publico toda semana uma crônica no site Vida Breve. Já escrevi mais de 100. Acho que quando chegar a 500 conseguirei tirar 50 que não me envergonhem muito. Se conseguir, publico um livro com elas. Caso contrário, esqueço o assunto e continuamos a tocar a bola pra frente”, conclui sem perder o humor.

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