CRÍTICA CORRESPONDÊNCIA
Ensaios de organizador dão relevo a cartas esquemáticas
Volume reúne missivas de Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda
Sua correspondência com o historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) é infelizmente pequena e esquemática, apesar de ter começado logo após a Semana de Arte Moderna de 1922 e encerrar-se em 1944.
Na maior parte das vezes, os dois trocam informações rápidas, sem que o escritor mais velho assuma o papel de mestre literário que dá tanta importância às cartas enviadas, por exemplo, ao poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987).
Muito menos os dois se abrem à confidência, ao desabafo pessoal.
Constitui assim um grande feito, do ponto de vista analítico, o trabalho de Pedro Meira Monteiro ao organizar e comentar esse magro maço de papéis, que termina resultando num livro de 400 e tantas páginas.
Cada nome, cada livro mencionado por Mário de Andrade ou Sérgio Buarque se torna objeto de extensa nota de rodapé. A tal ponto que, mesmo uma lista minúscula dos assinantes da revista "Klaxon", que Sérgio Buarque estava encarregado de arranjar no Rio de Janeiro, é investigada pelo organizador.
DETALHISTA
Assim, a senhorita Augusta Chermont, interessada na publicação modernista, recebe uma nota na qual se diz que não há nenhuma informação a seu respeito, exceto a de que foi embargada uma construção imobiliária em terreno de sua propriedade, no ano de 1940.
Mais interessantes, por certo, embora igualmente detalhistas, são as considerações feitas por Pedro Meira Monteiro no longo ensaio aposto à correspondência.
Ali se examina, em especial, o enigmático comentário de Sérgio Buarque à obra de Mário de Andrade.
Sem ter escrito uma crítica mais aprofundada à obra do amigo, apesar dos pedidos que recebera nesse sentido, Sérgio Buarque expressa sua discordância com tudo o que, em Mário de Andrade, aproximava-se do conservadorismo religioso de Tristão de Athayde (1893-1983).
PECAR PELO EXCESSO
O problema, estudado com maestria nesse ensaio, é o de como passar da irreverência de 1922 para uma fase mais "construtiva" (palavra com que Sérgio Buarque antipatizava) e integrada de modo mais orgânico, isto é, sem exotismos, no espírito popular.
Sem optar nunca pelo culto à "ordem" dos intelectuais católicos e dos escritores ligados à ditadura varguista, Mário de Andrade estaria em alguns de seus escritos (incluídos no apêndice do livro) tendendo para certo catolicismo, certo coletivismo, que o afastaria do pensamento mais problematizante de Sérgio Buarque.
Em torno desse problema, o ensaio de Pedro Meira Monteiro traz digressões por vezes bastante distanciadas do núcleo original do livro, como, por exemplo, um paralelo entre as preocupações de Mário de Andrade e a obra do escritor inglês Thomas Hardy (1840-1928).
Melhor pecar pelo excesso, deve ter pensado, do que pela falta. É exatamente esse espírito que o leitor gostaria de ver adotado por Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda nessa coletânea de correspondências.
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