Constitucionalidade plena
Como pode continuar votando leis aquele que a própria lei teve por delinquente? E condenado?
A Constituição de 1988 foi vista, inicialmente, por uma parte da doutrina, como filiada à leitura estrita do texto. Leitura apta a afastar variáveis decorrentes do regime ditatorial então afastado. Escrita com olhos para o passado, defendia os cuidados de sua elaboração.Passaram-se anos. Quase 25, em ininterrupta linha democrática. A leitura constitucional abriu caminho para princípios e fundamentos que a haviam norteado. Também foi possível destacar o quanto eram impróprias as regras impostas pelos atos institucionais, ao sabor da conveniência do poder antes dominante. Em 1988, aprofundou-se a compreensão da Carta Magna e do Ato das Disposições Transitórias. Assim foi, pela força estrutural do interesse coletivo, pelo destaque principiológico voltado para a aplicação subordinada aos interesses coletivos, presentes e futuros, acolhidos pela maioria.
É bem verdade, porém, que o preceito da legalidade desde então foi desrespeitado reiteradamente pelo poder público. Basta um exemplo: é conhecida a ofensa à obrigação estatal de honrar seus débitos, e em dia. O dever foi substituído, sem maior cerimônia, por retardamentos de anos e anos. Foi insistente a protelação, vinda do Poder Executivo, aceita pelo Legislativo e não resistida pelo Judiciário, para impor o calote.
A Constituição, enquanto texto aprovado pelos constituintes, representantes do povo, foi desrespeitada e mutilada. Deveria ser composta, nas alterações e emendas da redação final, pela expressão clara dos princípios essenciais, nela enunciados. Mas não foi assim. A Carta Magna se transformou em uma colcha de retalhos. Confundiu-se a aplicação do direito. Houve enfraquecimento dos preceitos da lei para todos, pelos quais o rumo constitucional não poderia ser decorrente apenas da política, no pior sentido do termo, e de interesses grupais preponderantes na cachoeira em que se afogou a maioria do Congresso.
No campo oposto, a constitucionalidade plena foi defendida pelo Judiciário no caso do mensalão. Para tanto evocou base jurídica, objetivos essenciais, princípios de aplicação nacional e internacional. Ficou claro, porém, que esses aspectos foram esquecidos quando se tratou do cumprimento das leis pelo Legislativo e pela administração. Desaguou na constante reformulação de seus termos, em que a razoabilidade passou longe dos textos aprovados, sacrificado o tratamento igualitário de todos, cidadãos e poder constituído, ante o Estado.
Como se há de ver a Constituição aplicada? Um pormenor basta para a resposta direta: é incompatível com a igualdade de todos perante a lei que condenados a longas penas por crimes graves continuem redigindo leis, com os privilégios decorrentes, pelos quais todos nós pagamos. É ofensa inaceitável. Contraria o princípio essencial dos valores dignos, entre os quais o da moralidade da gestão pública, prevista no art. 37 da Carta Magna. Como pode votar leis aquele que a própria lei teve por delinquente? E condenado?
No casuísmo da política, não atingiremos a constitucionalidade plena para todos. No julgamento final do mensalão pelo STF (Supremo Tribunal Federal), foi suprida a omissão do Legislativo para chegar ao direito aplicável, na busca do fazer Justiça. É o exemplo que fica para a história.
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